O sabre-cajado de luz ígnea
A Natureza inventou seres que brotam do chão e crescem em direção ao Sol. São seres que têm uma relação íntima com a Terra, criam raízes que se entranham nela e ao longo dos anos se imiscuem tão fortemente que se torna impossível arrancá-las sem destruí-las ou sem destacar um pedaço de solo.
Sim, as plantas parecem crescer para cima, mas sua natureza é crescer para baixo em direção ao centro da Terra. A copa de uma árvore serve para equilibrar o peso da raiz, a pressão que ela exerce dentro do chão. As árvores, enfim, são seres da Terra, são criaturas de solidez e estabilidade. Mas como seres vivos elas detêm um dinamismo (um dinamismo próprio, com um ritmo diferente do nosso): são imbuídas do fogo vital, e é por isso que a parte visível das árvores busca desesperadamente a grande esfera de Fogo que acalenta nosso planeta.
A árvore é um símbolo elemental misto, que congrega a Terra que abraça por dentro, o Fogo que se manifesta em seus ramos dinâmicos, o Ar que respira pelas folhas clorofílicas e a Água que percorre suas entranhas. Mas alguma misteriosa obsessão de nossa tradição cultural falocêntrica valoriza em primeiro lugar o tronco que se ergue imponente (vamos ter que lidar com isso, infelizmente). Vamos considerar esse aspecto ascensional da árvore que aponta para o céu luminoso.
As árvores são impressionantes, majestosas diante destes símios que há tanto tempo desceram das copas para caminhar na superfície do planeta. Repito, são seres intimamente ligados à Terra nutriz e acolhedora, mas também demonstram a expansividade e vitalidade do Fogo. Suas copas reluzem verdemente ao Sol e seus troncos projetam sombras profundas, Por isso ela se torna símbolo espetacular de expansão e grandiosidade, regendo a claridade e a escuridão. Se admirada desta forma, ela oculta toda a associação com o feminino que as tradições convencionaram enquanto poder de nutrição, acolhimento e restrição; ela assume um outro poder, de movimento, abertura e expansão, muito associado a certa idealização do masculino. Ao fazer isso, torna-se um de tantos famigerados símbolos fálicos. Mas continua sendo apenas uma de suas múltiplas facetas.
Entretanto, à parte esta classificação de gêneros tradicional, é um símbolo importante que nos fala da nossa força interna para crescer, nossa volição para criar, nosso tesão para explorar o universo. Um pau que se destaca de uma árvore, um galho ou bastão, microcosmo do grande símbolo, é talvez a melhor representação de todos os seus atributos. Um bastão ou cajado me parece ser a mais versátil das ferramentas que simbolizam os elementos no imaginário do Tarot, mais do que a espada, o cálice e a moeda. Esse pedaço de pau é o melhor utensílio para explorar o ambiente, cutucar os obstáculos, testar o terreno onde se vai pisar. É também uma arma, a mais óbvia de todas, expansão do braço para afastar coisas e seres, bater, derrubar e amedrontar. E, quando se une a seu literal, brilhante e caloroso elemento, torna-se uma tocha que ilumina os caminhos noturnos e aquece os corações, imbuindo-os da esperança que antecipa os bons destinos.
No Tarot, o elemento alquímico do Fogo está representado no conjunto do naipe de Paus, também conhecido como Bastões. A sequência de Arcanos que vai do Ás de Paus até o 10 de Paus conta uma história sobre realizações criativas, enquanto as quatro cartas da corte figuram personagens impetuosas e apaixonadas. Juliet Sharman-Burke criou o Tarô Mitológico como uma forma de relacionar os arquétipos tarológicos com histórias da mitologia grega, e é interessante como a narrativa dos feitos de Jasão, líder dos Argonautas, se encaixa muito bem nos sentidos das cartas de Paus, auxiliando o estudante do Tarot a memorizar os sentidos de cada arcano.
Porém, embora goste muito de mitologia grega, consigo conectar simbologias e arquétipos mais facilmente com certos produtos da mídia do entretenimento contemporâneos, como a saga de filmes de Guerra nas Estrelas, por exemplo. Há dois objetos muito presentes no universo dos feitos heroicos da família Skywalker, que são os sabres-de-luz e os blasters. Este último nome é uma designação genérica para qualquer arma de fogo, que emite raios de luz, espécies de projéteis como que feitos de laser. Os primeiros são espadas cujas lâminas são um tipo de plasma brilhante e que são empunhadas somente por uma casta especial de guerreiros dotados de habilidades sobrenaturais.
Se fôssemos associar elementos do universo de Guerra nas Estrelas com o Tarot, seria bem óbvio tomar o sabre-se-luz como uma representação do naipe de Espadas. Mas se temos a espada como um paradigma genérico da arma em contextos antigos e medievais, é o blaster que assume esse papel na Galáxia de Guerra nas Estrelas. Por outro lado, se o sabre-de-luz é a arma heroica por excelência, que nos remeteria a artefatos lendários como a Excalibur ou as katanas de Masamune, ela é também o símbolo de um certo poder sacerdotal ou monástico, tendo em vista a natureza mágico-religiosa dos jedi.
O Fogo interior como força de vontade e poder motivador tem tudo a ver com uma das principais características dos jedi, que é a manipulação da Força, a capacidade de mobilizar uma energia mística universal para mover objetos, influenciar a mente de outras pessoas, prever o futuro, entre outras coisas. Aquilo que um mestre jedi mais repete a seu aprendiz é que ele não pode duvidar de sua capacidade de utilizar a Força: apenas com a vontade inquebrantável é possível exercer esse poder. Tal habilidade de manipular a realidade ao seu redor remete, aliás, ao caráter do Fogo enquanto símbolo do poder transformador.
O jedi mais icônico da saga Guerra nas Estrelas é Luke Skywalker, e o primeiro arco de sua história, narrado no filme Uma Nova Esperança, começa e fecha bem um ciclo de aprendizado que tem tudo a ver com o caminho que vai do surgimento de uma fagulha de aspiração até a realização de um grande feito e suas consequências imediatas. Quando comecei a estudar a fundo o naipe de Paus do Tarot, encontrei nesse primeiro arco da trajetória de Luke várias correspondências que (me) ajudam a memorizar os Arcanos de Ás a 10.
- Ás de Paus: O próprio sabre-de-luz como símbolo do poder transformador e da força de vontade
- 2 de Paus: No início de Uma Nova Esperança, vemos Luke Skywalker olhando para os dois sóis que iluminam seu planeta, Tatooine. Ele está sonhando acordado com a possibilidade de ir embora dali para ser um piloto interplanetário. Ele sabe para onde ir mas não tem um plano traçado.
- 3 de Paus: Luke encontra Obi-Wan Kenobi, um velho mestre jedi. Este revela que o falecido pai de Luke era um jedi e lhe deixou o próprio sabre-de-luz como herança. Em seguida, Luke perde tudo o que tinha em Tatooine e toma a decisão de ir embora com Obi-Wan e ajudar a Aliança Rebelde. Ele agora tem um plano e sabe o que fazer.
- 4 de Paus: O jovem herói se encontra num momento de descanso na nave de um piloto que Obi-Wan contratou para levá-los em sua missão. É um momento de espera para a próxima etapa de sua jornada, em que há conversa e jogos de tabuleiro. Ele está avaliando o que conseguiu fazer até agora para decidir seus próximos passos.
- 5 de Paus: O grupo do qual Luke faz parte se encontra em apuros, dentro da Estrela da Morte, em meio a tiroteios e confusão. Eles precisam pensar rápido para se safar da entropia de forças que os cercam. Luke está em meio a seu primeiro grande desafio e usa sua engenhosidade para despistar os inimigos e encontrar caminhos de fuga. É preciso ter foco (palavra que vem do latim, focus, que significa “fogo”) para escapar dessa profusão de distrações.
- 6 de Paus: Luke e seus amigos conseguem se safar bem de cada um dos obstáculos que encontram na Estrela da Morte, e são bem sucedidos em escapar triunfalmente de lá, apesar da trágica perda de seu mestre Obi-Wan. É um momento de alívio e regozijo, mas a grande missão ainda não acabou.
- 7 de Paus: A fuga da Estrela da Morte ainda não se completou, pois a nave em que Luke está é perseguida por caças do Império. Ele demonstra sua habilidade de tiro, acabando com cada uma das naves inimigas em seu encalço. Luke está cada vez mais preparado para enfrentar seus desafios com uma perspectiva aguçada do ambiente ao seu redor.
- 8 de Paus: Depois de se reunir com outros pilotos rebeldes, Luke parte com seu esquadrão de caças para a missão mais perigosa: destruir a Estrela da Morte. Este é um momento em que todas as forças favoráveis estão em sinergia, em perfeito foco, percorrendo velozmente o espaço para um objetivo comum.
- 9 de Paus: O cerco está tenso, todos os pilotos que estavam com Luke foram derrubados e ele é a única esperança para desferir o tiro que destruirá a colossal arma do inimigo. Darth Vader vem em seu encalço para detê-lo e o herói está encurralado. Luke está em total alerta, aguardando atentamente pelo momento certo de lançar seu projétil.
- 10 de Paus: Luke consegue executar o tiro perfeito, confiando em seus instintos, em sua conexão com a Força, e a Estrela da Morte é destruída. Com o sucesso da missão, o jovem é declarado um herói e recebe as honras devidas, bem como uma medalha. Ele agora detém uma enorme responsabilidade pelo uso de sua engenhosidade no enfrentamento do Império.
Penso que essas associações reforçam a ideia de que o sabre-de-luz, embora seja tecnicamente uma espada, tem forte associação com um cajado mágico que emite luz e irradia poder. Ele representa o instrumento que auxilia no desbravamento do universo, servindo para abrir caminhos, remover obstáculos, subjugar adversários e iluminar sendas sombrias com a luz de sua lâmina. É um instrumento dominado por poucas pessoas: somente aquelas que possuem vontade suficiente para reverberar mudanças com sua própria força interior são capazes de empunhá-lo com eficácia e transformar o mundo.
#estacaoblogagem
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