Frigatriscaidecafóbica

Foi num dia como este que ela se deparou com o abismo dos olhos do gato. Não foi um encontro qualquer, não só porque se assustou pelo inesperado deparar-se com a criatura, nem somente por causa da assimetria cromática das íris do animal, mas porque do fundo das retinas deste faiscava algo fantasmático…

Veneno do Diabo

Havia um homem cuja origem todos desconheciam. O que todos sabiam é que usava roupas pretas e tinha um sorriso contagioso. Seu modo de andar saltitando e dançando também o fazia muito carismático para com as crianças. Diz-se que os padres não se davam muito bem com ele. Na verdade, os sacerdotes (…)

Deleite condensado

Erguia-se dos degraus transpostos. Como se do alto pudesse possuir mais que o horizonte. Desejava ser único em ponto mais elevado: valia-se da circunferência de suas búfalas narinas. Abertas as cartilagens, todo corpo – feminino – fazia-se carne. O seu: abismo de anseios.

Carta ao poeta sem nome

Parecem formigas em dia de chuva. Marcham equilibrados no rastro forjado pela modernidade. Um ter que ir e vir. Um ter que levar e trazer. Um ter. Multidão de olhares paralelos negando o cruzamento no infinito. Homens-horizonte, grudados ao chão. Então, você. Você surge na perpendicular. …

Frames

Ele sabe que tudo está desabando; O que havia ali secou, apodreceu. O não dizer, o não falar, o silêncio: entidade invisível que segura o último fio da corda que ainda sustenta sua relação. Ar, oxigênio, toneladas – Borges tenta beijá-la como nos primeiros dias, a paixão impulsionada …

Para adormecer rancores

Des-asperada de saliva rompe os limites dos lábios, acompridando-se compassada pela vibração dos globos oculares, ali somente brancos. Deita-se a língua sobre o casaco de proibir frio, objetivando o pingo espesso abandonado pelos lábios derramados de um cochilo fundo. …

A primeira toalha de Hipólita

“Clio, o que há de errado?” “Nada, Hipólita, tava só pensando…” “Quer desistir? Sei que você tem gostado muito deste lugarzinho sem graça, deste planetinha praticamente inofensivo, mas temos que seguir em frente. Nosso trabalho… quero dizer, seu trabalho aqui terminou, ainda temos muitos mundos para visitar…”

O libertador

Antes de ser morto meu pai, ensinou-me que ao homem é preciso sempre superar-se, romper seus limites, como um Raskónikov capaz de relevar a culpa, de não ceder às pressões que se abatem sobre o homem que fraqueja. Antes de ser morto meu pai, disse-me tantas coisas a respeito da vida (…)

Como se chama o presidente?

Durante décadas este pequeno país viveu sob o comando cruel dos ditadores. “Cruel” não deve ser o adjetivo mais adequado para esse tempo: em verdade, foram décadas de uma ditadura silenciosa em que o povo tornava-se cada vez mais silencioso, mais quieto, como seu governo. Não houve, senão por uns poucos (…)

Peixe Podre

A faca rasgava a barriga do peixe como se abrisse nuvens, de onde escorreria uma chuva vermelha e viscosa. A arte das facas, a sorte lida nas vísceras, infortúnios em lugar de fortuna. As mãos tingidas do vermelho sangue-chuva-viscosa das entranhas dos peixes. O cheiro impregnado no corpo, no couro (…)