A Federação e os impérios de Star Trek

A Federação Unida de Planetas (United Federation of Planets) é uma organização supraplanetária que congrega os povos de vários planetas do Quadrante Alfa no universo de Jornada nas Estrelas. A Federação, embora seja supracultural, tem como base o planeta Terra. Apesar do ideal universalista e multicultural, os valores defendidos pela Federação refletem a ética idealizada pelos próprios humanos que inventaram o universo ficcional de Jornada.

Os principais inimigos da Federação são superorganizações de escopo semelhante. As mais notáveis são os impérios, especialmente o Império Klingon, o Império Romulano e o Império Cardassiano. Normalmente os conflitos entre a Federação e os impérios têm como foco a importância da democracia sobre a opressão totalitária.

A estrutura da Federação reflete o ideal democrático segundo o qual todos os membros de uma organização têm direito de participar das macrodecisões. Por ser sediada na Terra e ter uma representação notavelmente grande de humanos, normalmente a Federação é vista por outras raças como uma representante da “cultura humana”1.

Império Klingon

Kor e Kirk
Kor, representante do Império Klingon, e o capitão Kirk

O primeiro contato entre a Federação e um dos impérios antagonistas se deu no episódio Missão de Misericórdia (Errand of Mercy, 26º episódio da 1ª temporada da série clássica), em que o planeta Organia se vê alvo de disputa entre a Federação (que pretende tê-lo como membro e protegê-lo) e o Império Klingon (que pretende anexá-lo através dos meios que forem necessários).

Neste episódio emblemático, em que é apresentado um povo que viria a se tornar um dos maiores antagonistas da Federação, as diferenças entre o regime democrático da Federação e o regime totalitário do Império Klingon ficam confusas. Para os habitantes de Organia, não há diferença entre ficar sujeito a um ou outro.

Nesse contexto, a Primeira Diretriz (Prime Directive), principal valor da ética diplomática da Federação, que preconiza a não-interferência no desenvolvimento de outras civilizações, se mostra um conceito mais frágil do que se costuma pensar. De fato, o capitão Kirk, nesse episódio, manifesta indignação pelo fato de os organianos aceitarem se subjugar a um império opressor e não a proteção da Federação2.

A belicosidade, tanto da Frota Estelar (braço científico-militar da Federação, cujos membros são os protagonistas da maioria das histórias de Jornada nas Estrelas) quanto dos guerreiros klingons, é problematizada no episódio O Dia do Pombo (Day of the Dove, 11º episódio da 3ª temporada da série clássica), em que a violência física dos combates entre a tripulação da Enterprise e os soldados do general klingon Kang serve como alimento para uma perigosa entidade, que só pode ser derrotada se os dois grupos em conflito cessarem a rinha.

Os klingons foram pensados por Gene L. Coon (roteirista da série) como uma metáfora da União Soviética, em conflito com a Federação, que era uma metáfora do Ocidente em guerra (fria) com o Oriente. Dessa forma, esse conflito foi representado de modo o mais imparcial possível, mostrando os erros de ambos os lados da guerra. Quando Federação e Império Klingon se veem forçados a uma trégua, como acontece mais de uma vez ao longo da série, tem-se aí uma mensagem pacifista.

Infelizmente, essa abordagem crítica se diluiu um pouco nas séries seguintes (a partir de A Nova Geração), e os elementos desse universo foram se posicionando quase que maniqueisticamente (mas não totalmente, felizmente), seja do lado dos mocinhos, seja do lado dos bandidos. Os klingons se tornaram uma raça honrada, perderam o status de Império depois de uma crise interna e passaram a ser aliados da Federação (mas não membros desta). Porém, outros impérios continuaram seu papel de mega-antagonistas.

Império Romulano

Capitão Picard e um representante do Império Romulano
Capitão Picard e um representante do Império Romulano

Na primeira aparição dos romulanos em Jornada nas Estrelas, revela-se que são fisicamente idênticos aos vulcanos, o que desperta sentimentos de intolerância por parte de um tripulante da Enterprise em relação a Spock. Porém, aprende-se que as duas raças são muito diferentes uma da outra, tanto culturalmente quanto em termos de sua organização política.

Os principais conflitos com os romulanos se dão em situações territoriais ou em disputas tecnológicas. Entre os limites do território da Federação e os do Império Romulano existe uma Zona Neutra, cuja condição política é sempre incerta. Em alguns momentos, essa Zona é neutra na prática, mas às vezes é objeto de disputa, a depender de certos interesses.

Dessa forma, os conflitos diretos com os romulanos costumam se dar em situações limite, em que a Frota Estelar se depara com a necessidade de confrontar aves-de-rapina romulanas (suas principais espaçonaves de guerra) em meio a alguma disputa de interesse.

Em certos momentos, os romulanos cooperaram com a Federação, trocando tecnologias e lutando contra inimigos comuns. Porém, a desconfiança mútua sempre foi tamanha que, quando a Federação convidou o Império Romulano a formar uma aliança contra uma ameaça maior (o Domínio do Quadrante Gama), as negociações demoraram muito e foram marcadas por constantes choques de interesse.

O principal papel da Federação na formação dessa aliança foi convencer klingons e romulanos a trabalharem juntos, ou seja, a Federação aparece nesse episódio como um intermediador neutro, representado como uma organização superdemocrática e imparcial que busca conciliar os interesses de todos os envolvidos num conflito. Entretanto, durante as negociações para essa aliança, a Federação se mostrou tão inescrupulosa quanto seus antagonistas, forjando documentos e armando um “acidente” para trazer os romulanos para seu lado.

Império Cardassiano

Dukat, o mais infame representante dos cardassianos, ao lado do comandante Sisko
Dukat, o mais infame representante dos cardassianos, ao lado do comandante Sisko

Depois que deixaram de ser representados como cruéis e traiçoeiros, os klingons não eram mais bons candidatos a vilões de uma oposição maniqueísta e passaram a ser honrados aliados da Federação. A honra guerraira klingon amenizou sua imagem, e foi preciso criar um novo vilão que os espectadores da série pudessem odiar. Surgem os cardassianos, traiçoeiros, opressores, adeptos de cruéis práticas de tortura e de um sistema judicial implacável e injusto.

Ao longo de A Nova Geração e de Deep Space Nine, o povo de Cardassia raramente mostrou uma faceta confiável e/ou amável. A maioria dos momentos em que algum cardassiano ameaçava se redimir eram seguidos de grande decepção.

Seu maior antagonista não era a Federação, mas o povo do planeta Bajor, que fora dominado pelo Império Cardassiano. Este foi expulso por bajorianos revoltosos, e por muitos anos a rixa entre os dois povos se manteve forte.

O principal papel do Império Cardassiano em Jornada nas Estrelas foi servir de contraponto aos ideais mais caros à democracria da Federação. Os cardassianos praticavam sistematicamente a tortura como método de investigação e de punição (contrariamente aos métodos guiados pelos direitos “humanos” da Federação). Eles costumavam estabelecer os crimes contra o Império de maneira enviesada, condenando os culpados antes e julgando-os depois (opondo-se aos ideais de justiça da Federação). Empreendiam o trabalho forçado às populações dominadas, tratando-as sob condições inumanas (enquanto a Federação segue uma ética de igualdade e inclusão).

Porém, a Federação esteve em vários momentos sujeita à necessidade de se aliar aos cardassianos quando enfrentavam inimigos comuns, como os revoltosos maquis. Nessas situações, motivos e métodos divergentes cederam lugar a objetivos comuns, o que incomodou especialmente aos oficiais da Frota Estelar (ou seja, da Federação). Mas a “redenção” dos Império Cardassiano se deu num momento crítico de sua história, em que foram subjugados pelo Domínio e, seguindo o exemplo e a experiência dos bajorianos, se voltaram contra seus algozes. Cardassia finalmente chegou à paz com os outros povos do Quadrante Alfa.

Notas

  1. Entre aspas pelo fato de que, antropologicamente falando, não existe uma cultura humana, mas uma diversidade cultural. Entretanto, pode-se inferir que, para o olhar de uma espécie alienígena, a humanidade não representa uma heterogeneidade tão grande quanto a que os humanos percebem em si mesmos, assim como, para os humanos, uma raça como os vulcanos parece ter toda uma só cultura, mas na verdade possui uma enorme diversidade que só os próprios vulcanos percebem.
  2. De fato, no final do episódio, descobrimos que os organianos não precisam de nenhuma proteção, pois os klingons não representam nenhuma ameaça a eles, uma vez que os nativos de Organia são seres altamente evoluídos e capazes de abortar qualquer tipo de violência ao seu redor.

One thought on “A Federação e os impérios de Star Trek

  • É sempre um prazer quando achamos algum texto bacana falando do universo trekkie.

    Só tem um porém: quem criou e idealizou os Klingons na maior parte das histórias da série clássica foi Gene L. Coon, e não o Roddenberry. #ficadica

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