Downloads gratuitos

Toda a polêmica gerada pelo projeto de lei Stop Online Piracy Act (SOPA), proposta por senadores americanos e apoiada pela indústria do cinema e da música, se espalhou pelo mundo. Ainda que esta seja uma lei nacional americana, a discussão tem proporções mundiais, o que não poderia ser diferente, tendo em vista que os limites geográficos tornaram-se menos claros quando relacionados à busca e obtenção de informações a partir da internet.

A lei proposta visa criar novas proibições com intuito de conter os downloads gratuitos feitos de forma ilegal – de acordo com os parâmetros oficiais ainda vigentes – penalizando até os usuários domésticos que fizerem downloads ou adquirirem produtos a partir de sites considerados piratas. O principal alvo da nova campanha anti-pirataria movida por gigantes da indústria de entretenimento, como a Universal Music, foi o site Megaupload, cujas atividades foram encerradas e seus proprietários presos.

O fechamento do Megaupload desencadeou uma retaliação de proporções jamais vistas no universo virtual: o coletivo de hackers Anonymous invadiu e tirou do ar o site da Universal Music, do Departamento de Justiça Americano e até mesmo o FBI foi alvo do ataque, entre outros.

Mas um dos maiores problemas em torno dessa situação, que envolve consumo e distribuição de produtos considerados piratas, e que precisa ser melhor discutido é a questão da autoria.

Muitos dos envolvidos no debate alegam que os autores das obras baixadas gratuita e ilegalmente pela internet são prejudicados, pois perdem os direitos que teriam como autores de suas obras. No entanto, essa parece uma leitura equivocada, já que não se discutem os méritos dos autores – sejam de discos, filmes, livros ou jogos – mas os meios de distribuição de suas obras.

Um disco do Caetano Veloso, que já se mostrou tantas vezes contrário a essa ideia de pirataria, continuará a ser do Caetano Veloso, suas músicas continuarão sendo atribuídas a ele, a quem realmente pertencem de fato e direito. Porém, o acesso a essa obra é que tomou novas formas, tornou-se mais democrático, tendo em vista que já não depende exclusivamente do poder aquisitivo de quem a consumiria, usualmente a preços elevados. Consumidores de jazz, por exemplo, sofrem frequentemente com os preços praticados pela indústria fonográfica, sempre altíssimos.

A possibilidade de adquirir gratuitamente essas obras, de uma maneira rápida, simples e bem mais barata, permite ao expectador vivenciar e desfrutar de materiais a que seu poder aquisitivo não lhe permitiria acesso da maneira tradicional. Logo, as obras baixadas gratuitamente têm maior alcance e chegam a consumidores a quem antes estariam vedadas. Se isso interessa ao mercado, não sei: aliás, provavelmente, não. Contudo, essa acessibilidade interessa muito ao expectador – a quem faz muito bem – e deveria também interessar aos artistas e produtores, pois o alcance de suas obras se tornou mais factível.

Provas interessantes disso são os discos produzidos por artistas brasileiros chamados “independentes” e postos para download gratuito em suas páginas oficiais na internet. A quantidade de material produzido é cada vez maior e sua qualidade cada vez melhor. De uma lista dos 15 melhores discos brasileiros produzidos em 2011, em minha opinião, pude perceber que apenas um ou dois não estavam disponíveis de maneira legal e gratuita nos sites de seus artistas. Se isso é possível para este grupo, por que não seria para os demais?

Hoje, os ouvintes/consumidores podem desfrutar dos discos antes de baixá-los gratuitamente, ou mesmo comprá-los, caso lhes interesse ter o disco em seu formato tradicional. Os shows estão cheios, as redes sociais reverberam esses nomes e permitem a esses músicos que se viva de música.

Já as grandes gravadoras, principais afetadas por essa mudança comportamental do consumidor de música, se sentem afetadas, pois suas vendas caíram vertiginosamente nas últimas décadas. Mas é preciso estar atento a um aspecto: as vendas despencaram, no entanto o consumo não diminuiu e, na verdade, talvez tenha até aumentado. As pessoas continuam baixando seus discos ou comprando versões mais baratas – os tais piratas – dos álbuns lançados pelas gravadoras. Assim, é possível perceber que o entrave acusado pelas gravadoras é financeiro e nada tem a ver com as desculpas de que a venda ilegal impede investimentos em novos artistas ou o próprio barateamento das mídias tradicionais, prejuízos aos aparelhos de reprodução e outras bizarrices.

Verdade é que os downloads gratuitos incomodam apenas a quem mais ganha com isso e a quem mais presta desserviços ao que se produz artisticamente. Os downloads gratuitos são quase uma Reforma Agrária do universo virtual, em que aqueles que mais têm se recusam a aceitar a divisão de seus domínios, ainda que seja por um bem maior.

Imagem em destaque

2 comments

  • A discussão é que, em tese, as gravadoras, os estúdios cinematográficos ou as editoras, com o dito prejuízo em função da pirataria virtual, não repassaria os 'royalties' a que fazem jus os seus respectivos artistas – ou seja, prejuízos para todos!

    Entretanto, há duas situações não discutidas: a primeira diz respeito aos 'shows cover', que não deixam de ser uma pirataria, quando não repassam nenhuma percentagem da verba adquirida com suas "apresentações piratas" (o que é permitido e tolerado por todos); a segunda, creio que a mais importante, é que a tal pirataria serve como grande divulgador para as artes em geral, gerando, com isso, holofote para muitos artistas que nunca chegara, às grandes massas – e isso é o que mais deveria ser levado em conta! Afinal, quando gosto de um disco, filme ou livro baixado, vou à loja e compro o original!

Deixe uma resposta para DilbertoCancelar resposta