É proibido duvidar
Há assuntos que o bom senso nos faz evitar a muito custo. Por mais convicção que tenhamos em relação a um assunto, quando tal convicção se opõe à opinião (pública), ao que a maioria acredita ser verdade, temos receio de colocá-la em questão, especialmente diante de pessoas que defendem de modo aguerrido essa opinião pública. Um exemplo clássico (que se trata de minha exeriência pessoal) é falar sobre religião e Deus.
Não é nada fácil ser agnóstico e muito menos ser ateu numa cultura em que predomina o monoteísmo cristão. Dizer que não se tem certeza se existe um deus ou Deus é convidar os teístas mais fanáticos a nos dar um sermão. Afirmar que Deus não existe é despertar pena ou ganhar a desconfiança de algumas pessoas.
Pior ainda é quando sua forma de encarar a existência de Deus é complexa demais para ser denominada pelos termos disponíveis no mercado linguístico. Se alguém me pergunta se acredito em Deus, responder que “não acredito” resume bem minha visão, mas desperta uma série de preconceitos atrelados a essa frase que não correspondem exatamente à minha visão do tema.
Uma colega minha do trabalho não acredita que exista Deus nem afirma sua inexistência. Para mim, ela se encaixa no conceito de agnóstica. Mas ela não se considera agnóstica nem ateia nem teísta. Conversando com ela, sugeri que ela é agnóstica, mas ela discordou, dizendo que não aceita essas denominações.
Desde que comecei a entender bem o que significa ateísmo, agnosticismo e Ciência, comecei a me considerar cientificamente agnóstico e filosoficamente ateu. O primeiro termo se refere à minha ideia de que não é possível, através da investigação científica, averiguar a existência ou a inexistência de um criador onipotente, onisciente e/ou onipresente. Na Ciência, não se tratam de verdades absolutas, mas de aproximações da realidade, e toda afirmação científica é, de certo modo, agnóstica, pois não é revelada e sim o resultado de um esforço cognitivo.
O segundo termo se refere à negação de qualquer tipo de autoridade absoluta, humana ou divina. De modo que me reporto ao pensamento de Mikhail Bakunin, para quem a existência do Deus das religiões monoteístas implica a escravidão do ser humano. Parodiando Voltaire (“Se Deus não existisse, seria preciso inventá-lo”), Bakunin diz: “Se Deus existisse, seria preciso aboli-lo”. O que me faz relacionar filosofia e ateísmo é uma noção ética, moral, ou seja, mesmo que exista algo que se possa chamar de Deus, considero antiético que sua existência implique na servidão humana.
Além disso, algumas de minhas perspectivas de existência são contrárias a grande parte das crenças dos ateus. Considero, por exemplo, que as manifestações da consciência humana extrapolam os 5 sentidos do corpo físico, que podemos nos manifestar fora desse mesmo corpo (o que se conhece como projeção astral, experiência fora do corpo ou projeção da consciência), que faz sentido que cada um de nós tenha tido outras vidas e terá outras no futuro e que nesse processo estamos evoluindo, cada um, para uma condição cada vez mais avançada. Isso não quer dizer que eu não possa me considerar ateu, pois o sentido estrito dessa palavra é a negação (a-) da divindade (théos).
Etiqueta
Certa vez li na revista Veja um excerto de um manual de etiqueta que dizia que num jantar deve-se evitar conversar sobre 3 itens, entre os quais figurava a religião. Ora, quando se diz isso, o que se deixa implícito é que “não se deve ofender as crenças das pessoas”. Na realidade, não há riscos de haver confusão ao se falar de religião num jantar onde todos os presentes são adeptos de um mesmo credo. Esse risco é até pequeno mesmo quando cristãos de diversas correntes discorrem sobre assuntos teológicos que interessam a todos eles.
Entretanto, não se considera aceitável deixar à mostra a descrença ou o ceticismo, justamente porque estes abalam o apego desesperado dos crentes. Um especialista em etiqueta que recomenda a discrição na hora de se abordar religião pode estar implicitamente assumindo que tem uma religião que acredita ser a correta e não gosta que outros abordem suas crenças de maneira crítica, mesmo que seja para ajudar a entender melhor algum aspecto dessa crença.
A lógica dessa etiqueta se baseia na ideia de que as religiões têm que ser respeitadas (mesmo que seus discursos incluam críticas a outras formas de pensar) e que a crítica às religiões é um erro, pois seria a negação de algo fundamental da natureza humana. É a mesma lógica de quem pensa que os símbolos religiosos têm que estar presentes nas instituições públicas de um Estado laico (mesmo que eles ofendam algumas pessoas) mas se sente ofendido com uma manifestação ateísta ou de outra religião. A tirinha abaixo, de Don Addis, resume extraordinariamente bem o que tenho em mente:
Porém, é preciso levar em consideração um outro aspecto, que se relaciona à mesma ética a que aludi acima: às vezes uma pessoa tem tão entranhada em si uma convicção que questionar e desconstruir de maneira lógica seu pensamento seria uma violência.
Mas se todos incorporassem verdadeiramente uma postura racional e civilizada, poderiam deixar de lado esses melindres e discutir abertamente seus pontos de vista, flexibilizando-se a novas experiências e novas perspectivas, sem as noções preconcebidas de que “é preciso mostrar ao outro que eu estou certo”. Surgiria então uma nova etiqueta, baseada no discernimento, no abertismo e no universalismo, e toda essa bobagem de discrição na hora de abordar certos temas seria superada.
Notas
Este texto é uma versão ampliada de um post originalmente publicado na primeira Teia Neuronial. Seguindo a ideia que expressei no texto A Morte e o Texto, decidi, ao invés de pegar os textos antigos e republicá-los integralmente, reconstruí-los, atualizando as ideias a respeito dos temas abordados, seja porque mudei minha forma de vê-los, seja porque há algo novo a acrescentar.
Confiram o texto original neste link ou abaixo:
Há assuntos que se evitam a muito custo abordar. Por mais convicção que tenhamos em relação a uma coisa, quando tal convicção se opõe à opinião (pública), teme-se-a pôr em questão. Um exemplo clássico (que se trata de minha exeriência pessoal) é religião e Deus.
Não é nada fácil ser ateu. Ainda menos quando eu me posiciono de forma a me considerar cientificamente agnóstico mas filosoficamente ateu. Aquele termo se refere à minha idéia de que não é possível através da Ciência a averiguação da existência de Deus (o agnosticismo não se refere só à questão da existência de Deus). O segundo termo se refere à negação de qualquer tipo de autoridade, humana ou divina. Para Mikhail Bakunin, a existência de Deus implica a escravidão do ser humano. Parodiando Voltarie, Bakunin diz: “Se Deus existisse, seria preciso aboli-lo”.
Há algum tempo li na revista Veja um excerto de um manual de etiqueta, que dizia que num jantar deve-se evitar conversar sobre 3 itens, entre os quais estava religião. Ora, quando se diz isso, o que se quer deixar entender é que “não se deve ofender as crenças das pessoas”. Na realidade, pode-se muito bem falar de religião num jantar quando todos os presentes são adeptos de um mesmo credo. Admite-se até que cristãos de diversas correntes discorram sobre assuntos teológicos que interessam a todos eles. Mas não é bonito deixar à mostra a descrença ou o ceticismo, justamente porque estes abalam o apego desesperado dos crentes.
11 comments
Oi, Thiago.
Tenho duas colocações distintas sobre este assunto. A primeira, como não podia deixar de ser, se refere à própria existência ou não de uma inteligência criadora de tudo que existe, o universo, as condições observadas entre seus elementos, e principalmente, os observadores inteligentes, no caso, nós seres humanos. E o questionamento derivativo dessa hipótese é a da existência dessa entidade coincidir com alguma das inúmeras concepções de Deus dentre as várias formuladas pelas várias culturas e civilizações humanas. E há que se considerar ainda que TODAS essas formulações da divindade tinham como principal meta e objetivo enquadrar os indivíduos em coletividade, num ideário de cooperação mútua e de valores éticos convergentes, preferencialmente em submissão a esta suposta entidade criadora, e, inequivocadamente, pagando tributo diretamente ao representante da divindade naquele grupo de seguidores.
O outro ponto crítico é o das reações extremadas por várias pessoas crentes ao confrontarem opiniões não apenas descrentes de SEU DEUS particular, mas de qualquer existência de divindade (ou ateísmo, mesmo). E de como equilibrar-se entre a saia justa de sustentar suas convicções pessoais sem ferir os sentimentos ou gerar discussões acaloradas com essas pessoas, até mesmo amigos seus ou familiares, que não aceitam essa liberdade de expressão e de pensamento. E o irônico é saber que existem ateus que têm igualmente reações extremadas e tentam igualmente impingir, aos crentes, a sua verdade pessoal como a verdade absoluta.
…Como você pôde acompanhar no diário do meu antigo personagem, o Alma de Aço, eu elaborei uma espécie de rascunho de cosmogonia muito parecido com um samba do crioulo doido: afinal de contas, meu viajante espacial vai encontrar raças alienígenas, e não é nada razoável culturas diferentes florescendo em mundos diferentes terem crenças convergentes numa divindade comum…
É, não deveria, exceto se você cria um evento megalomaníaco que deu fim a uma guerra entre civilizações planetárias, capitaneado por um tipo de entidade com aqueles famosos superpoderes de gibi de super-herói, cujo sacrifício final não apenas acaba com o grande antagonista como também inicia uma lenda milenar sobre uma divindade guerreira que desce ao convívio dos homens para salvá-los do grande MAL que ameaçava acabar com toda a vida civilizada. Obviamente nem todo mundo caiu nessa conversa, mas considerando que o fim daquela guerra deu início a uma grande coligação de civilizações chamada União Planetária, e que os quatro mundos mais presentes aos eventos tornaram-se os grandes mandatários dessa coligação, espalhando principalmente sua ideologia e suas crenças, a influência dessa lenda é enorme.
Acrescente-se ao caldo uma visão termodinâmica de universo e energias espirituais (a quantidade de energia no Universo é tremenda e incalculável, mas é FIXA. Daí, se você tem energia em ação – vida – e energia potencial – morte. A soma das quantidades tem que ser CONSTANTE. Se tem muita gente viva no universo, a quantidade de mortos esperando sua vez de voltarem como seres vivos é pequena. Se a quantidade de pessoas vivas é menor do que as pessoas mortas, então tem uma quantidade de energia vital esperando para renascer novamente.)
O problema do conceito de energias recicláveis girando na roda da vida e da morte é que, ao contrário do hinduísmo e do Budismo e das seitas que pregam o ciclo de reencarnações, a alma, a identidade do indivíduo, e principalmente seu karma de ações boas e más, são, nesta MINHA concepção FICCIONAL uma espécie de atributo da coletividade, ou seja, os egos são meio que desfeitos na morte numa grande sopa de energia, e os elementos recombinados aleatoriamente formando novos egos, o que invalidaria todo o sentido da vida, do pós-vida com punição aos ímpios e recompensa aos justos, a questão da memória das pessoas que existiram uma vez perdurarem na lembrança dos vivos, especialmente das celebridades que alcançam o status de figuras histórias.
Confesso que esta hipótese, embora pareça coerente do ponto de vista de trocas energéticas, é bastante desesperançosa, embora participar do karma coletivo da humanidade (ou no caso, das várias e distintas "humanidades", senciências alienígenas diversas) seja visto por muitas religiões como uma dádiva e um presente à divindade criadora.
Sei que é um exercício interessante de especulação ficcional, e meu temor é começar a acreditar nessa hipótese "libertária por W.O.", ou seja, destroçando o ego da pessoa depois de morta, o indivíduo não mais existe como ente único, e não pode ser objeto de castigos como exige a moral cristã pela paga aos pecados cometidos. Belo jeito de me livrar desse peso, espero que quando estiver prestes a morrer eu tenha a hombridade de não mudar de idéia e querer me arrepender dos pecados de última hora!
Acho que algumas vezes temos medo de parecer diferentes, outras vezes temos medo de não ter argumentos fortes o suficiente que 'garantam' a nossa opinião(mesmo que tenhamos uma certeza inconciente, e talvez cega), sobre algum tema, no fim das contas… existe, pelo menos em mim, muitas vezes um certo medo de não estar certo… o que no fim das contas é uma coisa que não deveria acontecer, mas acontece e está ligado ao meu jeito de ser.
Eu tenho confrontado uma série de convicções, comportamentos, e pré conceitos, que por muito tempo eu conservei sem a menor preocupação. O fato é que leituras, pensamentos e discussões solitárias, e conversas com pessoas com opiniões comportamentos e conceitos diferentes tem me mostrado um mundo totalmente novo, o qual eu não me permitia ver.
Pra mim… o amadurecimento vem em grande parte daí, do confrontamento de idéias, de ver que o mundo não é só seu e sim uma colcha de retalhos composto por milhões de cabeças diferentes.
O importante pra mim nessa colcha toda é respeitar a opinião do outro, e isso pra mim é exatamente o que vc disse aqui:
"… e discutir abertamente seus pontos de vista, flexibilizando-se a novas experiências e novas perspectivas, sem as noções preconcebidas de que “é preciso mostrar ao outro que eu estou certo"
Valeu por oferecer a todos mais um momento de reflexão por aqui.
Agradeço a Deus, aos Deuses, Deusas, e seres em estados avançados de compreensão e sabedoria =D
Olá, @Fernando.
O sociólogo Émile Durkheim escreveu, em As Formas Elementares da Vida Religiosa, que as religiões têm exatamente esse papel que você citou: dar coesão aos grupos humanos, um sentimento de pertencimento. Porém, isso não depende exatamente da crença numa divindade (monoteísmo) ou em várias (politeísmo). Há religiões ateístas, como é o caso de algumas correntes do Budismo. O que, segundo Durkheim, as religiões têm em comum é a noção do dualismo sagrado/profano.
Quando a crença na divindade está presente, temos o que você disse. Os deuses são representações de figuras de autoridade, como o pai e a mãe, o rei, o chefe de Estado, a celebridade do mundo do entretenimento…
Sobre as reações extremadas, elas ocorrem sempre que há fundamentalismo, seja na religião ou em qualquer outra crença não religiosa (como na Política, por exemplo). Os ateus que "sentem nojo" das manifestações religiosas estão na mesma que os cristãos que fazem o sinal da cruz quando veem o capeta. Uma das coisas, aliás, que acho inapropriadas é um tipo de piada ateísta que zomba da inteligência dos crentes, como aquela da cruz que emperra o funcionamento do cérebro.
@Fernando, a Sociologia e a Antropologia mostram que os universais humanos têm a ver com as especificidades materiais do Homo sapiens. O estruturalismo do antropólogo Claude Lévi-Strauss mostra isso. Recomendo, a propósito, a leitura de As Estruturas Antropológicas do Imaginário, de Gilbert Durand, uma leitura agradável e esclarecedora.
Certamente as crenças de povos não-humanos têm aspectos fundamentalmente diferentes das nossas. Mas mesmo assim deve haver algo em comum…
Essa ideia de conceber um evento com repercussões universais é genial. E remonta a alguns episódios da história humana em que um povo ou grupo de povos se unificou e elegeu uma divindade comum para representar essa unificação. Isso ocorreu entre os babilônicos, com a consagração do deus Marduk, e, provavelmente, foi o que deu origem ao monoteísmo bíblico (vide a ensaio Moisés e o Monoteísmo, de Sigmund Freud, onde ele se revela um historiador em potencial).
Essas especulações são um meio interessante de desenvolver a mente científica e dão muito pano para manga na criação de narrativas e universos ficcionais. Mas também é interessante a experimentação de técnicas para expandir a manifestação consciencial e averiguar até onde tudo isso faz sentido e/ou se aplica na prática….
@Samuel, não só temos medo de assumir as diferenças (ou ao menos as diferenças consideradas como dentro do espectro do aceitável), mas temos medo do que é estranho, do que pode abalar a ordem confortável das coisas. Aqueles que recriminam de modo fanático as atitudes subversivas dos outros está reiterando a negação das subversões que existem dentro de si mesmo.
É claro que, mesmo quando já superamos essa condição resignada, também há o medo de perder o debate. Ainda vivemos numa cultura que preza o individualismo e a honra pessoal, onde cada um (especialmente os homens) é exortado a ser íntegro e defender o que pensa sem dar o braço a torcer.
Pois é, daí a jornada não pára nunca. 🙂
Deus é Amor.
Pergunte aleatoriamente a uma pessoa na rua o que é Deus, o que significa Jesus, Maria e etc…
Resumidamente irá significar amor, altruísmo, perdão, etc..
Para mim, se o conteúdo das crenças dessas pessoas se resume a isso, está ótimo 🙂
E eu não diria para uma pessoa dessas que não acredito nesses preceitos (ou em seu Deus que indiretamente representa esses preceitos).
Digo que acredito só para agrada-lo.
Uma vez que um senhor de idade (aparentemente bêbado) me abordou numa parada de ônibus e perguntou qual era minha religião. Eu rapidamente raciocinei que para acabar logo com o assunto e não criar polêmica, seria melhor dizer que era cristão. O senhor então passou os 30 minutos em que esperei o ônibus detonando a religião cristã. Fico imaginando o que aconteceria se eu tivesse dito que era Ateu ou Agnóstico 🙂
Thiago, vc disse:
"Considero, por exemplo, que as manifestações da consciência humana extrapolam os 5 sentidos do corpo físico, que podemos nos manifestar fora desse mesmo corpo (o que se conhece como projeção astral, experiência fora do corpo ou projeção da consciência), que faz sentido que cada um de nós tenha tido outras vidas e terá outras no futuro…"
Isso me parece querer afirmar que o espírito existe, estou certo? Espírito com identidade individual.
"… e que nesse processo estamos evoluindo, cada um, para uma condição cada vez mais avançada."
O que também parece querer dizer que há indivíduos-espíritos mais avançados que outros. É isso?
Então, não haveria de existir um mais avançado entre todos?
Estou sendo muito primitivo na consideração?
@AmBAr, a qual Deus você atribui o amor? Eros ou Dioniso? O Deus de Jesus é amoroso de modo geral, mas o Deus do Velho Testamento é irascível, aguerrido, vingativo, justiceiro.
Estes dois aspectos opostos ainda sobrevivem nas representações da divindade no Cristianismo. Mesmo que uma pesquisa do tipo sugerida por você geralmente obtenha respostas como "paz, amor, altruísmo e perdão", os discursos do dia-a-dia dessas pessoas revelam noções de justiça divina, condenação dos pecados, reprovação de certos hábitos etc.
Acreditar na paz, no amor, na tolerância etc. prescinde da necessidade de crer numa entidade que represente esses valores. Existem religiões ateístas (como algumas correntes do Budismo) e existem até cristãos ateus (clique neste link e veja esta resenha).
Concordo que há situações em que devemos ser diplomáticos e dizer que acreditamos em certas coisas. Mas é preciso muito tato ao lidar com anciãos bêbados… 😛
Uma vez eu fui visitar uma amiga e, enquanto esperava por ela numa parada de ônibus, um casal evangélico parou para perguntar alguma coisa e então começaram a dizer que eu tinha jeito de quem cria em Deus etc. Ao chegar minha amiga, também "atestaram" que ela era como eu, crente, uma pessoa boa e por ai vai. Nem eu nem ela discordamos, mas também não afirmamos nada, apenas sorrimos amigavelmente.
@Benjamin, sim, afirmei que espíritos com identidade individual existem, embora eu prefira não usar esse termo.
Há consciências em variados níveis de evolução. Talvez haja uma consciência mais avançada, talvez haja um grupo dessas consciências. Mas entendo que elas chegaram lá por um processo evolutivo e não considero tão certo assim que elas tenham criado o universo nem que sejam onipresentes, oniscientes nem onipotentes, embora suas percepções e poderes devam ser extraordinariamente incompreensíveis para a maioria de nós.
Não acho que essas consciências tenham muito a ver com a maior parte das concepções teístas. Prefiro descartar a palavra deus. Imagino que uma consciência extremamente avançada não tem necessidade de ser bajulada, de receber orações, de ser mistificada nem mitificada, de punir e recompensar de acordo com regras caprichosas que só ela entende.
Thiago, a última ficha que me caiu a respeito das religiões é que elas são modelos construídos para expressar a fé no transcendente. Varia de indivíduo para indivíduo, e é cultural. A fé é que parece ultrapassar a cultura em seus diferentes níveis.
Acho que até a projeciologia pode ser vista como uma religião. Afinal, o Estado de Graça é o objetivo último de cada um e de todo mundo. E cada um busca essa felicidade como pode e à sua maneira.
Na última semana vi uma palestra de um geólogo na TV Cultura que me remeteu a uma consideração intrigante na qual eu nunca tinha pensado anteriormente. Enquanto ele falava da idade da Terra e seus eventos, eu pensava… Moisés, no Capítulo Primeiro do Gênesis descreve a Criação na sequência: luz e trevas, firmamento e "águas", terras e mares e reino vegetal, sistema solar, reino animal, e finalmente o homem. A menos do terceiro e quarto "dias da Criação", a ordem é perfeita. E foi pensada há quantos anos atrás? 6.000? Não é impressionante? Até o erro na ordem parece proposital. Como poderia ele chegar a essa conclusão naquele estágio cultural se a ciência só mais recentemente chegou a esse conhecimento?
Eu especulo. Ele teve uma locução interior, uma projeção astral e foi informado pelo "futuro". Pirei?
De que outra maneira poderia Moisés perceber essas coisas se até há pouco tempo atrás a Terra ainda era uma bolacha?
E mais, se há espíritos ou consciências, como queira, mais avançadas umas que as outras – eu também acredito nisso – então há faixas etárias diferentes. E se há comunicação entre essas idades existênciais diferentes, então o Tempo não é linear. Com Big-Bang e tudo o mais, inclusive os limites externo e interno deste universo e de todos os outros que podem existir. Isso quer dizer que o Tempo é estrutural. Ou seja, O Princípio se confunde com o Fim.
E olha aí São João, no Apocalipse… "Eu sou o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim".
E ainda mais incrível que desde Moisés, imaginar, fazer imagens de Deus, já era considerado um erro. Até mencionar Seu nome era proibido.
Esse Tabu é fascinante…
@Benjamin, discordo que a "fé no transcendente" seja o elemento comum a todas as religiões. Talvez a crença (que é diferente de fé, palavra que pode, inclusive, ter vários significados) no transcendente esteja presente no conteúdo da maior parte das religiões.
A "busca por um estado de graça" já é outra coisa, e pode estar totalmente desvinculada de uma "fé no transcendente". Há hedonistas que buscam o estado de graça no prazer corporal.
Penso que o que dá o caráter religioso a alguma coisa é o sentimento de pertencimento a algo maior, a uma verdade que transcende (!) os indivíduos de um grupo. Uma plateia num jogo de futebol é uma multidão ligada religiosamente entre si através da torcida pelo time. O time pode ser entendido como algo transcendente, e o sentimento do grupo em relação a ele pode até ser entendido como fé. Mas há uma diferença significativa desse fenômeno religioso em relação, por exemplo, à prática religiosa budista. A torcida de um time não é uma religião.
A Ciência pode ser caracterizada como religiosa em alguns aspectos, como a busca pela aproximação à realidade, empreendida por todos os cientistas das mais diversas áreas. Mas não acho que haja aí algo análogo à fé e, apesar de tudo, a Ciência não é uma religião.
A propósito, este post não é sobre religião, mas sobre Deus/teísmo/ateísmo etc. O tema religião é bem mais abrangente…
A coincidência da ordem da Criação com o que a Ciência diz, ao meu ver, é muito controversa. Seria preciso entender o idioma original em que foi escrito o Gênese para evitar mal-entendidos. Porém, ficando na versão portuguesa, o que temos?
Primeiro, "os céus e a terra". Os "céus" podem ser interpretados como o Cosmos, que surgiu antes da Terra… mas pode também estar nomeando o lugar em que Deus vive, que ele criou para si. Ou pode dizer respeito ao firmamento; afinal, o céu só existe para quem olha a partir da Terra.
Depois, o Gênese fala em trevas, abismo e águas, mas não diz em que ordem foram criados nem se o foram ou se já estavam ali antes. De qualquer forma, a luz vem depois disso, para iluminar a Terra. Só que a luz do Sol, segundo a Ciência, já existia antes de existir a Terra.
Então ele separa as águas que já estavam ali. As águas, segundo a Ciência, surgem depois da luz (Sol), num processo de resfriamento em que a Terra vai ficando sólida.
Aí Deus cria os Céus de novo… Bem, seria interessante fazermos um debate para ver se essa questão tem solução ou não.
Sobre essa comunicação com outros tempos, passado ou futuro, para mim isso entra na mateologia. Considero que as previsões ou precognições podem ser explicadas por uma hiperacuidade da consciência, que consegue, baseada em todas as variáveis que consegue juntar, prever. Mas é uma aproximação que pode às vezes falhar. Portanto, ainda acho que essa história de tempo circular está, em vários aspectos, no campo da especulação mitológica.
Os tabus sobre as divindades sempre existem, pois elas estão no âmbito do sagrado, e os humanos estão no âmbito do profano. A comunicação entre esses dois âmbitos é sempre considerada perigosa, arriscada e precisa ser feita com muito ritual e cerimônia…