O tamanho de um homem

Uma pesquisa recente realizada por cientistas australianos procurou responder a uma pergunta que atormenta a cabeça de muitos homens mundo ocidental afora: “o tamanho do pênis  influencia na atração feminina pelos homens?” Em outras palavras: “quanto maior melhor?”

A pesquisa foi realizada da seguinte forma. Foram criados modelos tridimensionais virtuais de homens nus, cinzentos e sem pêlos, que variavam entre si em três aspectos: altura, proporção entre ombros e cintura, e tamanho do pênis. Foram mostrados 3 modelos aleatórios para cada uma das 105 mulheres heterossexuais australianas escolhidas como sujeitos da pesquisa, que apontaram qual deles consideravam o mais atraente. O resultado foi que as mulheres preferiram homens (ou melhor, modelos) altos, com corpos mais “masculinos” (ombros mais largos do que a cintura) e com pênis grandes, mas com a ressalva de que os fatores preponderantes foram os dois primeiros e que mesmo os extremos supostamente mais desejáveis foram preteridos (altura e tamanho do pênis extremos). Abaixo, um vídeo-resumo feito pelos pesquisadores.

É interessante notar duas chamadas diferentes, de dois sites diversos, para a mesma notícia. O io9 disse “Últimas pesquisas mostram que o tamanho realmente importa para as mulheres”, enquanto a Nature notificou “O maior nem sempre é o melhor quanto ao tamanho do pênis”. Ou seja, o mesmo resultado suscitou ênfases díspares. Isso revela o peso psicológico da questão e o viés que perpassa a premissa da pesquisa, a metodologia, suas conclusões e as interpretações sobre estas.

Para quem importa o tamanho?

Escultura no Museu Chinês do Sexo
Escultura no Museu Chinês do Sexo

O próprio mote da pesquisa pode ter sido enviesado por uma visão falocêntrica e androcêntrica. Os pesquisadores, antes de se perguntar se o tamanho do pênis é importante para a atração de uma mulher, deveriam se questionar por que essa pergunta é importante. É notória em nossa sociedade a ideia de que homens heterossexuais colocam a aparência física da mulher em primeiro lugar entre os critérios de avaliação da atratividade. E sabe-se que a maioria das mulheres declara que a aparência de um homem é secundária na escolha de um parceiro.

Dessa forma, antes  de se fixar nos dados estatísticos de uma pesquisa baseada em simulações artificiais, é importante antes se perguntar: a ideia de que o corpo de um homem pode determinar a atração sentida por uma mulher heterossexual não seria a aplicação do olhar masculino heterossexual que pensa nos atributos físicos da mulher como o primeiro traço a ser considerado?

(É claro que o estereótipo do homem para quem basta a mulher ser “bonita” para ele ser feliz (independentemente da personalidade dela) pode ser desconstruído na observação das inter-relações reais. A valorização de mulheres consideradas fisicamente bonitas como objeto de escolha do desejo masculino pode estar mais relacionada à ânsia pelo reconhecimento dos pares do que aos próprios anseios do indivíduo quanto à sua “mulher ideal”.)

Também é notório a ideia geral de que o tamanho do pênis é mais importante para os homens do que para as mulheres. Para eles, a autoestima pode ser fortemente influenciada negativa (pênis relativamente menor) ou positivamente (pênis relativamente maior).

Traços físicos

No centro, o modelo intermediário, ao lado dos dois modelos extremos

Ao considerar o quesito proporção do corpo, traduzida especificamente como a razão entre largura dos ombros e a da cintura, ignoram-se outras possibilidades que poderiam ser significativas, como a proporção do comprimento dos braços e/ou das pernas, tamanho e/ou formato da cabeça etc.

(A propósito, a cabeça de todos os bonecos virtuais é a mesma, tem o mesmo tamanho e o mesmo formato, e não foi levada e consideração a possibilidade de um tipo de cabeça combinar mais com um certo tipo de corpo (em termos de uma certa harmonia), ocasionando ou não uma mudança no nível de atração.)

Também vale a pena refletir sobre o fato de todos os modelos apresentados terem uma compleição próxima ao que se considera, no Ocidente, um corpo saudável. Não há modelos magros nem gordos, e uma variação no “peso” poderia ajudar a compreender se há outras combinações de variáveis que seriam mais ou menos atrativas para as mulheres.

Outro aspecto não considerado foi a presença ou quantidade de pêlos no corpo. Os bonecos não possuíam cabelos nem pêlos, e seria interessante saber se a quantidade de pêlos pubianos, por exemplo, teria algum efeito na atração, bem como o corte e o tipo de cabelos, a presença ou ausência de barba etc.

Quanto ao pênis em si, desconsideram-se ainda outras características que não apenas o “tamanho” (não fica claro se se trata exatamente do comprimento), como a largura, o formato (mais cilíndrico ou mais cônico etc.), a altura em que se encontra na pélvis, o fato de estar mais ou menos retraído ou sua proporção em relação ao tamanho do escroto. O tamanho do genital masculino ereto, a propósito, pode não ser facilmente inferido se observado em estado “de repouso”.

Aspectos sociais

Spock e Uhura
O que atrai uma mulher? A inteligência? O uniforme? As orelhas?

Os pesquisadores se basearam em pressupostos de sua própria cultura para elaborar os homens virtuais. Consideraram apenas três aspectos na variação entre os modelos: altura, proporção do corpo e tamanho do pênis. A escolha dessas variáveis, especificamente, pode revelar o tipo de aspecto considerado mais relevante para a cultura dos pesquisadores e dos sujeitos da pesquisa.

As mulheres, ao responderem ao questionamento “Qual desses homens é o mais atraente?”, podem estar respondendo simplesmente aquilo que aprenderam a conscientemente considerar importante na avaliação da atratividade masculina. Declarações desse tipo, expostas a um pesquisador, podem diferir muito daquilo que se passa no íntimo de cada indivíduo.

Além disso, mesmo se considerando que as mulheres estejam sendo sinceras na escolha daquele modelo que consideram mais atraente, isso não leva necessariamente à necessária escolha de tal modelo como parceiro sexual. Não estão sendo considerados diversos fatores subjetivos, psicológicos e sociais que poderiam ser muito mais determinantes do que os traços físicos.

Colocaram-se os sujeitos (as mulheres) diante de imagens virtuais em condições não espontâneas, ou seja, em situação muito diferente de um encontro pessoal com uma pessoa real. Uma situação real deveria considerar vários outros elementos da identidade do objeto de atração, como sua personalidade, seu aparente grau de instrução, suas vestimentas, sua postura, sua linguagem corporal, sua expressão oral, sua classe social e tantas outras variáveis sociais que um modelo estático e sem vida não representa.

Como disse acima, a atração sentida por um modelo sem vida não quer dizer necessariamente que a mulher iria até as vias de fato, se no percurso da interação ela sentisse falta de alguma coisa e desistisse (se você, leitor, é um homem heterossexual, imagine a diferença entre olhar as imagens de bonecas sem vida e interagir socialmente com diferentes tipos de mulheres reais.).

Além disso, se o tamanho e as proporções de um homem ocidental vestido no dia-a-dia podem ser facilmente perscrutados por um olhar atento, normalmente não é tão fácil inferir o tamanho do falo, o que torna esse elemento quase absolutamente irrelevante nesse tipo de situação (a não ser que se considere um possível efeito indireto do tamanho do pênis sobre a personalidade e autoestima do homem em questão).

Mas uma das faltas mais significativas é a pouca abrangência do estudo, que deveria envolver, por um lado, mulheres de diferentes estratos sociais, diferentes idades, diferentes etnias e diferentes culturas e, por outro lado, modelos de tamanhos e proporções ainda mais diversos, abrangendo um escopo maior do que a média dos homens europeus. A perspectiva biologista dos pesquisadores pode fazê-los pressupor que esse tipo de pesquisa revelaria necessariamente algum ditame biológico não afetado por fatores sócio-culturais.

Uma perspectiva mais sociológica/antropológica poderia radicalizar e permitir ir ainda mais fundo na compreensão das dinâmicas das inter-relações afetivo-sexuais de homens e mulheres, incluindo, entre outras, a homoafetividade, que poderia esclarecer ainda mais a influência do sexo-gênero na avaliação pessoal dos critérios de atratividade.

Links

Imagens

  • Destaque: Pão Antropomórfico, de Salvador Dalí
  • Escultura no Museu do Sexo da China
  • Modelos usados na pesquisa
  • Cena da Série Clássica de Star Trek

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