Belo monte de esclarecimentos obscuros

Em torno do belo monte de polêmicas (e de um trocadilho há muito desgastado) a respeito do projeto da Hidrelétrica Belo Monte, no Rio Xingu, movimentos sociais em defesa dos povos que habitam as margens do afluente amazônico apresentam suas reivindicações para impedir que a vida de milhares de pessoas seja arruinada pela água doce.

Do lado do governo, que há tempos vem se contorcendo para contornar a polêmica, o IBAMA (que, desde que teve início o rebuliço hidelétrico, trocou duas vezes de presidente, um passando o pepino para outro) emitiu, nesta quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011 e.c., uma nota de “esclarecimento” sobre os “supostos” impactos ambientais da gigantesca obra.

Mas a leitura dos breves “esclarecimentos” mostram que eles foram lançados como panos quentes e realmente não esclarecem nada sobre os fundamentos do licenciamento ambiental de Belo Monte. Confiramo-la por partes:

1) Sobre o Estudo de Impacto Ambiental (EIA/Rima)

As falhas apontadas aos estudos de impactos ambientais não se aplicam aos recentes projetos hidrelétricos na Amazônia, especialmente os do rio Madeira e de Belo Monte. As usinas do rio Madeira são obras de grande porte e a evolução das obras tem mostrado que os programas ambientais formulados a partir dos estudos ambientais apresentam grande eficiência no controle dos impactos ambientais.

Em relação à Belo Monte, o Estudo de Impacto Ambiental entregue ao Ibama é de alta qualidade, consolidando informações relativas ao aproveitamento do potencial hidrelétrico do rio Xingu, de acordo com estudos realizados por décadas.

Nesse sentido, é importante destacar que o projeto final de Belo Monte, aprovado pelo Ibama e leiloado pela ANEEL, é resultado de amplo trabalho de revisão voltada à minimização dos impactos ambientais.

A nota se inicia afirmando de maneira vaga que não haverá impactos ambientais em Belo Monte. Uma tautologia retórica é usada para confundir o leitor, mas deixa explícita a situação enrolada em que se encontra o Estado: “os programas ambientais formulados a partir dos estudos ambientais apresentam grande eficiência no controle dos impactos ambientais” (grifo meu).

Em seguida, esperando que o público seja ingênuo, quer que se engula a afirmação de que o Estudo de Impacto Ambiental em questão tem “alta qualidade”, tendo sido iniciado há décadas, o que configura o velho e falacioso argumento segundo o qual a antiguidade de um saber é garantia de sua legitimidade. Mas qualquer tipo de estudo, por mais elaborado que seja, pode se imbuir de vícios motivados por interesses.

2) Sobre as Audiências Públicas de Belo Monte

O Ibama convocou a realização de audiências públicas tanto na fase de elaboração do Termo de Referência, que orienta a elaboração do EIA/RIMA, quanto na fase de avaliação da viabilidade ambiental com base no EIA/RIMA apresentado pelo empreendedor. Na fase de viabilidade foram realizadas quatro audiências públicas, sendo três na área de influência do empreendimento e uma em Belém. O Ibama avaliou os estudos ambientais e concluiu que eles se encontravam adequados para a realização das audiências, conforme a legislação em vigor.

As audiências foram registradas e integradas ao processo de licenciamento ambiental, e as discussões foram consideradas para a avaliação técnica do projeto. Além disso, após as referidas audiências, o Ibama colheu diversas manifestações por escrito protocoladas pelos interessados no processo. Todo o material subsidiou a elaboração da Licença Prévia pelo Ibama, a definição de condicionantes e programas ambientais.

Após a emissão da Licença Prévia, o Ibama ainda recebeu por mais de uma vez entidades da organização civil para discussões sobre os impactos em avaliação. Na cidade de Altamira, foi realizada reunião ampliada com a participação de mais de 100 representantes da sociedade civil, incluindo a participação do Ministério Público Federal. O Ibama também participou de audiência pública promovida no âmbito do Senado Federal, a qual também contou com a presença do Ministério Público Federal, além dos senadores da República integrantes da subcomissão de acompanhamento do projeto de Belo Monte.

Audiências públicas, audiências públicas, audiências públicas… nem sempre são tão públicas assim, mas alegar que houve audiências públicas é uma forma de dizer que houve a efetiva participação da sociedade civil, diretamente interessada. Além disso, não fica claro o que foi discutido nessas audiências nem que tipo de manipulação pode ter sido feita em suas atas e pautas.

3) Sobre politização do licenciamento ambiental

As decisões do licenciamento ambiental são, por força da lei, fundamentadas em estudos ambientais apresentados pelo empreendedor e pareceres técnicos emitidos pelo órgão ambiental. É preciso compreender que não existe decisão terminativa no processo de licenciamento. Isto é, a qualquer momento é dado ao empreendedor o direito de reapresentar o projeto ao órgão ambiental e, uma vez promovidos ajustes e adequações no sentido de se reduzir ou controlar os impactos, é natural que a licença ambiental seja aprovada. Foi o que ocorreu com o licenciamento de Belo Monte. O empreendedor foi comunicado da necessidade de ajustes no projeto e, quando as demandas resultantes das análises técnicas foram atendidas e os impeditivos superados, o Ibama concedeu a Licença de Instalação para canteiros e atividades associadas.

Descrever um procedimento é uma forma de fazer crer que ele foi executado. Mas, novamente, a nota é tão vaga que não dá detalhes substanciais sobre a natureza da suposta reavaliação, e, como em todo o texto, temos que confiar na autoridade e na fé pública de uma instituição estatal, cujos pronunciamentos, sendo oficiais, têm uma sacralidade equivalente à suposta infalibilidade do Papa católico.

4) Sobre o monitoramento dos impactos socioambientais dos empreendimentos licenciados

O Ibama tem acompanhado de perto a evolução de empreendimentos, que é a fase em que geralmente ocorrem os principais impactos ambientais. Esse acompanhamento tem sido fundamental para a construção controlada das usinas do rio Madeira, por exemplo, no acompanhamento dos programas sociais e no resgate de fauna. Esse acompanhamento é feito tanto na forma de análise de relatórios periódicos, como com a presença do Ibama em campo, durante as vistorias. Para Belo Monte o Ibama já destacou 18 técnicos para trabalhar no acompanhamento dos estudos e das obras. Outros servidores serão envolvidos em vistorias e ações de fiscalização.

O IBAMA apenas afirma que está acompanhando as obras, deixando-nos com a impressão de que nada vai dar errado. Entretanto, tudo pode acontecer. Ao afirmar que o papel do órgão é controlar os impactos ambientais, ele na verdade admite que estes acontecerão, e não poderá ser acusado de negligência caso o equilíbrio ecológico da região venha a sofrer um abalo. Afinal, sempre se pode recorrer à sabedoria popular segundo a qual as forças da natureza são indômitas.

Mas o pior de tudo é que o “esclarecimento” não cita nenhuma letra da questão humana que os impactos ambientais de Belo Monte podem representar. É como se qualquer problema ecológico resultante do empreendimento fosse um mal menor, visto que não vai afetar a vida dos empreendedores, dos servidores do IBAMA e de grande parte da população do Brasil.

Mas, e os ribeirinhos? E os indígenas que serão forçados a viver uma diáspora? Onde está a mínima menção a uma possível indenização ou um realocamento que compense as perdas? O racismo ambiental subjacente a essa obra e à nota do IBAMA fica evidente, paradoxalmente, na falta de qualquer resposta significativa às principais reivindicações dos movimentos sociais, que dizem respeito ao cuidado com nossos concidadãos marginalizados, literalmente vivendo à margem – do rio.

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Publicado também no blog Carta Potiguar.

 

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