"Vamos marcar"

A Vida de BrianJá estive em assembléias para decidir os rumos de uma greve da qual participei. Era comum agendar uma reunião para tomar uma decisão futura e, quando tal reunião chegava, decidia-se marcar outra reunião. Essa situação foi hilariamente parodiada em A Vida de Brian, no qual um grupo revolucionário marca uma reunião para decidir a data de outra reunião, na qual será agendada uma outra etc. Foi engraçado ver uma piada sobre algo que presenciei de tão perto.

Mas isso ocorre de forma tão comum não só na vida corporativa. Quantas vezes não encontramos um velho conhecido e, na ânsia de mostrar algum interesse pelo reencontro, dizemos “vamos marcar qualquer coisa aí”. E esquecemos de marcar, ou esquecemos de marcar a ocasião em que vamos marcar o encontro. O “vamos” serve como um adiador indefinido de uma ocasião que ocorrerá num tempo infinitamente futuro.

Muitas vezes, talvez as pessoas se utilizem desse artifício para evitar o reencontro. É como se se sentissem obrigadas a mostrar alguma cordialidade ou polidez. E eu me pergunto se isso não é coisa de brasileiro, o “povo cordial” de que fala Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil, sempre com uma tendência à superficialidade. Será que as pessoas de outros povos costumam fazer isso?

Raízes do BrasilÉ difícil para muita gente assumir com sinceridade que não tem mais interesse em compartilhar atividades com determinada pessoa ou grupo de pessoas. Se não temos interesses em comum, não há sentido em mantermos contato. Tenho um amigo que não se inibe de se afastar de algumas pessoas, por esse motivo mesmo. E acho que ele faz bem.

Isso me leva a pensar nos motivos que levam alguns casais a se afastar depois de terminar o relacionamento amoroso. Muitos casais não se ligam por motivos mais do que físico-emocionais, às vezes só físicos. Não têm uma relação de amizade. Quando o relacionamento termina, não se vêem mais. Penso que, para um relacionamento significar felicidade para duas pessoas, elas têm que ter interesses comuns, projetos em comum, amigos em comum, enfim, têm que ser amigas. Se termina o motivo de estarem juntas como namorados, não termina o motivo de ainda se comunicarem.

Mas às vezes desperdiçamos bons reencontros por causa de uma tendência a querer resolver as coisas às pressas ou no improviso. E, por outro lado, podemos algumas vezes arranjar um encontro que não se torna proveitoso, por nos forçarmos ao ritual da cordialidade. Já tive alguns reencontros agradáveis, “por acaso”, com bons amigos que não via há tempo. Esses são os mais pitorescos.

Hoje mesmo reencontrei, no Orkut e no WIndows Live Messenger, uma querida prima com a qual nunca tive muito contato, mas com quem sempre senti uma grande afinidade. Decidimos que “vamos marcar”, mas concordamos que a data ainda ficará indefinida. No entanto, manteremos contato contínuo até que a situação propícia chegue.

Acho que o ideal é isso, um equilíbrio entre 1) deixar o fluxo do universo promover os reencontros dos fios da teia cósmica e 2) programar. Ao mesmo tempo que esperamos, damos um empurrão no acaso.

Nota

Este texto foi originalmente publicado em 6 de fevereiro de 2009 e.c. e havia se perdido no Grande Naufrágio Neuronial, em abril do mesmo ano. Retomo-o aqui sem retoques. Esta é nota é importante sobremaneira para que os leitores entendam qual foi a data de minha conversa com minha prima.

8 comments

  • Ré, ré, ré, muito bom, meu caro: panorama psico-social bem analisado! Agora entendi por que meu amigo passa tento tempo sem visitar os Morcegos, rá, rá, rá! Abração e parabéns pelo ótimo texto!

  • Acho que esse comportamento tem a ver com a vida corrida que levamos nas grandes cidades, mas a importância que damos a aparência de codialidade nas relações sociais também explica muito. Sugerir o próximo encontro para um dia indefinido no futuro é uma forma de de dispensar o encontro (que, afinal, não deve ser tão desejado assim) sem romper os laços com a pessoa.

    Como minha família tem origem numa cidade (bem) pequena do interior acabo vivendo nos dois mundos, entre a metrópole e o campo. Na cidadezinha da minha mãe, encontrar alguém que está de passagem na praça e dizer: "_ Vamos marcar um dia pra gente conversar." _ Terá como resposta certa: "_ Vamos, sim! Que dia?" _ e o dia do encontro vai ter que ser marcado ali mesmo.

  • @Eduardo,

    Você trouxe um dado muito interessante. Até mesmo com amigos muito próximos, como O Marquês de Pindorama, eu costumo "marcar" sem marcar. Mas é interessante ver que no interior, onde as pessoas têm mais tempo para a sociabilidade, as pessoas costumam marcar seus encontros. E às vezes nem precisam marcar. Como vemos no interior do Rio Grande do Norte, os encontros nas calçadas ou nos bares para conversar e fofocar são feitos automaticamente.

  • Não me atenho muito à cordialidade e nunca faço questão de manifestar o desejo de marcar alguma coisa só para me livrar daquele conhecida(o) chata(o). As amizades boas, na minha opinião, são aquelas que duram independente do tempo de ausência das partes. Quando você liga para ou encontra alguém que faz tempo que não vê, mas a sensação de 'parece que nos vemos ontem!' está presente, um encontro futuro será marcado sem delongas, pode apostar.

    Inté!

  • @Gilson, talvez as duas coisas. A internet nos oferece uma oportunidade para inúmeros "reencontros afastados", ficamos no MSN ou Orkut, mantendo a cordialidade sem a necessidade da proximidade física.

    @Joey, o interessante é que raramente esse "vamos marcar" acontece comigo quando reencontro alguém pessoalmente. Acho que minha linguagem corporal fala muito forte às pessoas sobre minha vontade de "não marcar nada pois sei que vai ser chato".

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