A Igreja oferece o Paraíso – na Terra
A matéria da CartaCapital sobre o paraíso (!) fiscal protegido pelo Vaticano me levou a pensar: quando é que as religiões não servem para manter o status quo? As religiões imperialistas, como é o caso do Cristianismo em suas várias formas, são estruturas bem fundadas de dominação e poder.
As religiões são como clubes a cujos admitidos se reservam privilégios. Quando Homer Simpson percebeu que alguns de seus amigos tinham regalias que ele não tinha, não descansou até descobrir que bastava fazer parte dos Lapidários (uma sátira da Maçonaria) para mudar de vida.
Os Lapidários não são apenas uma sátira das instituições secretas. Eles são uma piada com qualquer tipo de instituição religiosa e espiritualista que defende valores imateriais mas funciona como uma acumuladora de riquezas materiais. Seus interesses são materialíssimos.
As instituições que se estruturam como clubes, tal como as religiões, as máfias e as seitas, funcionam por uma lógica de solidariedade que privilegia os colegas em detrimento do seu merecimento. Essa lógica não se baseia numa prática altruísta, mas na troca de favores. Um ajuda o outro para assegurar que este ajudará aquele se a situação pedir.
Quando um padre é assaltado, o bispo ou arcebispo responsável por sua paróquia faz com que as polícias Civil e Militar sejam mobilizadas para localizar os criminosos. Quando um sacerdote é acusado de pedofilia, toda a Igreja o acolhe e o defende. Se um pastor é achado em desgraça devido a um crime cometido por ele, muitos fiéis o defenderão. Enfim, se alguém frequenta sua igreja, é mais provável que você tenha vontade de ajudá-la do que a alguém de outra afiliação.
Essa é a forma tradicional de funcionarem as relações entre indivíduos de uma família, que se protegem (quase sempre) incondicionalmente. Por isso é tão comum que os membros de uma igreja evangélica se chamem de irmãos e que nas relações entre os envolvidos nas máfias italianas seja tão importante o parentesco e as alianças de sangue.
A promessa de um lugar melhor depois da morte, feita pelas doutrinas de várias religiões, tem como uma de suas grandes motivações a expectativa de estar junto daqueles que amamos, ou seja, de não perder o vínculo ao qual estamos apegados. Complementa-se a isso o desejo de estar longe daqueles com quem não nos damos bem, que ou morrerão definitivamente ou irão para o pior dos lugares.
Ou seja, o importante para essas pessoas é a vida que têm na Terra e não uma vida diferente, que transcenderia o corpo e seus sentidos, que permitiria uma percepção amplíssima do universo, uma cosmovisão que poderia até permitir ajudar outras pessoas. Ao contrário, a vontade dessas pessoas é ter vida eterna no paraíso, sem a necessidade de mudar quem são, de abandonar os hábitos e posturas íntimas que lhe são tão caros e que podem até ser negativos.
O Velho Testamento muitas vezes descreve a copiosa e opulenta vida de um personagem como Abraão como o resultado do amor de Deus por ele, retribuição do amor do homem pela entidade divina. Ainda hoje a oração como pedido a Deus reflete essa mentalidade subserviente, que pensa o humano como fraco, incapaz de conseguir realizar suas tarefas sem a ajuda de um ser que controla tudo e que atenderá as solicitações de quem o bajular melhor. Situação que me lembra muito a cena inicial de um certo filme, em que um homem consegue um favor ao beijar a mão de um poderoso chefão e chamá-lo de Padrinho.
Assim, embora as pregações cristãs enfatizem a busca pela vida eterna ao lado de Deus como principal objetivo de um devoto, ele não vai se interessar por esse negócio se não tiver um retorno imediato, ou seja, se não conseguir ao menos a promessa de um emprego, da cura de uma doença ou do fim de um conflito familiar. Se não consegue a concretização dessa promessa, talvez procure outra igreja ou talvez se culpe por não ter rezado direito.
Se as coisas andarem bem para essa pessoa, ela vai procurar resolver seus problemas mobilizando suas próprias forças. E pode ser que ganhe como bônus um pouco de autoestima.
[Este texto foi publicado originalmente em 27 de abril de 2009 e.c.]
6 comments
Tiago, só me resta comentar… "oh jesus"… (hehehe) sorry, escapou!
Mas isso não seriam algo inerente do ser humano, ou de seu modelo de sociedade?
Afinal, QUALQUER núcleo social a qual se faça parte terá lá os seus benefícios que ultrapassam o limite da atividade oficial do núcleo.
Seja seu grupo de bocha ou de card-game…
Aliás, sabe q na maçonaria todos se tratam como irmãos também, né? Com o cúmulo de chamar as esposas de "cunhadas" e os filhos de "sobrinhos".
pois é…
What the Hell, @Fernando! 😛
Sim, claro, @Mr. T, não nego isso, mas estou me referindo no texto às contradições e, em alguns casos, hipocrisia, dos discursos religiosos e sectários.
Essa dos maçons eu não sabia. 😀 Assaz pitoresco! Eles fazem parecido com algumas sociedades tribais, em que todos de sua geração são seus irmãos, todos os da geração anterior são seus pais e todos os da geração seguinte são seus filhos.
Gostei da sua análise dos mecanismos de devoção ao dinheiro, dessas pseudo-igrejas da atualidade!
Aproveito e te passo outra informação Thiago: foi no século 13 que a Igreja Católica começou a transformar a figura do diabo enganado, daquele que era vencido pelos homens que apostavam a sua alma em troca de algo (como naquele episódio do Chapolin, sabe?), pela figura de um soberano dos infernos, capaz de condená-los à danação eterna por conta dos pecados cometidos em vida. Isso veio, de certa forma, como uma ferramenta política daquela época, visto que Igreja e Estado eram uma coisa só. A igreja criou um "código de conduta" que definia o conceito de um bom cidadão dos dias de hoje. Seguindo esse código, as pessoas estariam diretamente sob o comando do governo/igreja, aumentando a centralização da massa urbana, ainda pequena, da época para, com isso, incrementar o poder dessas intituições. Como quem tem poder, sempre quer mais poder, a coisa começou a descambar e… Bom, você pode ver bem alguns dos resultados alcançados! Hehe!
Inté!
Valeu, @Joey Salgado.
É interessante ver como a representação de Deus e do Diabo foram mudando de acordo com os interesses dos que professam a crença neles. No Velho Testamento, Deus era chamado de Senhor dos Exércitos. Já no Novo ele é todo paz e amor. No entanto, durante as Cruzadas, Jesus chegou a ser representado como o líder dos cruzados…
Às vezes Marx tem razão…
Mr T, Concordo plenamente com sua afirmação que "QUALQUER núcleo social a qual se faça parte terá lá os seus benefícios que ultrapassam o limite da atividade oficial do núcleo." mesmo porque é bastante lógico que venhamos a auxiliar antes os que temos afinidade de àqueles que desconhecemos.
Entretanto discordo desta atitude ser "algo inerente do ser humano". Acho mais plausível isso esta atitude ser algo inerente do instinto humano, buscando sua própria sobrevivência.
Ressalto a palavra instinto pois creio que apesar de sermos animais instintivos temos a possibilidade (e meta) de agirmos cada vez mais conforme nossa racionalidade (pode-se chamar também de espiritualidade ou mesmo de ética maior).