Valente

Spoilers! Este texto contém relevações sobre uma obra de ficção. Se você ainda não a viu e não quer estragar a surpresa, pare agora a leitura.

Valente (Brave, 2012), produção da incorruptível Pixar, traz um conto de fadas com mais uma princesa em busca da realização do seu destino. A diferença é que, contrariamente a todas as princesas Disney (distribuidora da obra), Merida não é uma mera donzela passiva e seu destino é incerto durante toda a narrativa.

Sinopse (com spoilers)

Filha de Fergus, chefe do clã escocês DunBroch, e de Elinor, a primogênita Merida é desde criança incentivada pelo pai a usar o arco, instrumento tradicionalmente reservado aos homens, e ela desenvolve o gosto pela aventura e por tudo o que se relaciona ao mundo masculino, desprezando as lições da mãe sobre feminilidade e a boa conduta de uma princesa.

A impertinência de Merida chega ao cúmulo quando ela se recusa a escolher um pretendente entre os primogênitos dos outros clãs (Dingwall, MacGuffin e Macintosh – este último nome faz parte da homenagem da obra a Steve Jobs), o que quase dá início a uma guerra. Depois de brigar com a mãe e simbolicamente rasgar uma manta costurada por Elinor, Merida segue fogos fátuos na floresta, que sua mãe dizia serem mágicos e levarem ao destino de quem os seguisse, e encontra uma bruxa, que lhe vende um feitiço para “mudar minha mãe e meu destino”.

O feitiço transforma Elinor num urso, o que obriga mãe e filha a fugirem do castelo (especialmente pelo fato de Fergus estar esperando há anos por se vingar de Mor’du, um urso que lhe arrancou uma perna). Merida descobre que o feitiço só pode ser quebrado se ela decifrar um enigma que envolve a reconstituição de algo que foi alterado. Após viver algum tempo com a mãe (em forma de urso) na floresta, elas retornam ao castelo, onde Merida (com o auxílio da mãe) consegue convencer os chefes dos quatro clãs de que a tradição deveria ser alterada e os jovens deveriam poder decidir com quem vão se casar.

Enquanto Merida costura a manta que ela rasgara, pensando que assim poderia quebrar o feitiço, Fergus encontra e enfrenta a própria esposa, achando que é Mor’du, e conclama seus guerreiros para executá-la. O verdadeiro Mor’du aparece, e Elinor consegue matá-lo numa luta. Com todos reconciliados, a rainha volta à sua forma humana e o equilíbrio é restabelecido numa nova ordem.

A jornada da heroína

A trama de Valente em si mesma é um simples conto de fadas como qualquer outro. Segue toda a estrutura narrativa campbelliana (a jornada do herói) e acrescenta pouca novidade em comparação com as histórias folclóricas consagradas, especialmente aquelas imortalizadas na telona pela Disney. Porém, a Pixar sabe, mais do que adaptar contos de fadas para o cinema, inventar novas fábulas (quase todos, senão todos, os roteiros do estúdio são originais). E mesmo pisando em terreno conhecido, Valente traz uma novidade óbvia, que é uma heroína do sexo feminino.

Logo no começo da história, vemos que Merida está destinada ao conflito entre a liberalidade do pai e as exigências tradicionais da mãe. E é bom salientar que a jovem não se torna pura e simplesmente uma guerreira obtusa como Fergus. Diferente deste, ela acredita em magia e em lendas, e deve isso à sua mãe. Sem esse elemento fantástico, a trama não se desenvolveria como o fez.

No início deste texto eu disse que Merida não é como as outras princesas Disney. E o principal elemento que lhe falta para ser uma é um interesse amoroso, um príncipe para chamar de seu (ou para que ele a chame assim). Nenhum dos pretendentes desperta o menor interesse nela, e durante toda a história não aparece a menor menção sub-reptícia de um possível amor romântico. Merida é uma amazona como as das lendas gregas, condensa em si mesma os dois papéis, o de princesa e o de guerreiro, assumindo a responsabilidade pelo próprio destino.

Todo a resolução do conflito é resolvida pelas duas mulheres protagonistas, Merida e Elinor. Não que nas lendas e contos as mulheres não resolvam conflitos (vide Psiquê na mitologia grega), mas é raro que o façam como guerreiras e não utilizando a psique. Normalmente, o feminino, nos contos de fadas, se encarrega da parte mágica e psíquica dessa resolução, enquanto os conflitos físicos são tarefa dos homens. Em Valente, vemos uma mudança nesse paradigma, pois as duas metades, o yin e o yang do drama, são empreendidos pela mulher.

A fábula poderá ter um efeito positivo em meninos, acostumados com heróis masculinos, e em meninas, que praticamente só conhecem nas histórias garotas que são princesas. A quebra do paradigma sexual dualista, embora ainda não radical, possibilita a reflexão sobre a liberdade individual perante as exigências sociais quanto à identidade de gênero.

Herói em corpo de princesa

O filme tem uma mensagem oculta, que a maioria das crianças e grande parte dos adultos não vão perceber. Merida é uma transexual. Ela não assume a identidade feminina exigida pela sua cultura, tendo uma personalidade e hábitos de um homem. Participa ativamente de atividades esportivas/bélicas, caminha com uma postura masculina, não se importa quase nada com vestidos e maquiagem e não segue a etiqueta ensinada por sua mãe à mesa.

É importante fazer uma referência a Mulan, uma das principais princesas da Disney. É inevitável que se façam comparações entre as duas, mas Mulan não nasceu no corpo errado, digamos assim. Ela não é uma amazona, e só assume a identidade de homem para evitar uma desonra familiar e a destruição do Império Chinês. Quando termina sua missão, ela volta a ser a moça prendada que sempre foi e até se casa com um galante general ao qual serviu em batalha.

Merida continua a ser, de certa forma, um rapaz em corpo de moça ao final da história, e mesmo mantendo uma identidade feminina, pode-se ler nas entrelinhas uma tímida mensagem destinada às pessoas que, por alguma razão, sentem-se como se não pertencessem ao sexo com o qual nasceram.

Corrobora essa interpretação a necessidade de sua mãe assumir outro corpo para vir a compreender a filha. O feitiço ajudou Elinor a entender o drama de Merida, ou seja, a falta de identificação com o próprio gênero. Sendo assim, embora seja muito sutil, a mensagem do filme é bem subversiva para os padrões do cinema infanto-juvenil. A pequenos passos, o cinema está evoluindo.

Adendo importante (10/08/2012 e.c.) (editado em 28/11/2013 e.c.)

Vejo agora que a afirmação acima de que Merida é “transexual” é uma forçação de barra que teria sido melhor evitar.

Leiam com atenção o post Princesa, heroína e guerreira: Valente de Nívea Melo, uma crítica muito boa ao meu texto, que traz outras questões pertinentes para a compreensão da mensagem do filme. Leiam também o texto que escrevi posteriormente, Merida, seus pretendentes e o transgenerismo.

15 comments

  • não vejo a necessidade de entender a Merida com 'corpos trocados', vejo apenas uma menina (com o corpo de menina, naturalmente) que nasceu com atitude e força suficientes para não seguir os fatos sociais. o corpo feminino demanda sempre uma dita "passividade", se não já temos que enquadrá-la como corpo masculino?

    • Não é necessário entender assim. É apenas uma leitura possível e, a meu ver, muito significativa.

      Mas também pode-se-a entender como uma menina que assume um outro tipo de feminilidade. Porém, "feminilidade" e "masculinidade" são construções sociais idealizadas. No fundo, Merida é um indivíduo humano com suas características pessoais, que mistura uma ideia socialmente construída do que é uma "menina" e atitudes socialmente entendidas como "masculinas", ao mesmo tempo em que desenvolve sua trajetória narrativa com elementos míticos mistos: a magia de Psiquê e a espada de Arthur.

      🙂

  • Prezado Thiago,

    Houve um equívoco crasso quando se denominou a Valente princesa Mérida como transexual, pois existe uma diferença abissal entre ser transexual, ou seja, pessoa com Transtorno de Identidade de Gênero, e ser uma pessoa simplesmente inconformada com seu papel social de gênero. E sinto que este tipo de confusão, se perpetuada, seja um desserviço tanto para as mulheres apenas inconformadas com um papel social que as oprime e reprime, quanto para os transexuais, inconformados com seu sexo biológico.

    Veja algumas definições tiradas do ótimo artigo “Transexualismo Masculino” de Amanda V. Luna de Athayde
    (http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0004-27302001000400014&script=sci_arttext), artigo este que recomendo fortemente ler:

    Gênero: é o que o ser humano se torna sexualmente, seja homem ou mulher.

    Identidade de gênero: é a convicção interna de feminilidade ou masculinidade.

    Papel de Gênero (gender role): é o estereótipo social do que é masculino e o que é feminino.

    Desordens de Identidade de Gênero: é quando existe uma discordância entre o sexo biológico e sua identidade de gênero, entre as quais se encontra o transexualismo.

    Veja, o transexual não se opõe apenas ao papel social que lhe é imposto como homem ou mulher, ele realmente sofre desesperadamente por ter o sexo biológico que tem e em muitos casos tenta até se mutilar para tentar fazer seu corpo se parecer mais com o sexo com o qual se identifica. Moças biológicas, mas transexuais masculinos, podem tentar arrancar os seios e meninos biológicos, mas transexuais femininos, podem tentar arrancar o pênis, por isso é tão importante diagnosticá-los cedo e encaminhar para cirurgia de mudança de sexo, para evitar que sofram desnecessariamente e até se mutilem…

    O Transexual geralmente tem extrema antipatia, aversão mesmo, ao próprio genital e aos caracteres sexuais secundários, como seios, barba, músculos ou a falta deles etc. Às vezes o transexual prefere ficar sem atividade sexual, extirpando o pênis, por exemplo, para se parecer com o sexo com que se identifica, do que ter alguma atividade sexual com seu genital. A atração sexual para eles é secundária, várias vezes muito baixa, o problema real é o desgosto com o próprio sexo.

    Veja a definição do CID-10 sobre Trasexualismo:

    F64.0 Transexualismo
    Trata-se de um desejo de viver e ser aceito enquanto pessoa do sexo oposto. Este desejo se acompanha em geral de um sentimento de mal estar ou de inadaptação por referência a seu próprio sexo anatômico e do desejo de submeter-se a uma intervenção cirúrgica ou a um tratamento hormonal a fim de tornar seu corpo tão conforme quanto possível ao sexo desejado.

    Sugiro assistir o excelente documentário “Meu eu secreto”, sobre crianças transexuais, para melhor compreensão do transexualismo, que quase nada tem a ver com atração sexual:

    MEU EU SECRETO – Histórias de Crianças Transgêneras (Parte 1/3) http://youtu.be/HC57MOD4Xqw
    MEU EU SECRETO – Histórias de Crianças Transgêneras (Parte 2/3) http://youtu.be/i4pMGMm3XQs
    MEU EU SECRETO – Histórias de Crianças Transgêneras (Parte 3/3) http://youtu.be/E0shS5vhtw0

    (continua… os comentários podiam poder ser maiores…)

    • A Valente princesinha Mérida não exibe sofrimento intenso por seu sexo biológico de mulher, não tentou extirpar seus seios ou mesmo disfarça-los com faixas apertadas, leva seus cabelos revoltos ao vento sem corta-los ou trançá-los como os guerreiros da época faziam, não usa calças, usa saias e sente-se confortável com elas, usando-as até para escalar montanhas.

      Mérida se ressente de seu papel social opressivo de mulher, de não poder correr livre em seu cavalo, de não poder usar seu talento como arqueira em competições, de não poder lutar por si mesma.

      Mérida também não exibe atração seja pelo sexo oposto, seja pelo sexo similar ao seu, nem por rapazes, nem por moças, pois é muito jovem e o foco do filme foi a relação de amor entre Mérida e sua família, principalmente sua mãe, a rainha reprimida e submissa ao seu papel social de gênero e que tentava impor à Mérida sua própria repressão e submissão ao papel social de princesa e mulher.

      Veja, a rainha era uma mulher extremamente forte, poderosa, porém rigidamente reprimida e resignada ao seu papel social, usando o poder que tinha somente dentro das limitações deste papel, sendo emblemática a conversa que tem com o pai de Mérida quando este tenta lhe ajudar a falar com a filha e se espanta quando ela deixa escapar, como se falando com Mérida, que ela também, apesar de estar agora bem casada, teve seus receios ao ser obrigada a casar, mas acabou casando e ficou tudo bem.

      A jornada desta mãe e desta filha para a desrepressão é o foco do filme, Mérida aproveita as lições da mãe quando necessário, usando sua presença e porte ao cruzar o pátio cheio de guerreiros brigões fazendo-os parar de brigar com sua magestosa presença, impostando sua voz ao fazer seu discurso e, divertidamente usando a técnica do pai, gritando para faze-los parar de falar quando quer. Mérida aceita e utiliza tanto as lições da mãe quanto as do pai para conseguir seus objetivos.

      Também é interessante ver que Mérida não se amedronta frente aos outros guerreiros e ao pai, enfrentando-os e até cruzando espadas com o pai e impedindo-o de machucar a mãe-ursa. Quantas meninas héteros, perfeitamente identificadas com seu sexo biológico, não sonham a mesma coisa ao ver suas mães submissas sendo espancadas por este mundo a fora?

      Mulheres inconformadas com a imposição social de seu papel de gênero não são necessariamente homossexuais e muito menos transexuais, muitas de nós somos mulheres heterossexuais e gostamos muito de nosso próprio sexo biológico – e mais ainda de nossa capacidade de termos orgasmos múltiplos, só quem já sentiu sabe como é bom – e nos sentimos atraídas pelo sexo oposto. “Cheiro de homem” nos encanta e excita. Queremos ter a liberdade de, além de fazer sexo com nosso “príncipe encantado”, poder viver, trabalhar e até lutar ao lado dele. Queremos ter os mesmos direitos e deveres de nossos parceiros, não sermos nosso parceiro.

      Abraços, Nivea Melo http://www.niveamelo.com.br
      (continua…)

      • Mais algumas definições, a grosso modo, só para esclarecer um pouco mais as diferenças e semelhanças sobre a diversidade sexual e de comportamento que há por aí:

        Heterossexual é a pessoa que se identifica com o próprio sexo biológico, gosta de ser homem ou mulher, gosta de ter o próprio genital, gosta de seus caracteres secundários (barba, seios etc.) e sente atração sexual e emocional pelo sexo oposto ao seu. Pode ou não se conformar com seu papel de gênero e participar de movimentos feministas, por exemplo.

        Homossexual é a pessoa que se identifica com o próprio sexo biológico, gosta de ser homem ou mulher, gosta de ter o próprio genital, gosta de seus caracteres secundários (barba, seios etc.) e sente atração sexual e emocional pelo mesmo sexo que o seu. Pode ou não se conformar com seu papel de gênero e participar de movimentos feministas, por exemplo.

        Transexual é a pessoa que não se identifica com seu sexo biológico, desejando ter o genital do sexo oposto e ser do sexo oposto, não importa o tipo de atração sexual que sente, ou se sente. Seu sofrimento é muito maior do que a simples inconformação com um papel social de gênero.

        Travesti é a pessoa que veste roupas do sexo oposto, seja temporariamente, seja por longo tempo, o objetivo é a excitação sexual. O travesti pode gostar muito do próprio genital, de ter um pênis, sendo atraído por homens ou por homens e mulheres. Não confundir com travestismo transexual, quando o transexual veste roupas do outro sexo por identificar-se com ele. O travesti tem forte impulso sexual, o transexual geralmente não tem impulso sexual forte.

        Crossdresser é a pessoa que se veste como o sexo oposto, seja por que motivo for, apenas por brincadeira, por profissão, por gostarem etc. O rapaz que usa saia como curiosidade e protesto social, mas é homem hétero e gosta de mulher, é/está crossdresser.

        Sugiro ver o link da Wikipédia para entender mais sobre travestismo, pois há muito mais diversidade do que imaginamos e esta página da wikipédia tem alguns exemplos e definições ótimos. http://pt.wikipedia.org/wiki/Travestismo

        Abraços, Nivea Melo http://www.niveamelo.com.br

        • Mais um adendo: não dá para saber se a Valente Mérida é heterosexual ou homosexual, pois isso não fica claro no filme, o foco é a relação dela com a mãe e a sociedade machista, mas dá para saber que ela é uma MULHER, não um transexual, e que está inconformada com seu papel social de gênero, não quer ser reprimida e resignada a seu papel social de mulher, como a mãe, mas livre para cavalgar e usar arco e flecha ou espadas, se quiser.

          Para pensar: geralmente quando uma mulher heterossexual tenta se insurgir contra o seu papel de gênero socialmente imposto (redundância proposital), uma das violências que sofre é a tentativa de lhe atribuírem estigmas que não lhe são realistas, como ser homossexual ou transexual. Ela não quer se submeter a seu papel de mulherzinha, então tentam lhe roubar a própria feminilidade, caluniando-a com o estigma homossexual / transexual que não lhe pertence.

          É nesse ponto que identifico o desserviço a nós mulheres e aos transexuais, pois reduz o sofrimento deles ao simples inconformismo com o papel de gênero e nos rouba a possibilidade de sermos mulheres héteros, femininas e valentes inconformadas ao papel de gênero, portanto recomendo fortemente retificar o texto.

          Megabraços fraternos,
          geralmente adoro seus textos,

          Nivea Melo http://www.niveamelo.com.br

          • Muito obrigado, Nívea, por seu comentário épico. 🙂

            A rigor, se tomarmos a personagem como uma pessoa real, ela não se enquadraria no conceito de transexual, como você bem expôs. Estou bem a par dos conceitos que você apresentou, das diferenças entre identidade e papel de gênero, da diversidade sexual humana, da diferença entre transexualidade e homossexualidade. Falta-me mais aprofundamento e atualização nessa área, e com a pressa acabei me atrapalhando com termos e conceitos.

            Ao dizer que ela é transexual, eu não fiz um diagnóstico clínico, mas vi ali o drama de alguém que não se encaixa naquilo que se espera do seu sexo. Na vida real, isso não é transexualidade, como você deixou bem claro, mas se trata de uma obra voltada para o público infantil, e aí há um limite imposto socialmente para o que pode ser mostrado num "censura livre". O drama da mãe, sentindo-se inadequada em um corpo estranho, me pareceu muito significativo para entender ali, de forma bem implícita, uma alusão à transexualidade.

            Concordo com você, embora não tena dito no texto, que não existem pistas no filme para saber se Merida é hétero ou homossexual, pois isso é irrelevante para a história. Da mesma forma, se não aparece nenhum drama sobre uma suposta inaceitação de seu sexo biológico, também não fica claro se ela o aceita tão naturalmente, pois esse tema não é abordado (ao menos não explicitamente). Poder-se-ia pensar, por exemplo, que esse drama não aparece por ser um assunto fortemente tabu no cenário do filme.

            Admito que minha afirmação de que Merida é "transexual" foi equivocada, pois as únicas coisas que dá para dizer com certeza é que ela não quer ser como a mãe, não quer se casar com um pretendente e quer fazer as coisas que seu pai faz. Nada mais. Enfim, era o que eu deveria ter dito, sem me arriscar a adivinhar uma mensagem oculta e exata. Seu comentário me ajudou a perceber isso. De qualquer forma, a mensagem de Valente serve para qualquer pessoa insatisfeita com o que a natureza e/ou a sociedade lhe impôs, seja sua sexualidade, seu sexo biológico, sua identidade/papel de gênero, a obrigação de seguir a mesma carreira dos pais ou o imperativo de abraçar as tradições de seu povo.

            Não vou modificar o texto, mas farei um adendo apontando para seu comentário. Além disso, gostaria de publicar seu comentário na forma de um post, complementando esta postagem.

            Abraço, amiga, e mais uma vez obrigado.

  • Olá Thiago,

    Concordo com você que "a mensagem de Valente serve para qualquer pessoa insatisfeita com o que a natureza e/ou a sociedade lhe impôs, seja sua sexualidade, seu sexo biológico, sua identidade/papel de gênero, a obrigação de seguir a mesma carreira dos pais ou o imperativo de abraçar as tradições de seu povo". Apenas "pulei" com a confusão entre transtorno de identidade de gênero e inconformismo com papel de gênero, pois a Teia é muito lida e muito respeitada, logo um texto como este, repetido ad infinitum pela web afora, poderia causar mais confusão do que ajudar. E esta confusão, seja feita inadvertidamente, como seu caso, ou com o objetivo proposital de causar dano à mulher que não se conforma com seu papel social, já é um problemão no mundo atual. As pessoas desconhecem estes conceitos, confundem tudo vejo isso acontecer o tempo todo. E não apenas contra a mulher, o rapaz que usou saia para sentir na pele como era sofrer preconceito social provavelmente foi chamado de "viado" por alguém, seja verbalmente ou em pensamento…

    Grata pelo convite, mas não tenho certeza de como postar isso em texto separado, pois foi comentário em relação ao seu texto, só se existir link entre os dois textos, de maneira bem clara.

    Megabraços fraternos,
    Nivea Melo – http://www.niveamelo.com.br

  • Ah, dá para ver sim que Mérida não tem problemas com seu corpo, até quando escala montanhas e está sozinha ela não dá qualquer demonstração de não aceitá-lo, ao contrário, sua feminilidade é enfatizada por usar vestidos sempre, até cavalgando e escalando, e ter seus longos cabelos evoaçando ao vento. O filme é muito feliz na sutileza com que aborda o não conformismo, tanto de Mérida com seu papel social, quanto com sua mãe, com o corpo de ursa. Penso que é um filme que ajudará gerações de crianças, tanto hétero, homo e transexuais a serem mais assertivas em suas vidas e terem a noção de que podem sim serem diferentes, que não precisam se submeter ao que a sociedade lhes impõe.

    Caramba, realmente gostei do filme e "pulei" com a confusão do texto, rsrsrsrsrs

    Abraços, Nivea.

    • Nívea, quanto aos cabelos de Merida, penso que há uma controvérsia. Para nosso olhar ocidental contemporâneo, os cabelos soltos e longos são uma marca de feminilidade. Mas veja que os homens do clã Macintosh usam cabelos longos e soltos, e é até possível que isso faça parte da identidade masculina em seu grupo. Ademais, as mulheres do filme, ao menos as do clã DunBroch, usam o cabelo preso, inclusive a mãe de Merida, e prender o cabelo em certas situações é exigido dela.

      Mas sobre o vestido, realmente…

  • A identidade visual do personagem, inclusive seu cabelo, foi feita pensando no público, ou seja, nós ocidentais atuais. A "Ruivinha danada", "Ruivinha Pimenta" faz parte do imaginário ocidental. Veja, se não fosse assim, jamais fariam a Mérida escalar montanhas espontaneamente com vestido longo, pois isso seria muuuito incômodo rsrsrs…

  • Olá Thiago,

    Gostaria de deixar aqui registrada minha admiração com o acolhimento da minha crítica ao seu texto, além de compreendê-a ainda a publicou no próprio site, isso sim foi épico!

    Passo a admirar mais ainda o tecelão e sua teia!

    Abraços, Nivea Melo

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