Paradoxos
Numa cena de Matrix, o Oráculo diz a Neo que ele não se preocupe com o vaso que vai quebrar. Num gesto de surpresa, “Que vaso?”, ela bate o braço e faz um vaso cair no chão. Paradoxos podem causar vertigens. Mas são ótimos exercícios mentais: “Eu sempre minto”. Se isso é verdade, então o que eu acabei de dizer é mentira. Se é mentira, então confirmo o que eu tinha dito, ou seja, era verdade. Mas, se era verdade…
Os paradoxos têm uma importância que transcende a mera diversão que proporcionam em discussões que nunca terminam. Eles servem para entedermos as limitações de nossa capacidade de compreender o universo e, assim, buscar a superação dessas limitações. Se Pinóquio, cujo nariz cresce cada vez que ele mente, dissesse “Meu nariz vai crescer agora“, o que aconteceria? Ele estaria mentindo, pois não havia dito nenhuma mentira antes, o que significa que seu nariz realmente cresceria, o que caracteriza sua afirmação como verdadeira.
Paradoxo da predestinação
Outro tipo de paradoxo, usado em histórias sobre viagem no tempo, é o da predestinação. No filme Em algum Lugar do Passado, um jovem dramaturgo recebe a visita de uma mulher idosa que pede para que ele volte para ela. Ela lhe dá um relógio de presente e vai embora. Depois, ele descobre que aquela mulher era uma atriz que se destacou muito numa apresentação em um hotel no qual ela estava hospedado. Apaixonado pela antiga foto da jovem, ele descobre um meio de voltar no tempo e conhecê-la. Os dois se apaixonam e, por causa dele, ela faz a maior performance de sua carreira. Enquanto o casal faz planos para o futuro, ele comete um erro e retorna ao seu próprio tempo, deixando uma mulher saudosa e o relógio que havia ganhado.
Na série televisiva de ficção científica Babylon 5, um humano se destacou nos ensinamentos de Valen, um antigo minbari que fundou uma ordem de guerreiros no planeta Minbar. Ele é chamado para uma missão de viagem ao passado para capturar a estação espacial Babylon 4 e mandá-la ainda mais para o passado, para servir de estação-escola a Valen e seus primeiros discípulos. Mas os acontecimentos se configuram de modo que esse humano volta ao passado junto com Babylon 4 e descobre que ele mesmo é Valen. Ou seja, tudo o que ele aprendeu na ordem de Valen foi ensinado inicialmente por ele mesmo.
Num episódio de Futurama, Philip J. Fry volta ao passado com seus amigos e conhece o homem, com mais ou menos sua idade, que viria a ser pai de seu pai. Algum tempo depois, Fry conhece uma mulher da mesma faixa etária, com quem acaba fazendo sexo. Após o ato, lembra-se de perguntar seu nome e descobre estarrecido que ela é a mulher que viria a ser sua avó. Depois de arranjar as coisas para que ela se case com seu próprio avô, ele se dá conta de que seu próprio pai é bastardo, pois ele mesmo, Fry, é pai do próprio pai.
O ovo e a galinha
Costumamos contrapor o egoísmo ao altruísmo de maneira absoluta e irreconciliável. Mas, quando desenvolvemos um grande bem-estar pessoal, ou seja, no âmbito egoico, muitas vezes sentimos a necessidade de compartilhar isso com os outros. Assim, desenvolvendo uma disposição mais altruísta, ajudando os outros, sentimo-nos bem. Evoluindo no âmbito pessoal, crescendo interiormente, reprecutimos do lado de fora, espalhando algo de bom, e o resultado disso nos faz sentir bem.
Esse paradoxo nos faz perceber que algumas contradições aparentes são processos retroalimentadores compostos de polos complementares. Mais do que isso, são processos complexos que não têm, em si, contradição. Esta só surge porque separamos a realidade arbitrariamente e damos nomes antagônicos a suas partes.
No livro A Árvore do Conhecimento, de Humbreto Maturana e Francisco Varela, os autores explicam que um organismo vivo se sustém através de um processo chamado autopoiese (do grego, significa algo como “criação de si mesmo”). Por um lado, o ser vivo possui uma estrutura que o permite buscar alimento e processá-lo. Por outro, essa mesma estrutura tem que ser mantida com a energia processada a partir do alimento. Um ciclo paradoxal. O que vem primeiro, já que a estrutura que processa o alimento é composta do próprio alimento?
A solução é o problema
Minha mãe certa vez pediu à cardiologista que medisse a pressão dela. O aparelho indicou pressão alta. No dia seguinte, minha mãe estava caminhando no Parque das Dunas e encontrou um pessoal medindo gratuitamente a pressão dos caminhantes. O aparelho indicou pressão normal. Noutra visita à cardiologista, a pressão alta se repetiu. doutora Fátima disse que minha mãe sofria de Síndrome do Jaleco Branco. O fato de estar diante de um médico a faz ficar nervosa e, consequentemente, faz subir sua pressão arterial.
Um paciente se dirige ao terapeuta, suando frio, gaguejando, com a voz sumida, e pergunta se ele sofre de timidez. O terapeuta só pode perguntar: “Você está gripado ou está gozando da minha cara?”
Muitas vezes, a própria busca pela solução de um problema já revela detalhes deste problema. Por isso a necessidade da Epistemologia. Por isso também importa lembrar a sociologia da sociologia sugerida por Pierre Bourdieu. Para compreendermos a fundo o modo de superar as falhas dos resultados de nossas ações, é preciso analisar com cuidado as próprias ações e o processo que pvovocou essas falhas.
Da mesma forma que o antídoto do veneno da serpente pode ser encontrado no próprio veneno, nós mesmos temos a capacidade de encontrar as soluções de nossos problemas pessoais. A própria busca despojada e otimista os sana.
Isso também se aplica à humanidade. Como diz Carl Sagan no livro Bilhões e Bilhões, o ser humano é atualmente o único animal capaz de destruir o planeta Terra. Ao mesmo tempo, é o único que pode salvar o planeta de si mesmo.