É preciso o Orgulho Nerd?

Ontem, dia 25 de maio, foi o Dia da Toalha. Esta data foi inventada por fãs da obra de ficção científica/comédia de Douglas Adams, autor de O Guia do Mochileiro das Galáxias, segundo o qual a toalha é o item mais útil que um mochileiro das galáxias pode levar numa viagem pelo espaço sideral.

Essa data também é o dia da estreia de Guerra nas Estrelas, em 1977. Como muitos fãs das histórias de Guerra nas Estrelas e da obra de Adams são nerds, resolveram transformar esta data também no Dia do Orgulho Nerd, ou Dia del Orgullo Friki, comemorado pela primeira vez em Madrid, Espanha, em 2006.

A palavra orgulho, na acepção sugerida no nome dessa data, tem um quê de ação afirmativa, como a que se vê em datas como o Dia da Consciência Negra, o Dia do Índio e o Dia Internacional da Mulher. São datas em que se espera que as pessoas pensem a respeito da necessidade de superação do preconceito e discriminação de diversas minorias. Dito isso, o que significa “orgulho nerd”?

Homo sapiens sapiens nerdus

Nos EUA, nerds e geeks são identidades estigmatizadas que aparecem no contexto da hierarquia da popularidade nas escolas. De forma geral, aqueles garotos e garotas que não se empenham em atividades populares, como esportes, e preferem se dedicar ao que a escola oferece por excelência, ou seja, aos estudos, são marginalizados.

Mas uma pessoa pode ser nerd também se for um colecionador de algo não-convencional ou pouco compartilhado pela maioria, como música pouco conhecida de de países pouco conhecidos, quadrinhos, filmes de ficção científica, card games, video games et coetera et al. Às vezes se usa o termo geek para se referir a alguém que tem uma obsessão por alguma dessas coisas.

Entretanto, ao invés de tentar negar seus gostos pessoais e se enquadrar no modelo mais aceito de popularidade, os nerds passaram com o tempo a ter cada vez mais orgulho do que são. Se considerarmos o sucesso que muito da dita “cultura nerd” passou a acumular (vejam-se franquias como Guerra nas Estrelas e Jornada nas Estrelas, livros como O Senhor dos Anéis, personagens como super-heróis da DC Comics e da Marvel Comics), além do fato de muitos nerds terem feito grande sucesso na vida, como Bill Gates, Steve Jobs, Quantin Tarantino, Steve Jackson, Neil Gaiman, Alan Moore e quejandos, tem havido cada vez menos motivo para se considerar os nerds como uma raça inferior.

Dessa forma, o Dia do Orgulho Nerd aparece como uma forma de reconhecer um estilo de vida como possível e como passível de respeito. Se alguém gosta de ficar em casa no computador ou jogando video game ou vendo episódios antigos de Jornada nas Estrelas ou estudando, ou se gosta de sair para convenções de ficção científica ou encontros de cosplayers ou feiras de informática, é uma opção pessoal. E se considerarmos que esse eventos, em alguns lugares do mundo, são muito populares até entre os não-nerds, entendemos que os gostos nerds podem ser bem aceitos e acolhidos por grande parte da população.

O que pode ser bom. Mas pode ser ruim. Se por um lado à “cultura nerd” subjaz um gosto pelo desconhecido, um prazer de descobrir coisas novas, uma neofilia que busca aprender e apreender conhecimento, uma afinidade pelos estudos, pela reflexão e pelo pensar, é muito positivo que o mundo se torne cada vez mais nerd.

Por outro lado, a ser nerd também subjaz um gosto por coisas da infância. Desenhos animados, quadrinhos, bonecos de ação e video games foram interesses de uma ou duas gerações que se mantêm na idade adulta daqueles que não deixaram de ser nerds com a idade. A pessoa, então, pode vir a perder muito tempo com coisas supéfluass. É claro que isso só diz respeito a elas como indivíduos livres, mas uma tendência ao bitolamento pode ser muito prejudicial se grassar em larga escala.

Nerd: comum-de-dois-gêneros ou epiceno?

Interessa notar que a identidade nerd é normalmente um estilo masculino, ou seja, a maioria dos nerds são homens. A “cultura nerd” se compõe de interesss que na maior parte são cultivados por garotos. A maiora das obras de ficção científica são histórias de ação e aventura. A maioria das histórias em quadrinhos é de super-heróis. Os gadgets eletrônicos têm até um destaque especial em revistas masculinas como UM: Universo Masculino e Men’s Health.

Essa relação entre nerdice e testoterona é tão difundida que mulher nerd se torna um tema à parte. Lembro de um episódio de Mission Hill em que os meninos nerds sonhavam com uma universidade em que eles seriam reis e onde as mulheres os prefeririam aos brutmontes dos esportes. Essa forma de pensar exclui a ideia de que nerd é uma identidade que possa ser assumida naturalmente por uma mulher.

Porém, há uma parte da “cultura nerd” que em geral interessa mais às garotas/mulheres do que aos homens. Shoujo manga, por exemplo, é um estilo de quadrinhos japonês indicado para meninas, enquanto josei manga se destina a mulheres. Também podemos observar que muitas séries de TV têm mostrado temas ao gosto das mulheres.

Mas a boa notícia é que esses temas têm cada vez mais unido meninos e meninas, homens e mulheres, ao redor de interesses comuns. Há homens que gostam de Sailor Moon e de Love Junkies, e há mulheres que gostam de Dragon Ball e Vagabond.

Neste sentido, até aquilo que atualmente se considera a mais masculina das nerdices, que é a tecnologia, está sendo bem aceita pelas mulheres. Tenho uma amiga, por exemplo, que não saciou sua sede por novidades ao comprar um Apple Macbook Air e comprou também um iPhone. E ela não é dessas que compram só para estar na moda (hoje em dia é fashion ser geek) ou que subutilizam a tecnologia que adquirem.

“O mesmo que fazemos todas as noites, Pinky…”

É impossível conceituar com exatidão o que significa nerd ou geek. Houve uma época e um local em que isso era claro, como disse no início do artigo. Mas hoje em dia vemos que a popularização de temas que antes eram cult ou underground, além do interesse generalizado das gerações mais novas pelas mais novas tecnologias, têm criado um contexto em que é melhor falar de um “universo nerd/geek” (que é ele mesmo interconectado com outros universos) do que em pessoas nerds/geeks.

Outro efeito dessa generalização é que esses termos ganham significados próprios dependendo do grupo que os utiliza e da região em que se localizam. Aqui em Natal pouco se ouve falar de nerds a não ser pelas próprias pessoas que se identificam como tais.

Em determinados contextos, como entre programadores de softwares, ser nerd pode ser sinônimo de dominar uma ou mais linguagens de programação. Em outros contextos, um nerd pode ser alguém que está inteirado sobre tudo o que se relaciona com quadrinhos e literatura. Também há os cinéfilos, que se pode considerar um tipo de geek.

Um dos resultados desse dissenso é que podemos encontrar na internet um “teste de nerdice” cuja nota máxima só pode ser alcançada por um estudante de Ciências Exatas. Os nerds que estão na área de Ciências Humanas, que não se consideram menos nerds, não serão considerados nerds completos pelo referido teste.

Mas, como eu disse acima, há um “universo nerd” mais ou menos compartilhado por diferentes pessoas, e mesmo um indivíduo que se diga “100% nerd” não poderá (devido a limitações humanas) se inteirar de tudo o que acontece nesse universo. A tendência atual se mantém no sentido de que cada nerd se torne um geek, no sentido de se superespecializar numa região da nerdosfera, tal como um cientista se especializa numa área de conhecimento.

Dito isso, o orgulho nerd é uma coisa supérflua. Reforçar uma identidade, como o fazem os movimentos de ação afirmativa tais quais  Movimento Negro e o Movimento Indígena, pode prender as pessoas a uma escolha que dificulte a autenticidade de sua individualidade. O melhor é que cada um construa sua identidade individual segundo suas próprias idiossincrasias e não seguindo modelos a priori.

Em suma, como disse meu amigo Dyego, “a nerdice veio para ficar” e está dominando o mundo, com suas vantagens e desvantagens. Não é à toa que o o manifesto nerd diz que é direito de todo nerd “dominar o mundo”. Também é, segundo o mesmo manifesto, dever de todo nerd “tentar dominar o mundo”.

Ah, e meu Dia do Orgulho Nerd teve um pouco de nerdice, sim. Pesquisei e incorporei algumas ferramentas ao meu blog; fiz uma pesquisa pensando na possibilidade de comprar um iPhone ou um iPod Touch; conversei um pouco sobre seriados de ficção científica com um colega do trabalho; estudei idiomas no LiveMocha; assisti a um episódio de Star Trek: the Next Generation; escrevi um texto sobre nerds no meu blog… Só esqueci de sair para trabalhar vestindo minha camiseta “Spock for President”, mas aí não ia dar…

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6 comments

  • Obrigada pelo comentário elogioso em meu blog. De coração.
    Eu jurava que o dia da toalha tinha sido em março! Se eu soubesse que foi dias atrás, teri ido para o trabalho com uma bela toalha pendurada no pescoço.
    Acho dispensável esse negócio de "orgulho". Podia apenas ser o "Dia do Nerd". Ninguém tem que reivindicar respeito por ser inteligente, ora essa!

  • Pois é, Gil. E não é que eu me esqueci de trazer a toalha para o trabalho ("ih, Thiago, você bloga no trampo? Vá trabalhar, vagabundo!"). Mas tudo bem, ano que vem vou arranjar uma toalha com um 42 bordado.

    Quanto ao "orgulho nerd", concordo com você. Acho que o orgulho faz sentido quanto às realizações positivas de uma pessoa, não pelo fato de ela ter um QI avantajado – usado apenas para discutir com os amigos as falhas de continuidade de Jornada nas Estrelas ou o porquê de alguns Jedis terem sabres-de-luz azuis e outros verdes.

  • Eu não fiz nada nerd nesse dia. E tb concordo com nossa amiga lôra.
    o/
    Fiquei em dúvida sobre o termo 'geek', que a mim, sempre passou a idéia de "nerd de tecnologia".

    Minha posição (no mundo nerd), vc já sabe. Sei q ninguém leva a sério, mas tenho meus motivos.
    XD

  • <blockquote cite="#commentbody-69">
    Fiquei em dúvida sobre o termo ‘geek’, que a mim, sempre passou a idéia de “nerd de tecnologia”.

    @Mr. T, é que esses termos, tanto nerd como geek como friki e como tantas outras palavras, têm significados fluidos, dependendo do contexto, da época, da intenção de quem os usa. Em suma, a língua é um fenômeno social que tem história, muda com o tempo. Sempre.

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