Antianticomunicação
O Ministro de Comunicações Hélio Costa sugeriu, no 25º Congresso Brasileiro de Radiodifusão, que os jovens vejam e escutem mais TV e rádio e usem menos a internet. Completou sua fala dizendo que do faturamento do setor de telecomunicações a TV participa muito pouco e o rádio participa muitíssimo menos.
É claro que ao dizer isso o ministro estava sendo ridicularmente diplomático, por estar diante de profissionais da comunicação que trabalham com rádio! Acabou, é claro, dizendo uma besteira que, para os usuários de intenet em geral, soou como um dos maiores disparates dos últimos tempos.
Ana Freitas, por exemplo, autora do Olhômetro, argumentou que a internet possibilita não só ver TV e ouvir rádio, mas também proporciona diversas formas de comunicação, como conversar com amigos e ler notícias. Ora, a internet possibilita, entre muitas outras coisas:
- Assistir a filmes;
- Assistir a notícias;
- Comprar;
- Conversar em tempo real;
- Divulgar informações;
- Enviar e receber e-mails;
- Fazer ligações telefônicas;
- Jogar;
- Ler notícias;
- Ouvir música;
- Ouvir notícias;
- Pesquisar os mais diversos assuntos;
- Trocar opiniões sobre os mais diversos assuntos;
- Vender.
O grande disparate de Hélio Costa seria ainda maior se considerarmos que a recomendação de usar menos a internet veio do ministro das comunicações.
É claro que entendemos que a atribuição de um cargo do governo nem sempre (às vezes quase nunca) é dada a quem está na vanguarda de sua área de atuação. E, tratando-se de alguém que começou a usar a internet depois da adultidade, é normal e muito comum que a veja com desconfiança e não compreenda suas reais possibilidades para o desenvolvimento de crianças e adolescentes.
Por isso mesmo o papel foi assumido pelo ator errado. Se é possível usar a internet para ter os mesmos recursos que a TV e o rádio e ainda muito mais, com a vantagem extra de possibilitar o desenvolvimento de faculdades mentais utilíssimas que são a visão de conjunto e a polimatia, é claro que o Ministério das Comunicações deveria incentivar seu uso.
Os perigos da internet não são exclusivos desse meio de comunicação. Os cuidados que a criança deve ter, por exemplo, com os contatos com pessoas estranhas no mundo virtual são os mesmos que no mundo real. O acesso a conteúdo “obsceno” ou “impróprio para menores” é possível não só na internet, mas também em bancas de revista e locadoras de filmes.
A sugestão do ministro, portanto, deveria ser a de educar os pais a acompanharem (não controlarem) suas crianças e ensiná-las a usar a internet com sabedoria. Para isso, é claro, os pais têm que aprender a usá-la e têm que dar o exemplo. Decerto que em muitíssimos casos os filhos ensinam os pais a usarem as novas tecnologias, mas não podemos depender da esperança de a nova geração ser composta de jovens-prodígio prudentes que desde cedo sabem se precaver de vírus, spam, spyware, golpes, pedófilos, conteúdos preconceituosos et coetera et al. A inclusão digital tem que ser educação e reeducação digital. Afinal, a internet também é um meio de aprender.
Porém, há outro problema sério na colocação de Hélio Costa. O processo de comunicação é uma via de mão múltipla. A comunicação é um processo libertário que só ocorre quando emissor e receptor podem revezar os papéis. Ele se diferencia da mera transmissão e difusão de informação, nas quais há um emissor ativo e dominante e um receptor passivo e dominado.
É o processo que predomina na TV e no rádio. São meios de difusão de informação que, embora tenham muitas vantagens e ofereçam dados importantes, são monopolizados por detentores de poder, que constroem suas linhas editoriais segundo interesses de uma minoria. A maioria, os telespectadores, escutam e assistem passivos e podem, no máximo, enviar cartas indignadas que talvez sejam lidas.
Na internet, por outro lado, a possibilidade de experimentar a comunicação chega a níveis que eram inimagináveis na época em que dependíamos de mensageiros para levar cartas em viagens que duravam semanas. Pode-se comentar nos sites de notícias e, às vezes, deixar os comentários abertos ao público. Se o site não permitir isso, você pode criar gratuitamente um blog e escrever sua indignação, que será lida por qualquer pessoa no mundo e poderá juntar simpatizantes e solidários.
Também é possível criar diversos meios de divulgação de informações, como notícias escritas, podcasts, vídeos e e-books, e permitir aos receptores que lhe enviem e-mails comentando, criticando e sugerindo. Além disso, podemos conhecer pessoas que moram no outro lado do planeta e trocar experiências numa velocidade que era impensável no início da Idade Moderna. (Minha esposa, por exemplo, eu conheci no orkut.)
Portanto, Hélio Costa pronunciou uma manifestação conservadora e autoritária. Talvez não se dando conta do fato (talvez sim), ele disse implicitamente que as pessoas valorizem um meio de transmissão de informações em que assumem o papel de escravos em detrimento de um meio de comunicação em que possam exercer sua liberdade.
É claro que são os usuários da internet que estão se manifestando contra a fala do ministro, com uma motivação clara e até mesmo com razão. Porém, nós internautas temos que tomar cuidado para não transformar esse debate num confronto entre internet de um lado e TV e rádio do outro. A televisão é importante sim, e penso em dois motivos:
- Muitas vezes queremos apenas sentar diante da telinha e relaxar enquanto ouvimos notícias sobre o mundo ou vemos uma série bacana ou um filme legal. É importante, de vez em quando, assumir a posição de passividade alerta, para desenvolver a criticidade em condições desfavoráveis;
- Muita, muita gente ainda não tem grande facilidade de acessar a internet, e dependem da TV e também do rádio para se atualizar minimamente.
Além, é claro, dos problemas ainda existentes de instabilidade e velocidade de conexão com a internet, o que dificulta ver vídeos em tempo realmente real. Ademais, o aparelho de televisão é muito melhor do que um monitor de um desktop ou notebook para ver filmes.
Mas, é só esperar, chegará uma época em que a internet veiculará televisão com a mesma eficácia. Se olharmos para maravilhas como o Microsoft Surface, não é preciso muito esforço para imaginar um computador composto apenas de um grande monitor, com aparelho de som, telefone, internet, TV e rádio.
4 comments
"Completou sua fala dizendo que do faturamento do setor de telecomunicações a TV participa muito pouco e o rádio participa muitíssimo menos." é isso.
TUDO gira em torno do dinheiro.
Ninguém se importa se algo é notável, se tem infinitas possibilidades ou faz parte do futuro da tecnologia humana, todos se importam se "está rendendo lucro?".
Essa é a questão.
É triste que o Ministro das Comunicações tenha dito isso, mas é a vida. Espera-se que ele tenha um conhecimento de causa na área da comunicação, não só por ser ministro, mas por ter trabalhado nisso a vida toda, mas tem sempre algo $$$ que fala mais alto.
"E assim caminha a humanidade."
Não ouvi a fala do Ministro, mas talvez ele quisesse apenas ser simpático, se não for isso, então agiu como alguém que desconhece o impacto da internet nos meios tradicionais de comunicação, ou seja, estaria ocupando o cargo errado.
De qualquer forma a recomendação de usar menos a internet é inofensiva para a rede. Todo mundo está fazendo o contrário. Em casa a Internet bate feio na televisão. Imagino que em outras residências servidas por banda larga onde morem adolescentes a tendência seja a mesma.
O que falta é uma melhorar a infra-estrutura na área telefonia. Falta oferta de banda larga o preço cobrado pelo serviço de transmissão de dados é muuuito caro para os padrões de renda do brasileiro. Mas mesmo que o acesso fica mais fácil, ainda vai levar muito tempo para a rede de computadores se popularizar. Ela ainda exclui os mais velhos.
No escola onde trabalho os professores escolheram o e-mail como uma forma mais prática e eficiente para manter os pais informados o que seus filhos estão fazendo na escola. O telefone, além de ser mais caro, nem sempre estava a disposição pois a maioria do pais só estava em casa durante à noite.
Na hora, todo mundo aplaudiu a idéia, pais, professores e alunos. O problema é que a maioria dos pais não sabia como administrar uma conta de e-mail, deixando aos filhos a tarefa de chegar as mensagens enviadas pela escola. Claro que aquilo que não interessava a eles era devidamente apagado. O pior veio depois e causou muita dor de cabeça aos professores incautos que usaram contas pessoais para se comunicarem com os pais dos alunos. Uma enxurrada de mensagens com conteúdo ofensivo e erótico passaram a ser freqüentes em suas caixas postais. No segundo semestre nenhum professor usou mais esse tipo de ferramenta.
Pois é, @Mr. T, considerei isso também. Infelizmente o Estado ainda representa em grande medida os interesses de uma minoria. Mas vai chegar o momento em que esse mesmo Estado perceberá que pode ganhar muito (dinheiro) incentivando a internet. 🙁
É, @Eduardo, ainda vai demorar um tempo para que essas tecnnologias passem a fazer parte definitiva da vida comum das pessoas. Mas em alguns casos elas têm funcionado.
No meu trabalho, por exemplo, usamos um e-mail institucional que é amplamente empregado (pelo menos entre as pessoas mais ligadas diretamente ao meu serviço) nas comunicações internas e externas. Numa instituição em que sou voluntário também, sendo que apenas uns poucos colegas (mais velhos – !) raramente checam suas caixas de entrada, mas a maior parte da comunicação interna é feita por e-mail.
Exato, qdo alguém ver que pode ganha dinheiro (por meios lícitos e ilícitos) aí teremos um boom de investimento na "interneta" nacional, que aliás, tem uma banda MUITO menor q países como Corea, Tailandia, Japão…