Filmes para crianças – parte 2
As histórias sobre extraterrestres são ótimas oportunidades para se refletir sobre diferença e igualdade. Nelas vemos metáforas das próprias diferenças entre os indivíduos e povos humanos e o desafio do convívio pacífico entre eles, além do aprendizado mútuo. Essas histórias são, assim, um meio de ampliar as perspectivas sobre o mundo e o universo, fazendo-nos refletir sobre o respeito à diferença e à possibilidade de nos considerarmos todos parte de um mesmo mundo.
Nesta segunda parte da série Filmes para crianças, abordarei três obras de ficção científica que tratam do contato entre seres alienígenas entre si, e de como esse contato é importante para mudar a maneira como vemos o outro. Para mim e para as pessoas que me ajudaram a escolher os itens desta lista, assistir a eles na infância foi um marco importante em nosso desenvolvimento como seres humanos e como consciências universalistas.
Dedicatória e agradecimentos
A Inês Mota, a Diego Leite, a Alan Hiramoto, a Paulinho Mota, a Rúbio Medeiros, a Betânia Monteiro, a Werner Soares, a Amanda Cavalcante e a Hermann Cavalcante (não são parentes).
E.T.: O Extraterrestre (E.T.: The Extra-Terrestrial)
Direção: Steven Spielberg
País: Estados Unidos
Ano: 1982
Certa noite, um pequeno extraterrestre se perde da nave espacial que o trouxe à Terra, enquanto agentes policiais o buscam após perceberem um certo tumulto nos arredores despovoados da cidade. O pequeno alienígena se esconde num depósito de uma casa próxima, onde vive um garoto humano chamado Elliott.
Naquela mesma noite, o menino humano percebe a presença de algo estranho e tenta avisar a mãe e o irmão mais velho, mas todos acham que se trata ou da imaginação do garoto ou de algum animal selvagem que entrou no depósito. Mas Elliott não desiste e no dia seguinte tenta atrair o ser misterioso com doces, até que finalmente, sob a luz da lua crescente, eles se deparam um com o outro e ambos se assustam. Mas Elliott leva seu novo amigo para casa e o esconde em seu quarto.
Elliott revela a presença do alienígena ao seu irmão mais velho, exigindo ser tratado com mais respeito, e acidentalmente sua irmã mais nova o descobre também. Os três empreendem esforços para não permitir que a mãe descubra o extraterrestre, e passam grande parte do tempo no quarto de Elliott brincando com E.T., como passam a chamá-lo, e descobrindo algumas habilidades incríveis do pequeno visitante do espaço. Ele consegue mover objetos com a força da mente e curar pequenas feridas com a ponta do dedo.
Mas o poder mais interessante de E.T. é a conexão empática e telepática que ele estabelece com Elliott, fazendo com que cada um deles sinta o que o outro sente e até pense o que o outro pensa. Dessa forma, eles compartilham uma amizade visceral em que um se confunde com o outro, quase como a ideia de amizade defendida por Michel de Montaigne em seu famoso ensaio.
E.T. consegue elaborar um plano para enviar uma mensagem ao seu povo solicitando um resgate, e constrói uma máquina, usando vário objetos como um computador de brinquedo e um guarda-chuva. Durante a tarde de Halloween, Ele e Elliott vão à floresta, lenando a máquina para ativá-la a céu aberto e enviar a mensagem. Ambos dormem ao relento e, pela manhã, Elliott percebe que E.T. não está por perto. O menino volta para casa com um terrível resfriado e seu irmão encontra E.T. à beira de um riacho, muito pálido e fraco.
Enquanto todos retornam à casa, uma larga equipe do governo, comporta de policiais e cientistas, começa uma operação de isolamento do local, para estudar o extraterrestre, mas este está tão doente que não resiste. a conexão com Elliott se rompe e este volta a ficar bem, mas se mostra intensamente triste com a morte de seu amigo. No entanto, E.T. retorna à vida e, com a ajuda do irmão e dos amigos deste, leva o pequeno ser do espaço ao campo, onde uma nave espacial aparece. Após uma tocante cena de despedida, E.T. parte em sua nave.
Os eventos da história não foram importantes só para Elliott, que passa a conhecer uma amizade que nunca vivera antes. A aparição de E.T. também provoca mudanças em Michael, o irmão mais velho, que passa a ser menos arrogante, e em Gertie, a irmã mais nova, que no início tinha alguma repulsa por E.T., mas passa a vê-lo com outros olhos.
A amizade de Elliott e E.T. simboliza uma relação desprovida de preconceitos e baseada numa total confiança mútua. Eles ficam tão ligados um ao outro que têm dificuldade de se despedir ao final. E.T. diz “Venha”, e Elliott responde “Fique”. O alienígena então lhe fala, apontando para a testa de seu amigo, “Estarei bem aqui”. Ambos aprendem a se desapegar diante da necessidade de cada um ir para onde pertence, mas, depois da experiência que tiveram juntos, a lembrança e o sentimento de amizade permanecerão em ambos.
A obra aborda
- amizade,
- diferença,
- respeito,
- aprendizado,
- humildade e
- desapego.
Viagem ao Mundo dos Sonhos (Explorers)
Direção: Joe Dante
País: Estados Unidos
Ano: 1985
Ben certa vez sonhou que sobrevoava um imenso circuito. Assim que despertou, desenhou o que conseguiu lembrar do circuito e ligou para seu amigo Wolfgang para contar. Como Ben era um garoto sonhador e fascinado por ficção científica, não foi difícil para seu amigo imaginar que se tratava de um típico sonho de sua cabeça avoada. Mas quando Wolfgang, um cientista-mirim filho de cientistas, vê o desenho do circuito, percebe que se trata mesmo de algo que pode ser construído e funcionar de alguma forma.
Então Ben, o sonhador, junto com Darren, o realista, e Wolfgang, o intelectual, se juntam para experimentar a descoberta, e através de um computador Wolfgang consegue criar uma esfera azul indestrutível que flutua no ar e atravessa qualquer coisa. Mais tarde, eles conseguem criar uma esfera maior e descobrem que ela é oca e pode carregar objetos dentro de si. Os três amigos decidem criar uma cápsula para voar pelo céu de sua cidade.
Depois de uma tentativa frustrada de subir ao espaço, os três amigos têm o mesmo sonho e ambos veem o circuito, o que lhes possibilita completá-lo e tentar de novo. Ao voarem outra vez naquela noite, são fisgados por um raio trator e levados a uma gigantesca nave espacial.
Eles imaginam estar presos numa típica nave alienígena do mal que aparece em tantos filmes de ficção científica. Mas logo descobrem que os tripulantes são um casal de irmãos extraterrestres gentis, Wak e Neek, que captam todas as ondas eletromagnéticas da Terra, incluindo as trasmissões de rádio e TV. Eles são fascinados por tudo o que ouvem e veem da Terra, e se divertem numa pequena festa com os jovens terráqueos.
Então Ben os convida para irem à Terra, mas Wak se recusa veementemente, tendo em vista tantas imagens do cinema da Terra que representam a forma violenta como os alienígenas são recebidos pelos humanos. Wak explica que só trouxe os três porque eles são diferentes do resto da humanidade. Ben fica desolado com o reconhecimento de que provavelmente seria perigoso para qualquer estrangeiro do espaço visitar um planeta beligerante como a Terra.
Finalmente, os três garotos descobrem que a nave em que estão foi surrupiada do pai dos dois alienígenas, que são jovens como seus hóspedes. O pai alienígena irrompe no salão em que estão e dá um sermão em Wak e Neek, acabando com a festa. Os novos amigos se despedem e o trio terráqueo fica marcado para sempre com a imressão de um mundo muito mais vasto do que jamais imaginaram.
É importante perceber como três crianças tão diferentes, um muito sonhador (sentimento), outro muito realista (corpo) e o terceiro muito intelectual (pensamento), superam essas mesmas diferenças e juntam suas qualidades para entrar numa aventura que mudará suas vidas para sempre.
A irrelevância das diferenças também é encarada no contato com uma espécie alienígena, que, apesar da aparência exótica, têm sentimentos e anseios parecidos com os dos humanos. A aparência é tão relevada que Wolfgang e Neek ensaiam um romance.
Finalmente, os garotos visionários têm que reconhecer que sua facilidade para ver através das diferenças não é compartilhada por toda a humanidade, que ainda percorrerá um longo caminho antes de superar suas diferenças internas e, a longo prazo, as diferenças mais marcantes entre humanos e extraterrestres.
A obra aborda
- a busca pela realização dos sonhos,
- amizade,
- aprendizado mútuo,
- amadurecimento,
- tolerância e
- pacifismo.
Inimigo Meu (Enemy Mine)
Direção: Wolfgang Petersen
País: Alemanha e Estados Unidos
Ano: 1985
Willis Davidge é um piloto de caça espacial terráqueo que luta contra os dracs, uma espécie alienígena em guerra contra a Terra, pela reivindicação de uma região da galáxia.
Durante uma batalha, Davidge se perde num planeta inóspito. Perto de onde sua nave caiu, também naufragou um piloto drac, chamado Jeriba Shigan. Após a tentativa mútua de assassinato, ambos percebem que precisarão um do outro para sobreviver nesse planeta selvagem, e “Jerry”, apelido que Davidge dá ao drac, aprisiona o humano para evitar que este o mate.
Numa busca pelo ambiente que os rodeia, os dois vão aos poucos encontrando alimento e formas de se proteger das intempéries da natureza local, mas, apesar de cooperarem, eles ainda se veem como rivais e inimigos de guerra.
Certa vez, quando buscava alimento, Davidge foi capturado por um predador, uma criatura que se escondia embaixo da terra e que agarrava suas presas com um tentáculo. Ela segurou Davidge pela perna e o puxou para baixo. Ele só se salvou graças a “Jerry”, que matou o animal (numa cena que lembra Han Solo salvando Lando Calrissian do Sarlacc).
A partir daí Davidge passa a cooperar mais com “Jerry”, e eles passam a se aproximar mais. Constroem juntos um abrigo contra as tempestades de pedra e fogo e começam a se conhecer melhor.
Com o tempo, eles aprendem o idioma um do outro e compartilham suas respectivas culturas. Seu relacionamento se aprofunda até o ponto de se tornarem amigos. O drac, através da leitura de um livro considerado sagrado por seu povo, entende que o conflito entre eles deve cessar. Ao iniciar Davidge nos ensinamentos de sua cultura, “Jerry” consegue fazer seu amigo entender melhor os dracs, enquanto ele passa a compreender melhor os humanos.
“Jerry” fica grávido (pois os dracs são hermafroditas e concebem seus filhos sem relações sexuais) e passa a se comportar como uma mulher. Davidge encara o desafio de cuidar de seu amigo e de criar seu filho, pois “Jerry” morre no parto.
Zammis, filho de Jeriba, é criado por Davidge, e cresce bem mais rápido do que um humano. O garoto começa a perceber as diferenças entre ele e seu “tio”, estranhando que sua ascendência (com um só progenitor) seja diversa da de Davidge (que teve um pai e uma mãe).
O jovem drac é raptado por mineradores humanos, que escravizam os de sua espécie para o trabalho braçal. Ao tentar salvá-lo, Davidge é resgatado por uma nave militar humana, que o leva para uma estação. Desmaiado, ele balbucia frases na língua dos dracs, o que os médicos e os soldados da estação estranham. Depois de acordar, Davidge encontra um meio de escapar e resgatar Zammis.
Após todos esses acontecimentos, a paz entre os dois povos é finalmente alcançada, e Davidge leva Zammis para o planeta dos dracs. No devido tempo, Zammis dá à luz a uma criança que batizou de Davidge, inserindo em sua descendência um nome humano.
A experiência dos dois antagonistas os levou da inimizade cega, passando pela necessidade de sobreviver juntos, até uma profunda amizade. Se no início eles consideravam um ao outro “feios” (cada um deles nunca havia visto um indivíduo da espécie do outro), Davidge aprendeu a achar Zammis uma bela criança. A biologia e a sexualidade das duas espécies (uma assexuada e outra bissexuada) é compreendida apesar do exotismo mútuo. Ambos aprendem a respeitar a cultura um do outro, o que lhes permite aprender um com o outro.
Se no início Davidge estava disposto a matar Jeriba, ao final arriscou a própria vida para salvar Zammis. A irracionalidade da guerra impedia que os antagonistas se conhecessem e alimentava fortes preconceitos e uma espécie de racismo que os opunha de maneira cega. Ao se conhecerem e se tornarem grandes amigos, eles provam que as diferenças superficiais (espécie, planeta de origem, cultura) são irrelevantes quando percebemos que temos em comum algo mais fundamental, e podemos nos relacionar de maneira significativa com qualquer pessoa do Universo. Como me disse um amigo, resumindo bem o filme:
Como criança, achei a ideia de dois inimigos mortais se conhecerem e se tornarem amigos muito bonita, superarem diferenças que na verdade nem eles entendiam bem.
A obra aborda
- preconceito,
- cooperação,
- relativismo cultural,
- respeito,
- amizade e
- pacifismo.
5 comments
Confesso, meio envergonhado que nunca assisti a E.T. e a Inimigo Meu quando criança. Mas assisti a Viagem ao Mundo dos Sonhos, um dos meus filmes preferidos da Sessão da Tarde. Adorava aquele filme e hoje revendo-o percebo como ele moldou vários aspectos de minha personalidade. Engraçado também como os três personagens principais e suas características remetem a um outro trio fantástico, o da série clássica de Jornada nas Estrelas Kirk/McKoy/Spock, onde emoção e lógica encontravam o seu meio termo nas ações do capitão.
Perfeito!
Olha só, nem tinha pensado nisso! Realmente o trio tem tudo a ver com os heróis da Enterprise. Dava para escrever um pequeno ensaio sobre isso.
Nunca é tarde para ver ou rever essas obras fantásticas. Tem coisas que eu vejo ou revejo até hoje e ainda me fazem sentir como criança. Aliás, vários filmes que eu sugiro na série Filmes para crianças eu só assisti depois de adulto.