Palavras incestuosas

Inês me contou que, quando fez o curso Teoria e Prática da Autopesquisa, uma professora pareceu constrangida ao abordar o tema sexo na frente do filho, que também era aluno no curso. A voz da professora, segundo a narradora da história, quase não saiu, e ela se apressou a pular para o próximo tópico. É tão forte o tabu do sexo nas relações familiares, em muito especial na relação entre pais/mães e filhas/filhos, que provoca situações de enorme constrangimento não só para os protagonistas de um determinado incidente, mas para quem o presencia.

Minha monografia de graduação, por exemplo, que defendi em 2004, disserta sobre a derivação psíquica comum de dois tipos de desejos que em nossa cultura são antagônicos: o desejo sexual de um homem por uma mulher e o amor do filho pela mãe. Minha mãe assistiu à minha defesa, e da minha parte não houve qualquer constrangimento para tratar desse assunto na frente dela, que se sentou na primeira fileira de carteiras da sala, bem diante de mim, que fiquei em pé ao apresentar meu trabalho.

Provavelmente ela ficou um pouco constrangida, mas ao final estava tão emocionada ao ver o filho galgar mais uma etapa em sua formação que isso superou qualquer constrangimento. Mas alguns colegas me perguntaram:

Você não ficou nervoso falando sobre isso na frente de sua mãe?

Senhores de SiNo livro Senhores de Si, do antropólogo português Miguel Vale de Almeida, que estudou as representações sobre masculinidade numa aldeia do interior de Portugal, observou que havia uma conduta tacitamente proibida na ida dos homens a bares. Um pai e um filho nunca saíam juntos nem entravam ou se encontravam ao mesmo tempo num mesmo bar. Se isso ocorresse, era por acidente e causava constrangimento em ambos.

Não é muito comum que pai e filho conversem sobre sexo ou sobre suas experiências sexuais. É muito mais comum que esse tipo de conversa ocorra entre amigos ou entre um paciente e um psicanalista, numa relação profissional. É também costumaz que tanto o pai quanto o filho tenham vergonha de demonstrar afeto à parceira (ou parceiro) na presença do outro. Causa estranheza, por exemplo, quando um casal permite com naturalidade que a filha leve o namorado para dormir em sua casa, e até a moça, para quem isso é uma vantagem, pode ficar desconcertada com essa situação.

O tabu do incesto nos obriga a reprimir qualquer desejo sexual por aqueles indivíduos que nos são proibidos, como os pais e os irmãos. Essa proibição parece se estender a qualquer evento que envolva o mero pensar em sexo junto com outras pessoas. É como se compartilhar pensamentos sobre sexo com outra pessoa fosse análogo a fazer sexo com ela, mesmo que não se esteja pensando em fazer sexo com essa pessoa. Assim, discutir esse assunto com a mãe, o filho ou a irmã é sentido por muitas pessoas como um ato incestuoso.

Luke e Leia
Por isso, em muitas sociedades que mantêm como costume os ritos iniciáticos, a iniciação de um jovem é presidida por um homem mais velho que nunca é seu pai, e a de uma jovem por uma mulher que não é sua mãe. A maturação sexual, simbolizada pelo rito de passagem, também é um assunto cercado de mistério e tabu, mesmo em nossa sociedade, e os pais só participam de longe.

Mas os mitos estão repletos de relações incestuosas que muitas vezes são vistas como necessárias ou desculpáveis, principalmente quando se trata de deuses que se casam com suas irmãs, tal como Zeus com Hera, Manco Cápac com Mama Ocllo e Osíris com Ísis. Também há o caso exemplar de Ló, embebedado e seduzido pelas duas filhas para perpetuar sua linhagem. Esses casos estão incluídos nas histórias com caráter cosmogônico, e meio que fogem às regras humanas.

Já o caso de Édipo, que se casou com a mãe, é a tragédia do incesto por excelência, e a verdade da relação incestuosa é tão terrível que, quando a descobrem, Jocasta se enforca e Édipo se cega. E os capítulos seguintes da história (que Ésquilo narrou nas peças Épido em Colono e Antígona) tratam de esquecer o que aconteceu.

Nota pós-texto

Este texto foi publicado originalmente em 5 de abril de 2009.

A imagem em destaque é um trecho de Ló e sua Filha, pintada por Albrecht Altdorfer em 1537.

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