Gotas de chuva moderna
Cantando na Chuva (Singin’ in the Rain, 1952) é um dos grandes clássicos do cinema ocidental. Assisti ao filme recentemente, ao lado de uma fã que pintara uma impressão tão entusiasmada sobre a obra que não resisti. Felizmente, já há algum tempo que venho desconstruindo meu preocnceito em relação aos musicais, especialmente por causa de Moulin Rouge! (2001).
Se os filmes de Hollywood das décadas de 50 e 60 são encantadores por seus diálogos bem representados e pela técnica primorosa da direção e produção, Cantando na Chuva traz alguns ingredientes extras que o tornam uma experiência estética rica para a audiência contemporânea, acostumada com imagens velozes e brilhantes e com explosões ensurdecedoras que distraem a visão das expressões insignificantes dos atores e o ouvido da falta de diálogos marcantes.
A começar pelo fato de que não se trata apenas de um filme, mas também de um show musical. Não só a trilha sonora é muito bem feita, mas as canções entoadas pelo atores mostram seu grande preparo para representar não apenas falas e expressões faciais de um personagem, mas também para cantar e tocar instrumentos quando é necessário.
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Trilha sonora | |
Reflexão |
É também um show de dança fenomenalmente bem ensaiado, com tomadas longas em que os dançarinos sobem e descem escadas, sapateiam sobre mesas e cadeiras e interagem com o cenário de maneira criativa e técnica.
Não bastassem tantas multifaces, o longa é ainda um semidocumentário bem-humorado sobre a história do cinema. Vemos ali como os profissionais do cinema lidaram com as mudanças trazidas por novas tecnologias como filmes com voz e, posteriormente, com cores.
Sendo uma comédia, há muito de paródia no filme. Mas muitas referências humorísticas são sutis e imperceptíveis para a audiência contemporânea ou para quem não conhece bem a história do cinema e do teatro. Por exemplo, se eu não tivesse consultado a Wikipédia antes de escrever este artigo, jamais saberia que, quando Cosmo Brown entoa a frase “ridi, pagliaccio!” (da ópera Pagliacci) na sequência da música Make ‘Em Laugh, está se referindo ao fato de essa música ser um plágio de Be a Clown, de Cole Porter.
Mas o caráter humorístico não dá todo o tom da comédia. Em termos daquilo que pode ser enquadrado no gênero, o filme também é uma comédia porque tem um final feliz. Mas, além de toda a versatilidade já descrita, ele consegue ser também uma boa história romântica, no sentido amoroso do termo.
O filme é moderno, muito moderno, e talvez possa ser considerado um bom exemplo daquilo que são o Modernismo e a Modernidade. É o cinema contando a história do cinema, e sem nenhum pudor de fazer graça desse fato. Uma das personagens chega a falar que os atores do cinema são artistas medíocres que nunca chegarão a fazer algo tão sofisticado quanto os atores de teatro.
É uma obra de arte que vale a pena ser apreciada por seus atributos técnicos e estéticos, sincronia perfeita, não só nas danças e cantos, mas na construção de todas as cenas. Um belíssimo quadro em movimento (motion picture) que mexe de maneira agradável com o lado direito do cérebro. Tanto que em inúmeras cenas de filmes e seriados de televisão parodiaram ou parafrasearam a ontológica cena em que Don Lockwood/Gene Kelley canta e dança sob a chuva.
Tanto que alguém inventou de se perguntar:
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