Obama cumprimenta Akihito
Em visita ao Japão, parte de um conjunto de visitas a países asiáticos, o presidente norte-americano Barack Obama cumprimentou o imperador nipônico Akihito, com um aperto de mão e uma reverência bem à japonesa, ou seja, curvando-se diante do cumprimentado.
O que deveria ser uma simples formalidade diplomática, de respeito (antes um respeito à cultura do anfitrião do que um respeito à figura de autoridade do imperador) se tornou motivo de críticas conservadoras por parte de alguns norte-americanos. Segunda essas críticas, o presidente dos EUA não deveria se curvar diante do monarca do sol nascente.
A relação histórica dos EUA com as outras nações e, neste caso, com o Japão talvez explique porque muitos americanos repudiam e consideram humilhante o gesto de Obama perante a autoridade japonesa.
Ora, os arrogantes EUA têm agido há muito tempo como os líderes da humanidade. Veem-se na figura da estátua da Liberdade, transposta para a pintura de Eugène Delacroix, A Liberdade guiando o Povo, ou A América guiando o Mundo… Os valores ocidentais consideram que curvar-se é o gesto de quem se submete. O chefe do Estado mais poderoso do mundo não deveria, portanto, se curvar diante de ninguém.
Mas há ainda outras peças no jogo. Os EUA são hoje o que a Europa foi na Idade Moderna. O mundo é atualmente colonizado pela América: “american way of life”, dollar, McDonald’s, comics, rock and roll, Microsoft and everything. Assim como, na Idade Média, a Igreja Católica continuou o legado do antigo Império Romano, os EUA continuaram a obra europeia de conquistar o resto da América, a África a Ásia…
A relação da Europa/EUA com a Ásia, desde os primórdios do imperialismo europeu, se caracteriza pelo que Edward W. Said chamava de Orientalismo (leia minha resenha do livro Orientalismo). A postura dos EUA para com o Oriente é a de um tutor para com uma criança: “Os orientais são atrasados, supersticiosos, vivem sob regimes antiquados e despóticos, precisam ser trazidos à civilização pelos civilizados”.
As intervenções dos EUA em países “pré-democráticos”, levando “justiça” e “implantando os avanços da democracia” (Afeganistão, Vietnã, Iraque etc.) colocam a nação norte-americana numa posição arrogante: “Não devemos nada a ninguém, o mundo é que nos deve”.
Em especial, a história do Japão foi marcada por episódios que o colocaram numa situação frágil em relação aos EUA. A 2ª Guerra Mundial foi decisiva para isso, pois a vitória dos Aliados sobre o Eixo, com a ocupação do Japão pelo exército norte-americano, houve a “reconstrução” do país, tutelada pelos EUA. Para estes, o Japão não só foi salvo como foi modernizado com o desenvolvimento econômico e a implantação de um regime democrático.
Além disso, o general MacArthur, que liderou a diplomacia e a interface com o imperador Hirohito, resolveu que não seria boa ideia dissolver a hierarquia monástica do Japão, para que os EUA pudessem agir sem resistência dos nipônicos. Dessa forma, Hirohito não só foi um fantoche para iludir os japoneses como teve a ficha limpa por MacArthur, para não ser acusado de crimes de guerra.
Ou seja, para os EUA, o Japão lhes devem muito pelo que têm hoje. Pior, o Japão ainda é, para os norte-americanos, um país que ainda não se modernizou completamente, pois mantém muitos costumes milenares, na culinária, nas relações sociais, nas artes. E na política. Embora Hirohito e a família imperial tenham tido sua natureza divina questionada depois da derrota do Japão na Guerra, ainda há quem acredite que a família tem ascendência de Amaterasu (um lugar mítico parecido com o Céu ocidental).
Dessa forma, para os EUA, é absurdo que um presidente moderno faça uma reverência, como se estivesse reconhecendo que o saudado é um deus. Porém, não é assim que os japoneses se cumprimentam? Não sabemos se a intenção de Obama era realmente saudar um monarca ou saudar um japonês. Na primeira hipótese, ele está sendo diplomático, talvez em excesso, com o objetivo de agradar o anfitrião (o imperador nunca se curva). Na segunda hipótese, ele está respeitando a cultura local, para ser melhor recebido.
A julgar por sua linguagem corporal, fazendo o gesto sem nenhuma hesitação, ele podia até estar se divertindo naquele momento e certamente o gesto não implica que Obama reconheça Akihito como um deus, e não se pode concluir que haja uma relação desfavorável para os EUA no encontro entre os dois governantes. Seja o que for, é um ótimo sinal de que os EUA estão se apresentando para o mundo com mais humildade (foi muito positivo, por exemplo, que Obama tenha dito que Lula é o presidente mais popular do mundo). Se compararmos a postura dos representantes norte-americanos da fotos abaixo, veremos uma mudança gradual.
Porém, alguns norte-americanos, especialmente republicanos, estão se esforçando para comparar a atitude de Obama à de outros representantes de vários países, numa tentativa de mostrar que o atual presidente dos EUA está equivocado. Veja fotos no site Politico neste link.
Mas… se a história moderna permitiu que desmitificássemos a divindade do imperador do Japão, por que os norte-americanos não podem aprender também a tirar de seu presidente a aura divina? No mínimo, a saudação foi um pedido de desculpas pelo estrago da 2ª Guerra.
Veja também
- Hirohito, na Wikipedia
- Akihito, na Wikipedia
- Outrage in Washington over Obama’s Japan bow, no site AFP
- Barack Obama bowed to Japanese emperor as ‘protocol’, no site Politico
- How low will he go? Obama gives Japan’s Emperor Akihito a wow bow, no site do Los Angeles Times
13 comments
Amaterasu é, na verdade, uma divindade. Deusa do Sol.
Então eu confundi com Amatsu…
Considero que o Sr. Obama, de fato, só quis ser muito educado, para garantir a amabilidade dos japoneses. Aliás, como você mesmo citou Thiago, faz parte da índole dele ser extremamente polido para com representantes de outros países.
Se fosse o Bush a fazer a reverência, no lugar do Obama, aí sim isso seria motivo de estranheza!
Inté!
Politica internacional é um saco.
Vi o gesto como algo extremamente natural, de alguém que está sendo recebedido na casa de outra pessoa e segue para cumprimentar o proprietário.
Não tem nada de "se rebaixar", tem de "não sou melhor q outra pessoa a ponto de não poder me reverenciar ao homem de maior posição deste país".
simples assim.
O que diria o saudoso JP. II q beijava o solo de onde quer q fosse?
@Joey, realmente não se poderia esperar nunca que Bush fizesse algo assim. Mas, se para nós que estamos vendo de longe parece um gesto polido, para muitos americanos, saudosos da glória bélica, seja qual for o presidente, há uma honra a ser mantida. Claro que, para mim, esse negócio de honra é bobagem.
@Mr. T, o exemplo de João Paulo II é bem pertinente e mostra um tipo de atitude que está no âmago do que há de melhor no Cristianismo, mas que infelizmente a maioria dos cristãos não se digna a praticar.
Se você chega num humilde e pobre casebre no meio rural, é extremamente recomendado pela Ética que você cumprimente com a maior polidez possível o dono da casa, de preferência nos termos dos costumes locais.
Acho que é isso.
Se esse grande líder mundial der um jeito no conflito entre Israel e Palestina eu vou começar a achar que ele é o Anti-Cristo 🙂
Achei a atitude dele histórica. E se forem atras do que os republicanos acham, o mundo vai ficar ridiculo!!!
abs
Bem-vindo, @José Viana Filho! Realmente o gesto foi histórico, e a reação dos republicanos corrobora isso. É importante interpretar as atitudes reacionárias, para entender quais são as dificuldades que este mundo tem de evoluir.
@AmBAr, se Cristo veio "trazer a espada", então o Anticristo deverá trazer a bandeira da paz.
Obama é um nerd, gente. Acho que ele SEMPRE quis fazer isso, sabe, tava era com os filmes dos samurais na cabeça e tal. Tenho CERTEZA que se ele encontrasse um Vulcano ele saberia o que fazer.
Endosso, @dyego. 😉