“A Teia vai nos unir”

Na última sexta-feira, dia 28 de janeiro de 2011, Miguel Nicolelis ministrou uma palestra, a convite do Movimento dos Blogueiros Progressistas, no Auditório da Livraria Siciliano do Shopping Midway Mall (Natal/RN). Nicolelis aderiu recentemente ao Twitter, onde sofreu a dificuldade de provar que ele é o neurocientista Miguel Nicolelis, e sugeriu que sua palestra tivesse o título “Eu juro que eu sou eu”.

Tomando como ponto de partida sua recente experiência com o Twitter, Nicolelis falou sobre Ciência, democracia, redes sociais e de como o caráter libertário de cada um desses elementos pode convergir para um mundo novo e melhor. Abaixo, segue o registro de cerca de 20 minutos (de uma palestra que durou 40), seguido de breve comentário.

Identidade

A identidade é um valor caríssimo na modernidade ocidental. Porém, ela se reveste de um caráter opressor quando o que temos são classificações impostas pelos valores sociais e quando certas coisas como etnia, classe social, sexo/gênero e fenótipo estão imbuídas de significados pré-estabelecidos.

As redes sociais virtuais, que servem de máscaras para a maioria das pessoas, paradoxalmente permitem que demonstremos um “eu” muito mais complexo do que aquele que apresentamos no cotidiano e que é baseado em um conjunto de preconceitos e expectativas a respeito de nosso sexo/gênero, nacionalidade, profissão, “raça”, etnia e idade, entre outros aspectos.

Nicolelis cita seu próprio exemplo, mostrando que o fato de ser cientista não quer dizer que uma pessoa tenha que se limitar a viver 100% de sua vida pensando, sentindo e fazendo Ciência. Cada um de nós é uma complexa teia de identidades, as que nos são impostas, as que se desenvolvem a partir de nossas experiências e a que escolhemos para nós mesmos.

Porém, pouco interessa quem queremos ser ou o que os outros querem que sejamos. Para o mundo à nossa volta, que inclui milhares de pessoas que não conhecemos pessoalmente, importam muito mais nossas ações e o resultado positivo delas para o máximo de pessoas possível.

Democracia do conhecimento

As redes sociais trazem uma possibilidade libertária para que todos participem da produção, desenvolvimento e divulgação do conhecimento. Blogs, microblogs, fotologs, videologs, comunidades e grupos de discussão permitem que o papel divulgador de notícias e saberes não se limite às pessoas encarregadas socialmente desse papel, sejam jornalistas, filósofos, sacerdotes ou cientistas.

O monopólio da notícia e do saber não apenas cai por terra, como expõe, através dos múltiplos agentes civis que noticiam em primeira mão os fatos que veem ao seu redor (e com os quais às vezes estão envolvidos diretamente), através de câmeras de celular e mensagens de 140 caracteres que podem ser vistas em todo o mundo, quanto a mídia hegemônica e os nichos acadêmicos estão corrompidos por interesses mesquinhos.

Além disso, a facilidade com que cada um pode divulgar sua visão dos fatos, bem como a distância global que essa divulgação alcança, permite que a participação no debate internacional não seja unilateral, pois, se os meios de comunicação podem escolher divulgar ou não as respostas às suas matérias, essas respostas podem ser disponibilizadas e acessadas com muito maior alcance através da internet. O direito da liberdade de expressão assim se faz muito mais efetivamente e tem resultados democráticos muito mais autênticos.

A grande Teia Neuronial

Nicolelis usa (em minha opinião, muito apropriadamente) a palavra “teia” para substituir aquilo que costumamos chamar, em linguagem da internet, “rede”. É, de fato, a tradução literal de “web” e se coaduna melhor com as características, apontadas por Nicolelis, de ser uma realidade que se espalha mas, por causa dos inúmeros fios e conexões, não pode ser quebrada.

Além disso, é uma teia que se constrói segundo suas próprias regras, segundo a própria experiência coletiva que a tece e que não é ditada por autoridade alguma a não ser aquela da democracia que faz a si mesma. A teia é também o lugar em que a identidade criada por cada um e utilizada para interagir (e aqui temos outro paradoxo) não importa tanto quanto se sentir pertencente a uma realidade maior do que nós e o resultado de nossas ações para o conjunto daqueles que formam essa teia.

A importância da Ciência (e eu não me resumiria apenas à Neurociência, mas daria também uma atenção especial às Ciências Humanas) para o reconhecimento de que todos os seres humanos existem na condição da isogênese é crucial para entendermos quão importante é a participação igualitária dentro dessa teia, num exercício de democracia virtual.

Cada um de nós, como nossas teias neuroniais individuais, criamos sinapses com outras teias, construindo uma Teia maior e mais significativa em que cada um de nós é importante perante os outros e (outro paradoxo) não tão importante quanto a coletividade. A Teia pode, enfim, ser vista como um embrião da verdadeira democracia pura (em que cada um representa a si mesmo), que almejamos utopicamente desde a Antiguidade e que ainda não conseguiu ser realizada neste planeta.

Adendo (30/01/2011 e.c.)

Esqueci de colocar um link para o blog Blogueiros Progressistas do RN, dos responsáveis pelo evento. Veja aqui o post deles, em que fazem um bom resumo do que foi discutido:

3 comments

  • Thiago,

    Como sempre, nesta grande teia internetica, a Teia Neuronial é garantia de uma leitura!
    Já tinha lido sobre a palestra de Miguel Nicolelis no Encontro de Blogueiros Progressistas do RN, mas ainda não tinha assistido o vídeo. O cara é, como se dizia numa gíria antiga, massa! Eu conhecia um pouco das posições progressista de Nicolelis, só não sabia que elas estavam tão afinadas com os ideais da blogosfera também dita progressista. Muito bom!

    Mas será que a teia vai realmente nos unir? De que outra forma seria possível que um paulista que nunca foi ao Rio Grande do Norte poderia trocar textos e impressões com um potiguar que não também não está em São Paulo, nem faz parte do meu circulo "real" de relações? Essa enorme teia de relações e trocas de informações e conhecimento de certa forma já nos uniu. O levante egípcio, que começou a ser "tecido" na teia/rede via facebook e Twitter é um exemplo grandioso do poder que se esconde, ou melhor, que se mostra, sob nossos teclados e sobre nossas cabeças _ Praticamente toda informação relevante que eu consegui sobre os acontecimentos na Tunisia e no Egito foram pela internet, a cobertura da imprensa tradicional tem sido pra lá de medíocre.
    Mas a reação do governo ditatorial do Egito também nos forneceu outro exemplo, também assustadoramente grandioso, do quanto essa teia é frágil. Por 8 dias toda a rede de internet e telefonia foi derrubada pelo governo e emissoras estrangeiras tiveram seus sinais bloqueados. Assusta saber que toda a rede/teia caiu sem a menor dificuldade, graças a tecnologias criadas com incentivos financeiros do pais que se diz "o grande defensor do mundo livre".
    Durante a realização do Campus Party 2011, muitos blogueiros denunciaram que sites de blogs como o "Diário da Liberdade" _ pró basco _ têm sido "bloqueados" para assinantes da Telefónica, empresa de capital espanhol. A operadora nega, mas até a polêmica ganhar a rede eu, que sou assinante do Speedy da telefônica, também não conseguia abrir a página do blog.
    Bem, a teia vai nos unir? talvez a pergunta devesse ser outra: Até que ponto vão deixar que essa teia cresça livremente a ponto de nos unir a todos? Não sei a resposta. Gostei de ouvir o otimismo de Nicolelis, mas tenho cá minhas preocupações.

    Eu só discordo de um trecho do início do poste que diz que "A identidade é um valor caríssimo na modernidade ocidental". É só meu ponto de vista, mas acho que a "identidade" é um valor caríssimo ás comunidades humanas como um todo e desde sempre. O que considero que seja um "valor" caro às sociedades ocidentais, ou pelo menos a ideologia predominante no Ocidente, seria a individualidade, a livre iniciativa.

    Abraço!

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