Por que divulgar o Ateísmo

O livro Deus, um Delírio, de Richard Dawkins, traz como ideia básica, antes de simplesmente argumentar que a crença em Deus é uma ilusão e justificar o Ateísmo, principalmente encorajar os ateus ou os propensos ao Ateísmo a não terem medo de expressar suas ideias num mundo em que a religião ainda parece possuir um status intocável. Os cristãos parecem perpetuar as palavras atribuídas a Jesus, depois de ressucitar e ser abordado por Maria Madalena: “noli me tangere!”

Conversando com amigos sobre o livro de Dawkins, falamos sobre a postura religiosa de alguns ateus, que pregam a inexistência de Deus como um dogma a ser divulgado e pretendem converter outras pessoas. Mas penso que há um grande benefício em se divulgar ideias do Ateísmo, e digo isso não só porque sou ateu (também por isso), mas pelos motivos que exponho abaixo.

Debate intelectual

A primeira razão, mais óbvia (ao menos para mim), para se divulgar o pensamento ateísta é a abertura para o debate intelectual.

Vivemos numa cultura onde a religião exerce grande influência na vida social, cultural e política, e é muito difícil para aqueles que professam o Ateísmo expressarem o que pensam sobre Deus e deuses sem correrem o risco de sofrerem discriminação e preconceito. Muitas pessoas assumem que falar sobre a possibilidade de não existir Deus é maléfico, e há pouco espaço para que o ateísmo entre de forma justa nos debates sobre religião, crença, moral e temas correlatos.

Sem a divulgação das ideias ateístas, os teístas perdem a oportunidade de pensar sobre os pontos frágeis de suas crenças, o que permitiria rever traços obsoletos e arcaicos de nossa mentalidade e de nossos costumes. Os ateus, por outro lado, perdem a oportunidade de receberem críticas relevantes dos teístas, o que lhes possibilitaria evitar equívocos e contradições na construção do pensamento ateísta.

Ciência

Normalmente o Ateísmo é adotado por cientistas, que, por causa dessa mesma Ciência, fortalecem a convicção de que a existência de Deus é improvável.

Cientistas preocupados com a divulgação do pensamento científico, como Carl Sagan e Richard Dawkins, muitas vezes se deparam com o questionamento (seja de outros, seja a si mesmos) sobre a existência de Deus (tema muito relevante para nossa cultura cristã). E normalmente expressam a visão comum na Ciência mais séria de que é mais provável que Deus não exista do que o contrário.

Assim, geralmente as discussões dos ateístas tocam as razões científicas para se justificar a improbabilidade da existência de Deus. Por isso, a divulgação do Ateísmo tem como consequência e vantagem a divulgação concomitante da Ciência, tanto dos seus conhecimentos atuais quanto, principalmente, do modo científico de abordar a realidade.

É claro que essa vantagem da divulgação do Ateísmo só é apreciada por quem valoriza minimamente a Ciência.

Status epistemológico

É uma falácia o argumento corrente segundo o qual a religião tem o mesmo valor que a Ciência enquanto crença/conhecimento. É como se fosse apenas uma questão de escolha: alguns acreditam na religião, alguns na Ciência, e ambos acham que estão certos. Portanto, não se pode dizer que religiosos estão mais certos do que cientistas e vice versa. Conclui-se, então, que se trata apenas de uma escolha entre opções com valor equivalente.

Mas não é assim. Há diferenças cruciais entre as epistemologias da religião e da Ciência. A começar pelo status do saber veiculado por cada uma das correntes. A religião tende a cristalizar esse saber, assumindo-o como dogma, verdade revelada, imutável. Enquanto a Ciência, por mais evidências que tenha sobre uma teoria que sustenta, está pronta a, no momento em que surgem mais evidências, revisá-la, modificá-la, ajustá-la, reformulá-la ou até refutá-la completamente. Isso está na essência do que é a Ciência.

O que não impede a existência de religiosos mais abertos à mudança ou de cientistas com postura dogmática, mas são exceções aos fundamentos de cada uma destas correntes do saber humano.

A Ciência não tem evidências suficientes para provar a existência/inexistência de Deus. Até onde sabemos, é muito mais provável que ele não exista, pois praticamente qualquer fenômeno que se atribua à sua existência tem explicações alternativas. Assim, pelo princípio científico, uma vez que há mais evidências contra a existência de Deus, é cientificamente plausível assumir sua inexistência.

Antiautoritarismo

Normalmente, a crença em Deus ou em deuses está ligada à ideia de que se deve obedecer à autoridade sacramentada em seu nome, seja a ele mesmo, seja aos sacerdotes de sua religião, seja a governantes. A não ser para os deístas (que, diferente dos teístas, consideram que Deus não intervém na vida humana), a crença em Deus pressupõe limitações à vida humana, mais do que a liberdade. Lembrando Bakunin, “se Deus existisse, seria preciso aboli-lo”.

Por isso, o Ateísmo é importante no âmbito político da vida humana, pois abraça uma crítica ao autoritarismo e a qualquer forma arbitrária de dominação. Trata-se de um posicionamento ético.

Dessa forma, mesmo que se provasse que existe um Deus onipotente que demanda obediência, uma mente Ateísta questionaria essa obediência cega. Se esse Deus é tão bom, a razão leva a crer que ele queira para suas criaturas tanta liberdade quanto a que ele mesmo tem. Da mesma forma que temos que renunciar à tendência natural humana a não falar e aos impulsos destrutivos, para poder nos comunicar de forma complexa e vivermos solidariamente, precisaríamos, na hipótese de esse Deus existir, renunciar à posição submissa em relação a ele.

Ética

Muita gente usa as palavras Ateísmo, ateu, ateia etc. com conotação negativa. Há quem afirme que a negação da existência e Deus é uma falha de caráter e que os tementes a Deus são naturalmente mais propensos a ser pessoas boas do que os que duvidam da existência da divindade.

Herdamos um conjunto de livros consagrados a que é atribuído status de verdade absoluta revelada e que tem servido, ao longo da história do ocidente desde a Idade Média, como suposta fonte de ensinamentos morais, como manancial de preceitos para toda a moral humana.

Isso leva grande parte das pessoas a crer que a aceitação (ou a negação) da Bíblia deve ser absoluta. Ou seja, aqueles que rejeitam a existência de Deus como algo relevante para a humanidade estariam automaticamente despojados de qualquer tendência a uma mente e um comportamento éticos. Porém, a ética não vem só da Religião, mas está presente no pensamento de muitos filósofos e cientistas, muitos dos quais não-teístas, desde a Antiguidade até a Idade Moderna.

Estamos caminhando para um mundo cada vez mais aberto às diferenças, e entre essas diferenças está a religiosidade, tão diversa e variada. Mas ainda há quem considere que a divulgação do Ateísmo é prejudicial, por supostamente ferir as crenças da pessoas religiosas. Esquece-se que as próprias religiões, cuja divulgação é muito incentivada e quase nunca impedida, são muitas vezes fonte do mesmo tipo de intolerância. Basta assistir a uma missa do canal de TV Canção Nova para ouvir um sermão afrontando o Candomblé ou o Espiritismo.

Também há quem tema que a divulgação do Ateísmo vai fazer mais pessoas se tornarem ateias. É como aquele medo de que os filhos de pais homossexuais tenham mais chance de se tornarem homossexuais. Ou seja, o preconceito justifica o preconceito.

Na Europa, tem havido há algum tempo uma campanha para expor mensagens ateístas em espaços que também são usados para propagandas de igrejas. Muita gente não gostou. É o caso do cartaz para ônibus que ilustra este texto: que diz:

Provavelmente não existe Deus. Agora pare de se preocupar e vá aproveitar sua vida.

Se descobríssemos provas inequívocas e irrefutáveis de que Deus não existe, será que essas pessoas que acreditam tão ferrenhamente na fonte divina da ética passariam a fazer todo tipo de mal sem se preocupar com as consequências? Acho que não. Há muitos cristãos que são bandidos, com santos tatuados no corpo. E há muitos ateus que fazem trabalhos assistenciais altamente altruístas.

A humanidade tem plena capacidade de desenvolver e ajustar seus preceitos éticos para viver em harmonia consigo mesma, como vem tacanhamente fazendo ao longo de sua história.

10 comments

  • Estive acordado para ver saturno nascendo junto com o ano novo, mas não deu. Havia muita luz na cidade e me impediu vê-lo, mas eis que vejo você em "Porque divulgar o ateísmo".
    Quanto argumento para seu descrédito!!! Sinto que lhe incomoda ser ateu. Não seja. Você se tornará livre por essa escolha.
    Veja Paulo ao se referir a fé, por exemplo(Heb 11-1): "A fé é a garantia dos bens que se esperam, a prova das realidades que não se vêem". É simples, escute ele dentro de você – é preciso apenas um pouco de humildade para isso. A humildade de aceitá-lo.
    Abraços, Gigante.

  • @Pollux,

    Primeiro, não me incomoda ser ateu. O que me incomoda é o preconceito (não seria exato dizer, por exemplo, que, por sofrer racismo, uma pessoa se incomoda por ser negra).

    Fé é um conceito polivalente, e cada religião (entre aquelas que trabalham com o conceitio de fé) tem uma forma diferente de abordá-la e vivenciá-la. Você está citando apenas uma possibilidade, dentro de apenas um dos inúmeros livros "sagrados" que existem mundo afora, dentro de uma de suas tradições.

    "Ser livre" é uma locução carregada de paradoxos. Uma pessoa que segue seu conselho se sente livre por não se preocupar com o fardo das questões existenciais, mas para isso tem que obedecer cegamente uma força superior. Eu me sinto livre por não me deixar levar por dogmas estáticos e por deixar minha mente desamarrada para observar a realidade com o máximo de abertismo possível, o que pode significar, às vezes, uma sensação de que não há um sentido último da vida. Mas isso não me incomoda; o sentido da vida somos nós quem vamos criando e aperfeiçoando ao longo do tempo.

    É comum que os teístas considerem os ateus arrogantes por se virem "acima de Deus". Muitos deles não veem que pensar em sua religião como a melhor para todo o mundo é uma atitude arrogante. Aliás, declarar-se humilde pode ser uma perversa forma de arrogância.

    Aprendi muita coisa sobre humildade depois que deixei de considerar Deus uma verdade absoluta e passei a conhecer outras formas de pensar. Enquanoto ateu, não me acho melhor do que os cristãos. Procuro entender o modo como cada linha de pensamento funciona e compreender a razão porque cada pessoa escolhe um caminho diferente.

    A fé pode servir muito bem para você, Pollux, mas para mim não serve mais. E eu poderia muito bem dizer a você que desse uma chance à razão para perceber a ilusão que é a crença em Deus. Mas não farei isso, pois o debate é muito mais importante do que o proselitismo e leva a uma reflexão por parte de todos os envolvidos.

    Obrigado por seu comentário. E não me compare com o planeta Saturno, porque você, junto com Castor, forma uma constelação. 🙂

    Abraço.

  • Incomodou-me, deveras, um comentário horroroso que vi do Datena quanto a um assassino cruel foragido, num daqueles programas policialescos ridículos e sensacionalistas: "Esse bandido cruel só pode ser ateu, não tem Deus no coração um monstro desses…"! Sem querer, estava plantada a discórdia e o estereótipo perigosíssimo de que um ateu não tem escrúpulo e deve ser banido de uma sociedade dita cristã! absurdo!

    Apesar disso, creio que pecam os ateus (que ironia… rs) tanto quanto os religiosos fanáticos, quando querem "pregar" suas verdades aos quatro ventos! Acho tão chato quanto invasivo esse caráter de "sigam a minha verdade"! Claro que não é o seu caso, parece-me que você deseja apenas ter tanto espaço quanto os religiosos de carteirinha na mídia, por exemplo, mas as duas faces da moeda me incomodam em demasia…

    Outra dicotomia interessante e que já me deixou zonzo é que, se Deus não existe, uma vez que não teria começo nem fim ('ad eternum' – afinal, e o que houve antes de Deus, quem o criou?!), o que poderia haver antes do 'big bang'?! Tais teorias podem ser postas por terra por qualquer pensador mais acurado… A mim parece impossível estabelecer tais verdades e, invariavelmente, soa que devemos sempre encaixar a crença nesses vazios absolutos de certeza…

    Mas chego a um ponto em que discordo de você: não me parece que Deus queira obediência cega, não – afinal, a proposta do "livre arbítrio", onde você aceita ou não as verdades divinas… O que me soa incômodo é que, mesmo sendo livre, você pagaria um "preço" por tal liberdade, queimando no inferno por toda a eternidade por seus "pecados"… Então, parece que, no final, tudo daria na mesma, né, e você teria razão… Especialmente se pensamos num Deus que já sabe de tudo desde sempre, que livre arbítrio eu teria, se já estou condenado ou salvo desde muito antes de eu nascer?! Enfim…

    Eu creio, muitas vezes sem muita força, admito, mas creio… Tenho minhas dificuldades quanto a essas estórias de "inspirações divinas" e vejo quase 75% da Bíblia não como um livro sagrado, mas como um amontoado de versões xiitas de povos atrasados e ensandecidos com idéias religiosas e de poder! Mas gosto muito dos ensinamentos do Homem de Nazaré…

    Abraço, amigo de muita fé!

  • Me pergunto se os ateus sofrem realmente alguma perseguição em nossa sociedade.

    Ninguém segue realmente 100% os preceitos do cristianismo hoje em dia (e acredito que assim seja para as demais religiões). As pessoas escolhem em que acreditar e o que seguir. Isso independente do nível de educação. Por exemplo, quase ninguém com mais de 25 anos e ainda solteiro mantém o celibato. Muita gente é católica e espírita ao mesmo tempo!!!

    Mesmo que seja provado por A+B=C que Deus não existe as pessoas irão continuar crendo pois é uma questão de fé!

    Essa me parece aquela velha discussão sobre o "éter do universo". Alguns dizem que ele existe, apesar de não poder ser medido. Outros (maioria) afirmam que isso não existe. No fim isso não muda nada na vida de ninguém.

    O cara é manipulado pois não teve acesso à educação e não por crer em algo espiritual. Em um mundo onde todos são bem instruídos ainda haveriam os que acreditam em uma força mística-espiritual maior.

  • Não sou cristão, nem fã incondicional da bíblia; acredito no espiritismo e sepre pensei que existe um criador. Cito como evidência uma semente, que como máquina planejada se desenvolve até chegar ao ponto de reproduzir-se e dar continuidade à idéia inicial, às vezes se adaptando e mudando. O universo tem relação com esta semente, nós também estamos contidos nesta obra de vida, e certamente temos um papel.

    Acredito que o homem se afastou desastradamente da idéia inicial de Deus; para mim os índios estão mais próximos desse equilíbrio e inclusive estão à nossa frente em alguns conhecimentos, destaco o uso que fazem do chá ayahuasca, que os conecta a aspectos da realidade inatingíveis para maioria de nós civilizados. Inclusive existem igrejas onde se consome esse chá, como a União do Vegetal, ultimamente tenho lido muito sobre eles, sobre o chá… então aprendo sobre Deus, e sobre mim, e sobre a semente. 🙂 – Abraços.

  • Caro Adriano a ayahuasca é apenas uma droga que causa alucinações audio-visuais (as miragens – miração – sei la), e altera o humor e demais sensações de natureza psicológica. Essa sensação de estar conectado a algo místico fazendo parte do equilíbrio do universo é apenas o efeito de uma droga alterando o cérebro.

    Na minha opinião essa visão de que os índios são bonzinhos e por isso alcançaram um estado de "humanização" mais avançada que nós ocidentais capitalistas cruéis, é muito romântica.
    Veja, os índios MATAM os recém nascidos (enterram vivos) se eles nascerem com problemas físicos ou até mesmo com albinismo! Os índios quando guerreavam matavam seus adversários assim como nós.
    Os índios não aceitam pessoas com diferentes escolhas sexuais.
    Os índios compartilham da mesma natureza humana que nós.

    Os índios tem a sua droga e nossa sociedade tem várias outras também.

    Cada um acredita no que quiser. Pessoalmente não vejo diferença entre acreditar que a ayahuasca tem poderes místicos e acreditar que o óleo ungido por Edir Macêdo vai mudar a sua vida. A diferença é só na roupagem do produto que está sendo vendido.

  • Querido Thiago,
    Humildemente, peço-lhe perdão pelo mal que fizemos a você. Sinto que em algum lugar do passado você foi duramente ferido, ultrajado, violado pelos doutores da lei, pelos pais da igreja, pelos santos, pelos representantes de deus, enfim. Talvez eu mesmo estivesse entre os que levantaram a pedra, lavraram a sentença, atiraram o fogo, puxaram a corda, fecharam a porta, apagaram a luz.
    É certo que o pendulo parece inclinar para um lado. Você é bom, doce, delicado, inteligente, meigo, amigo, sensível. Mas há de ter sentido na violência que você foi vítima, há lições a serem aprendidas, o perdão (certamente), a compreensão da miséria humana, sua pequenez. Talvez, você já tenha descoberto que somos deuses. Um gigante entre os nanicos sempre causa algum impacto. E quando os nanicos são muitos…
    O pensamento é força vinculadora e quem poderá detê-lo?!
    As teias neurais… Pense a quem você serve em sua escravidão, Thiago.

  • @Hinodapérola,

    Seu comentário é um tanto obscuro e ambíguo.

    Quanto a essa suposta violência sofrida por mim, se houve, foi reprimida no inconsciente. Não sei até onde o fato de a imagem de Jesus ensanguentado numa igreja de Caicó/RN me apavorar tanto tem alguma coisa a ver com minha aversão ao Cristianismo… talvez.

    Porém, não tenho mágoa do Cristianismo, e acho que hoje o compreendo mais do que nunca. E por isso mesmo não o adoto.

    Sim, somos deuses, cada um de nós é seu próprio deus, e juntos formamos um infinito panteão.

    A teia neuronial não se fecha em uma só cabeça, ela extrapola os limites dos crânios e tem uma dimensão maior do que a soma dos indivíduos que dela participam.

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