A brazilian western…

A matéria Faroeste à Brasileira, da CartaCapital desta semana, versa sobre a situação dos guaranis no Mato Grosso do Sul e a questão fundiária envolvendo os territórios indígenas. Nesse cenário de western, índios são violentados de diversas formas pelo poder local, especialmente os grandes proprietários de terras. Alguns índios estão encarcerados, como diz o trecho a seguir, que resume alguns dos principais problemas da questão indígena no Brasil.

Na carceragem, o comportamento do líder kaiowá e dos outros dois indígenas presos com ele, Cassimiro Batista e Antônio Barrio, é considerado “exemplar” pelo diretor do presídio, Alexandre Ferreira de Souza. De acordo com ele, dos 207 internos, 50 são índios, um quarto do total. De uniforme laranja, eles estão habituados a andar de cabeça baixa e com as mãos para trás, como reza a disciplina local. Reclama da falta de colchões e da ausência dos familiares. “Minha mulher não pôde entrar porque não tinha certidão de casamento para apresentar. Estou há um ano e nove meses sem visita”, queixa-se Barrio, de 43 anos, pai de nove filhos. O sonho de voltar à liberdade só é refreado por um temor: “Tenho medo de sair e ser assassinado por pistoleiros.” [grifos meus]

O comportamento exemplar dos índios prisioneiros, a cabeça baixa e as mãos para trás, é provavelmente um sinal de sua melancolia, uma reação de desânimo frente às grandes dificuldades a que se expõe a população indígena. Uma dessas dificuldades é a necessidade de assumir costumes “brasileiros”, como registrar um casamento no cartório. O depoimento de que eles têm medo dos pistoleiros reforça a impressão de desamparo.

É importante salientar que há informações sobre agressões provocadas pelos índios, e não podemos nos enganar pelo mito do bom selvagem que não compreende nada sobre o mundo ocidental moderno e não conhece suas manhas, estratégias e armas.

O fato é que os indígenas são, de forma geral, o lado que mais sofre nesses conflitos, e a existência de alguns índios que procuram resolver tais conflitos por vias mais violentas não justifica o vilipêndio direcionado a todos os índios, como é comum ocorrer em certos meios de comunicação de massa.

Outra forma de se denegrir os índios, tão perversa quanto o vilipêndio, e que se pauta na mesma estrutura de representações racistas, é a visão de que os índios precisam ser aculturados devido a uma suposta condição inferior em relação aos brancos, que, por sua vez, deveriam tutelar aqueles, como a crianças:

O pecuarista Gino José Ferreira, presidente licenciado do Sindicato Rural de Dourados e candidato a vereador pelo ex-PFL, é mais catastrófico na previsão: “Os índios estão sendo usados como massa de manobra pela Funai e por ONGs estrangeiras que, na verdade, querem acabar com a economia do estado.” Na avaliação dele, o problema dos índios não é falta de terras. “De qua adianta dar terra, se eles não têm como produzir? Vai dar terra para eles produzirem o quê? A melhor solução é abrir as portas das aldeias para que nós, brancos, possamos ajudá-los. Eu gostaria até de poder adotar uma família indígena.” [grifo meu]

A última frase, que pode passar como uma manifestação humanista, sintetiza uma representação a respeito dos índios que os tem como menos humanos do que os brancos, menos capazes de viverem de forma autônoma e segundo costumes diferentes da civilização. É comum tratarmos essa população como se fosse uma espécie animal em perigo de extinção, que precisa da caridade de alguns benfeitores para garantir sua sobreevivência (ao custo, porém, de renunciar suas crenças, suas visões de mundo, seus modos de vida e suas perspectivas de futuro). Subjaz aí a idéia colonialista de que a “civilização cristã” (este termo é usado explicitamente pelo Movimento Paz o Campo) tem um papel transformador em relação aos nativos da América e seus descendentes.

Os fazendeiros da região estão preocupados com a possibilidade de uma grande parte do território de Mato Grosso do Sul, ou seja, 28 municípios, ser transformado em terra indígena, como mostra o segundo mapa do boletim do Movimento Paz no Campo, Sem Medo da Verdade, número 75. Na verdade, como explicou o antropólogo Rubem Thomaz de Almeida em entrevista à CartaCapital, esse mapa mostra os municípios onde se localizam os territórios indígenas, por isso o território parece ser bem maior do que é.

Não é a primeira vez que o uso de mapas serve para fazer acusações infundadas em casos de regularização de territórios étnicos. Um exemplo análogo foi a matéria O Conto dos Quilombos, da revista ISTOÉ, que apresentou, sem citar sua autoria, um mapa elaborado por Rafael Sanzio (reproduzido abaixo), que mostra os municípios brasileiros onde se localizam comunidades quilombolas. A revista afirmou que o mapa representa as áreas dos territórios quilombolas que o Estado pretende regularizar, ou seja, cerca de 30 milhões de hectares, o que soma algo maior do que o estado de São Paulo. Obviamente, a manipulação dos dados serve para assustar a população incauta.

http://www.secom.unb.br/unbagencia/ag0505-18.htm
Municípios com remanescentes das comunidades dos quilombos

Adendo (29/09/2008 e.c.)

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