Star Wars vs. Star Trek

[Há uma versão mais recente e completa deste texto neste link]

No seriado Os Universitários (Undergrads), a que eu assistia no [adult swim], a faculdade técnica era habitada por nerds e geeks. Entre eles, havia uma certa rivalidade entre os fãs de Guerra nas Estrelas (Star Wars) e os fãs de Jornada nas Estrelas (Star Trek), também conhecidos como trekkers.

Eu não conhecia quase nada sobre Jornada nas Estrelas há até certo tempo, tendo apenas visto uns dois episódios de Enterprise e apenas um dos filmes. Porém, sabia quase tudo sobre Guerra nas Estrelas (ao menos tudo o que não incluísse o Universo Expandido), tendo visto todos os 6 filmes mais de uma vez cada.

Tinha um certo preconceito em relação a Jornada, talvez pelo fato de ser uma história produzida em série, o que muitas vezes implica o esgotamento da criatividade, diluída em tantos episódios e produções cinematográficas. Mas eu já havia assistido a praticamente quase toda a série Babylon 5, uma obra de ficção científica muito boa e de qualidade.

Há algum tempo venho me interessando cada vez mais pelas histórias de ficção científica que têm como tema alienígenas e extraterrestres, e esse interesse me levou a buscar conhecer melhor Jornada nas Estrelas, que é, a propósito, uma das principais influências de J. Michael Straczynski para a concepção de Babylon 5. Só a idéia de um conjunto de histórias que trata das relações entre diversos povos da galáxia já deveria ter me levado a conhecer melhor a Jornada. Então decidi comprar a primeira temporada da série clássica. Ao assistir a vários episódios, comecei a refletir sobre algumas diferenças entre Star Wars e Star Trek.

Em primeiro lugar, e isso é fundamental para se entender a maioria das diferenças conceituais entre a mitologia da Força e a alegoria trekker, Guerra nas Estrelas é uma história que se passa há muito tempo atrás, numa galáxia muito, muito distante, enquanto Jornada nas Estrelas é uma fábula futurista que se passa nesta galáxia, com protagonistas cuja origem é o planeta Terra.

Ou seja, enquanto a primeira se trata de acontecimentos muito distantes de nós, a outra concerne o nosso futuro, as conseqüências do nosso presente. Enquanto uma se passa num passado mítico, outra acontece num futuro utópico.

Protagonistas de Guerra nas Estrelas VI: O O nome Guerra já caracteriza a história de Luke e Anakin Sktwalker como um conflito bélico, que destaca como figuras centrais heróis de guerra. Há complôs políticos, traições, golpes e a instauração de um regime de terror totalitário que precisa ser derrubado à força.

Jornada é uma palavra-chave, pois caracteriza a idéia original de uma nave e sua tripulação explorando a galáxia. Os conflitos que ocorrem não chegam a configurar guerras, mas muitas vezes se busca uma solução pacífica, embora isso nem sempre seja possível.

No cenário da Guerra, os poderes de uma casta especial de guerreiros é um ponto fundamental da trama, pois é entre os Jedi que vai aparecer o Escolhido e seu filho. Eles são predestinados desde o nascimento a se tornar figuras centrais dos vários episódios dessa saga épica. Tornam-se figuras notáveis como os grandes guerreiros invencíveis dos mitos antigos, tais quais Hércules, rei Arthur ou Sansão. A decisão de um desses heróis ou os efeitos sobre eles têm conseqüências galácticas, ou seja, eles têm, individualmente, poder de mudar a história.

Os protagonistas da Jornada não são super-humanos. Eles se destacam muito mais por suas peculiaridades individuais, idiossincrasias pitorescas que servem de mote para o desenrolar das tramas dos episódios. Embora haja encontros com espécies alienígenas que possuem poderes sobre-humanos, o mais importante nesses encontros é a resolução das diferenças, as formas de se usar a diplomacia. Dessa forma, o destino de cada episódio não depende somente da decisão de um herói, mas de um conjunto de fatores os mais diversos.

Um dos mais interessantes aspectos da saga da Guerra é o conflito mítico-arquetípico-psicanalítico. A história não é só uma aventura espacial, uma space opera. O cenário de ficção científica aí não é importante, pois a história poderia se passar num cenário de fantasia medieval, na antigüidade grega ou até na contemporaneidade ocidental, com o Império sendo representado por um governo totalitário e expansionista.

A ficção científica apenas serve de máscara para uma história heróica, que remete ao teatro clássico, com episódios de tragédia e drama. O mais notável dos quais é a relação edipiana entre Luke Skywalker e Darth Vader. A sedução inevitável de Anakin Skywalker para o lado sombrio da Força também é impressionante. O desenrolar desse épico tem início, meio e fim, ou seja, a história completa um círculo triunfal, na forma de uma escatologia.

Não há esse elemento dramático em Jornada. O desenrolar das histórias formam como que uma linha mais ou menos homogênea, com altos e baixos que sempre mantêm o universo em equilíbrio. O final de cada episódio traz a normalidade, representada pela repetida observação do Capitão Kirk de que a Enterprise segue firme de volta ao seu rumo.

Acho que a diferença mais básica entre uma e outra está no nível psíquico pelo qual cada uma fisga o expectador. A Guerra apela mais para os sentidos. Quem assiste fica passivo diante do espetáculo, das cores e luzes, das batalhas e duelos, dos confrontos dramáticos entre os personagens. Na Jornada, é a trama que interessa, e o expectador não pára de pensar nas possibilidades de como será resolvido o roteiro, pois atiça a inteligência da platéia. Essa diferença, penso, pode guiar o apreciador de ficção científica a escolher entre uma experiência poético-dramática da Guerra entre o bem e o mal ou uma experiência mais intelectual e abstrata na Jornada pelas descobertas do Universo.

Quanto à abordagem do tema alienígenas e extraterrestres, acho a Jornada melhor, pois, assim como Babylon 5, muitas das histórias se utilizam da questão das diferenças, da alteridade entre as espécies de planetas diversos, como metáfora dos problemas que os povos humanos enfrentam entre si. Quando chegar o tempo em que entrarmos em contato com seres de outros planetas, teremos que estar preparados social, cultural, moral e psiquicamente para lidarmos com povos que provavelmente terão diferenças muito maiores do que as que há entre europeus e africanos, e tais diferenças terão que ser superadas se quisermos evoluir.

Adendo (06/12/2008 e.c.; 11:40)


Republicação e notas

Este texto foi originalmente publicado em 5 de dezembro de 2008 e.c., e estava entre vários posts que se perderam num problema do Dreamhost.

Dia destes eu descobri que conseguiria recuperar os textos (mas não os comentários) através do Google Reader, que armazena todo o conteúdo dos feeds desde o momento em que eu me inscrevo em um. Eu sabia que me inscrever no feed do meu próprio site poderia vir a ser útil.

Minha motivação mais imediata para republicar este texto foi o quadrinhista Fernando Aoki, que, ao que tudo indica, veio à Teia Neuronial através da comunidade do orkut Gosto de Star Wars e Star Trek, onde certa vez deixei um link para o texto agora republicado. Infelizmente ele chegou aqui e não encontrou o texto. Felizmente o texto está aí. Espero que tenha apreciado, Fernando.

Neste momento, 17 de junho de 2009 e.c., já assisti a toda a série original de Jornada nas Estrelas, aos três primeiros filmes e a quase toda a primeira temporada de Jornada nas Estrelas: A Nova Geração, que, a propósito, é muito boa também. A tripulação da Enterprise que aparece no vídeo acima é da Nova Geração.

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