Filmes para crianças – parte 1

Há algum tempo, recebi uma sugestão da leitora Roseana da Penha Oliveira de apresentar sugestões de filmes para ser usados em sala de aula, para um público infanto-juvenil, crianças e adolescentes, e resolvi pensar numa relação de obras cinematográficas que foram importantes para minha infância, adolescência e mesmo adultidade, que possam servir para instigar a mente de estudantes jovens.

Este post é direcionado especialmente para adultos que estejam buscando filmes para seus filhos, sobrinhos, netos, filhos de amigos etc., e pretendo que seja encarado como um miniguia. As crianças e adolescentes que se sentirem à vontade para ler as resenhas (de preferência depois de ter visto os filmes, para não estragar a surpresa), estão convidados à leitura e a comentar, se quiserem.

Nessa primeira parte, abordarei alguns filmes de fantasia, que levam o espectador a um outro mundo distante e diferente, de modo a seduzi-lo e levá-lo a pensar em situações de sua própria realidade. A alegoria fantástica serve para refletirmos sobre o mundo real.

A título de esclarecimento, não considero que estes filmes sejam exclusivamente para crianças e/ou adolescentes. Eles são uma boa diversão para os adultos despojados do preconceito de que há uma barreira inquebrável entre filmes “maduros” e “infantis”. Aliás, sugiro que os filmes sejam vistos pelas crianças na companhia do adulto responsável. Isso torna a experiência ainda melhor.

Agradeço a colaboração de Rúbio Medeiros e Betânia Monteiro na elaboração deste texto. Seus insights e sugestões sobre os filmes foram imprescindíveis para tornar estas resenhas mais significativas.

Finalmente, dedico a série de posts Filmes para Crianças aos seguintes infantes (em ordem decrescente de idade): Diego Leite, já não tão infante, irmão com quem compartilhei alguns filmes na tenra idade; Naninha Leite, irmã mais nova, a quem acompanhei na apreciação de algumas obras cinematográficas significativas; Arthur Medeiros e Brunna Monteiro, filhos de amigos, cinéfilos que me ajudam a corroborar a qualidade de alguns filmes; e Paulinho Mota, “neto-enteado”, pequenino cuja trajetória na cinefilia tenho observado de perto.

Em Busca do Vale Encantado (The Land Before Time)

Em Busca do Vale EncantadoDireção: Don Bluth

País de origem: Estados Unidos

Ano: 1988

Littlefoot (Pé Pequeno) é um um filhote de dinossauro pescoçudo (apatossauro), nascido durante uma grande escassez de alimento, quando diversas manadas de várias espécies de dinossauros empreendenram uma marcha conjunta em busca de um mítico lugar chamado Vale Encantado.

Ele aprende desde cedo que as espécies não se misturam, e é proibido de brincar com Saura, uma filhote de tricorne (tricerátops). No entanto, a caminhada é tragicamente afetada por um choque de placas tectônicas, que separa vários filhotes de suas famílias.

Littlefoot assiste à morte de sua mãe, ferida numa luta contra um tiranossauro, e se encontra sozinho, desolado e desamparado. No entanto, o encontro com outros filhotes perdidos o reanima a continuar a busca pelo Vale Encantado. Ele se junta a Saura, Patassaura (uma saurolofo), Petrúcio (um pteranodonte) e Espora (um bebê estegossauro) para formar uma pequena manada mista em busca do destino antes almejado por seus pais. Eles contrariam assim a sabedoria aprendida dos dinossauros adultos de que as espécies diferentes não fazem nada juntas.

Apenas quando trabalham juntos, os pequenos dinossauros conseguem vencer o tiranossauro e encontrar o Vale Encantado, onde todos se reúnem a suas famílias novamente.

Os pequenos dinossauros são muito bem representados e agem como crianças verossímeis, com sua curiosidade, distração, conflito com a geração dos pais, solidão e necessidade do outro, frustração,  impotência, ressentimentos, culpa e perdão. Fica muito fácil se identificar com qualquer um deles e aprender com sua experiência, mesmo que fictícia.

Esse filme inspira o universalismo ao propor que as barreiras identitárias (de espécie, de raça, de nacionalidade, de gênero) sejam rompidas em prol de um bem maior, que abranja a todos os envolvidos. A amizade é mostrada como um valor que transcende essas pequenas diferenças.

A obra aborda

  • autossuperação,
  • tolerância,
  • perdão,
  • amizade,
  • cooperação e
  • perseverança.

 

A Viagem de Chihiro (千と千尋の神隠し Sen to Chihiro no Kamikakushi)

A Viagem de ChihiroDireção: Hayao Miyazaki

País de origem: Japão

Ano: 2001

Chihiro é uma garota mimada, sempre reclamando das vicissitudes de sua vida. Enquanto viaja com seus pais para um novo domicílio em outra cidade, eles descobrem a entrada de um estranho santuário que mais parece um parque de diversões temático abandonado.

Os pais de Chihiro entram num restaurante aparentemente deserto e se sentam a uma mesa servida com farta comida, refestelando-se à vontade até se transformarem em porcos. À medida que anoitece, Chihiro vê espíritos (kami) aparecer por toda parte e os diversos prédios começarem a funcionar, como se o dia estivesse amanhecendo para os deuses e entidades que ali habitam.

Ela recebe ajuda de alguns dos espíritos da casa de banhos da bruxa Yubaba, entre eles Kamaji, um velho que aquece as caldeiras das banheiras, Lin, uma mulher que trabalha na limpeza da casa, e Haku, um menino-dragão, aprendiz de Yubaba. Com essa ajuda, ela começa a trabalhar na casa de banhos, tendo seu nome aprisionado por Yubaba e passando a se chamar Sen. Muito atrapalhada, ela se envolve em vários problemas que vai tentando resolver no decorrer de sua trajetória.

Seu primeiro grande êxito é limpar um deus-rio, que está tão poluído com lixo que é confundido de início com um espírito do mau cheiro. Ela percebe isso e consegue, com a ajuda dos outros empregados e da própria Yubaba, “arrancar” toda a sujeira, revelando a face límpida do deus, que recompensa a todos com ouro.

O segundo desafio é enfrentar o Sem-Face, um espírito desamparado que, para chamar atenção de Chihiro, começa a oferecer ouro falso a todo mundo, e começa a engolir alguns dos empregados, tornando-se maior e mais poderoso. Ela consegue reverter tudo e levá-lo consigo para a casa de Zeniba, a irmã gêmea bondosa de Yubaba, junto com mais dois amigos, o bebê de Yubaba e uma ave espiã da bruxa.

Quase todos os personagens que vêm a ser seus amigos provocaram medo nela no primeiro contato, mas ela consegue enxergar o ponto de vista de cada um deles, compreendê-los e superar seu medo. A amizade que Chihiro constrói com todos esses personagens, Haku, Kamaji, Lin, Sem-Face, o bebê e a ave, é importante para que ela supere todos os desafios e finalmente consiga se libertar de Yubaba e ter seus pais de volta. Ao final, ela está bem mais madura do que a menina chata do início.

A obra aborda

  • responsabilidade,
  • maturidade,
  • ecologia,
  • amizade e
  • superação do medo.

 

A História sem Fim (The Neverending Story)

A História sem FimDireção: Wolfgang Petersen

País de origem: Estados Unidos e Alemanha

Ano: 1984

Baseado num livro alemão do autor Michael Ende, o filme conta a história de Bastian, um garoto que, para fugir dos colegas encrenqueiros e da angústia de ter perdido a mãe, se refugia na literatura fantástica. Certo dia, ele descobre na mesa de um livreiro um misterioso volume com o título A História sem Fim, e o “pega emprestado” para ler no porão da escola no horário da aula.

A história que Bastian lê passa para o primeiro plano, mostrando o poder da imaginação do menino e convidando o espectador a fazer o mesmo. É a história de um mundo mágico chamado Fantasia, cuja imperatriz, que é uma menina, está doente. Seu estado afeta todo o reino de Fantasia, e sua morte significaria o fim desse mundo. O responsável por essa situação é um monstro chamado Nada, que está aos poucos destruindo Fantasia.

A primeira cena mostra alguns personagens pitorescos, como um gigante de pedra amedrontador que se mostra bondoso e pacato e uma lesma que corre como um cavalo de corrida. Essas surpresas dão início a um tema recorrente na história: ninguém é o que parece à primeira vista.

O herói da história é Atreyu, um menino indígena guerreiro cuja missão é enfrentar o Nada. Ele empreende uma longa viagem em que conhece vários personagens que o ajudam no caminho. Sua pior vicissitude é a perda de seu amado cavalo. No entanto, ele encontra um dragão que passa a ser seu companheiro. Ao final, enfrenta o Nada, mas este termina por devorar toda a Fantasia.

Em alguns momentos da história, Bastian percebe que sua leitura interfere no andamento da narrativa. Quando enfim Fantasia é destruída, ele dá um nome à Imperatriz Menina, única forma de salvá-la a ao seu reino. Ele então se depara com ela e com a recém-restaurada Fantasia.

O Nada representa o crescente abandono da imaginação pela contemporaneidade, a racionalidade extrema que aos poucos a destrói. Ao mesmo tempo, ao se depararem com o fim de seu mundo, os habitantes de Fantasia mostram quão importante é zelar pelas coisas ao nosso redor.

O filme tem uma estrutura em camadas recorrentes. Em outras palavras, a criança que a ele assiste se identifica com Bastian, que por sua vez se identifica com o herói do livro que lê, Atreyu. Assim, o espectador experimenta sutilmente a identificação com diferentes aspectos de sua personalidade, alguns mais profundos do que outros.

Este filme é especialmente indicado para crianças que já começaram a ler, pois mostra a relação entre leitura, imaginação, especulação, reflexão, criação (Bastian é ao mesmo tempo leitor e autor da História sem Fim) e, enfim, o prazer da leitura.

A obra aborda

  • preconceito,
  • bibliofilia,
  • imaginação,
  • destino,
  • missão de vida,
  • superação e
  • coragem.

Para adquirir os filmes

10 comments

  • A Viagem de Chihiro é uma obra prima. Muito superior a definição de "filme pra criança". (claro, cumpre o seu papel tb, como vc bem o coloca aqui)

    Eu realmente gostaria que se partisse logo esse paradigma, que animações são filmes infantis. =

    Eu indicaria o The Iron Giant.
    Não sei se entra nesta linha de raciocínio, mas gosto de ver a relação entre o robô e o menino.
    expande a afirmação de que todos viveríamos melhor sem o tal do pre-conceito.

  • Cara, adorei o post, e me ocorre como a gente é parecido quanto aos gostos de filmes. A História Sem Fim me traz às lágrimas sempre que assisto, e quanto mais envelheço, mais me é significativo. Na verdade, entendo melhor os filmes citados acima hoje do que antes. Tbm citaria o Iron Giant e que bom é vivem numa época em que se pode ver os filmes da Pixar e do Myiasaki ainda quando são produzidos.

  • @Léo,

    Pertinentíssimo seu comentário. Quando falamos em filmes de animação, o senso comum já tende a vê-los como infantis. Mas basta ver Waking Life para perceber o erro. Além do mais, muitos dos ótimos filmes direcionados para crianças são também muito apreciáveis pelos adultos. O melhor exemplo são as animações da Pixar. Como @Dyego afirma em seu comentário, à medida que crescemos vamos vendo mais coisas e nossa visão do filme vai se enriquecendo pela experiência de vida.

    Sobre The Iron Giant (O Gigante de Ferro), não vou esquecer. Ele vai aparecer numa continuação deste post. Também é uma de minhas animações favoritas.

  • Todos esses filmes que falaste, Thiago, são excelentes mesmo!

    E concordo com o Dyego, parece-me que compreendo melhor tais filmes hoje, na idade adulta, do que quando assisti aos mesmos ainda criança. Creio que certos filmes nos cativam em estágios, sabe? Primeiro você gosta dele porque o protagonista tem um dragão como montaria. Depois, passa a gostar ainda mais quando entende o sentido dado para essa representação de amizade. A Viagem de Chihiro, aliás, considero um filme excelente por ser universal, mesmo estando calcado em valores orientais. Digo, você não precisa necessariamente entender a cultura japonesa para desfrutar das mensagens que o filme trás. Demais!

    Ia até falar de alguns filmes que não foram citados, mas tendo em vista que a série irá continuar, serei paciente e verei se os mesmo aparecerão por aqui ou não, rs!

    Abraços!

    PS: Aff, fazia tempo que não dava as caras, né não? Perdi muita coisa boa, pelo visto. 😉

  • @Joey,

    Qualquer obra se enriquece mais a cada leitura.

    Chihiro esconde, por trás da roupagem nipônica, uma história universal de busca, descoberta e amadurecimento, pela qual todos nós passamos. É como Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll.

    Pretendo ainda listar vários outros filmes, dividindo os posts por temas correlatos. Aguardem!

  • Parabéns pelo site.
    Muito bons também, "Wall-e" (planeta Terra sofre com poluição) e "O Castelo Animado" (uma história sobre caráter e relacionamento).

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