Semelhanças entre Star Wars e Indiana Jones
As duas obras cinematográficas mais bem-sucedidas de George Lucas são provavelmente as séries de filmes Guerra nas Estrelas e Indiana Jones. É notório entre os fãs de ambas as séries que há várias referências de Guerra… nos filmes de Indiana…, como a aparição de R2-D2 e C3P0 como hieróglifos e o Clube Obi Wan.
Mas há várias semelhanças nas narrativas, nos personagens e nas cenas que podem não ter sido intencionais e provavelmente se tratam da marca do criador, elementos da imaginação de George Lucas que se repetem e dizem mais sobre o autor do que sobre a obra. Essas recorrências podem ainda nos dizer muito sobre os elementos indispensáveis para o sucesso e a longevidade de um filme de aventura.
Eis uma relação de algumas semelhanças entre as duas séries, bem como a provável razão porque estão presentes em filmes de aventura bem-sucedidos. Os filmes referenciados são:
- Guerra nas Estrelas – Episódio IV: Uma Nova Esperança
- Guerra nas Estrelas – Episódio V: O Império Contra-ataca
- Guerra nas Estrelas – Episódio VI: O Retorno de Jedi
- Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida
- Indiana Jones e o Templo da Perdição
- Indiana Jones e a Última Cruzada
Harrison Ford
George Lucas escolheu Harrison Ford tanto para o papel de Han Solo, um dos coadjuvantes mais importantes em Guerra nas Estrelas, e para Indiana Jones, o protagonista dos filmes homônimos.
Tanto Han Solo quanto Indiana Jones são epítomes do arquétipo do aventureiro, e Ford incorpora muito bem o intrépido viajante em busca de tesouros e aventura.
Por que dá certo? Harrison Ford consegue interpretar um personagem ao mesmo tempo audacioso e extremamente fleumático, que enfrenta as situações mais tensas sem hesitar. Grande parte dos homens se identificacom um ideal de masculinidade e muitas mulheres se encantam. E o intrépido viajante que há dentro de todos nós encontra uma ressonância.
Troca de tiros num bar
Na primeira aparição de Han Solo em Guerra nas Estrelas, ele topa com o caçador de recompensas Greedo e é obrigado a se sentar numa das mesas da cantina de Mos Eisley e trocar uma rápida sucessão de tiros.
Na primeira cena de O Templo da Perdição, Indiana está num restaurante em Xangai, em busca de um diamante. Sentado à mesa do chinês Lao e seus dois capangas, há um tenso trecho em que um amigo de Indiana aponta uma arma escondida, ameaçando os chineses. Em seguida, o barulho de garrafas de champanhe se abrindo abafa o tiro que mata o assistente de Indiana.
Por que dá certo? Essas cenas criam uma tensão que deixa o espectador na iminência da possibilidade de uma reviravolta na trama. Estão todos sentados, o que a princípio significaria que estão todos relaxados, mas a tensão cria um paradoxo, uma leve perplexidade que traz incerteza. A mesa, símbolo da confraternização, se torna palco de um festim de sangue.
Vilões imperialistas militaristas
Os principal antagonista em Guerra nas Estrelas é o Império Galático. Os oficiais do Império são claramente uma referência aos oficiais nazistas, com uniformes e postura muito parecidos com os dos militares da Alemanha do 3º Reich.
Não por acaso, os maiores inimigos de Indiana Jones são os nazistas, que estão sempre atrás das relíquias buscadas pelo Dr. Jones.
Por que dá certo? A mentalidade moderna rechaçou o imperialismo militarista e ditatorial representado pelo Nazismo, pelo Fascismo e pelos regimes socialistas. Um vilão que traga ameaça à liberdade, seja dos povos de uma ex-República Galática, seja ao desenvolvimento da ciência arqueológica, provoca a hostilidade de quase todos os espectadores e a automática simpatia pelos que lutam contra ele.
Disfarce entre os vilões
Luke Skywalker e Han Solo, ao tentar resgatar a Princesa Leia, se infiltram na Estrela da Morte disfarçados de stormtroopers, os soldados de infantaria do Império, para chegar até a cela onde está presa Leia.
Em A Última Cruzada, Indiana vai em busca do diário de seu pai, que está nas mãos dos nazistas. Ele precisa se vestir em uniforme nazista para se infiltrar, e acaba topando com o próprio Führer, Adolf Hitler. Ficamos esperando que ele será desmascarado e perderá o diário que está em suas mãos, mas Hitler pega o livro e o autografa. Ufa! O diário acaba ficando ainda mais valioso.
Por que dá certo? Uma cena em que os heróis mergulham na fortaleza inimiga, arriscando-se a ser descobertos a qualquer momento, cria uma tensão que prende o espectador na frente da tela. É uma cena tão clichê… mas, quando bem feita, provoca suspense.
O piloto e o artilheiro
Quando estão fugindo da Estrela da Morte, Han, Luke e cia. embarcam na Millenium Falcon e escapam, mas são perseguidos. Luke assume a artilharia da Falcon, pilotada por Han, para se livrar das naves imperiais em seu encalço.
Em A Última Cruzada, há uma referência a esta cena, em que Indiana e Henry Jones sobem num aeroplano para fugir de seus perseguidores. Indiana assume a cadeira do piloto enquanto seu pai, no assento posterior, pega a metralhadora para repelir os nazistas. Jones pai acaba destroçando o leme do próprio veículo…
Por que dá certo? São cenas típicas de perseguição que acrescentam animação à história. E é quase indispensável que numa história de aventura haja pelo menos uma cena de perseguição. Além disso, temos o acréscimo de haver dois personagens trabalhando em conjunto para fugir dos perseguidores, um encarregado da pilotagem e outro do armamento. A resolução depende da boa sintonia entre os dois, o que Han e Luke, que mal se conhecem, conseguem com êxito, enquanto os Jones, pai e filho, falham.
Batalhas contra veículos encouraçados
Ao longo da trilogia Guerra nas Estrelas, o Império se utiliza de armamentos gigantescos, como os Destróieres Imperiais, os AT-ATs, que parecem quadrúpedes imensos de metal, e a própria Estrela da Morte, que destrói planetas. Os rebeldes não têm mais do que pequenas naves ou pistolas e rifles laser. Tanto na batalha do planeta Hoth, em O Império Contra-ataca, quanto na batalha na lua de Endor, em O Retorno de Jedi, os rebeldes são como Davis enfrentando Golias.
Os tanques nazistas que Indiana Jones e seu pai enfrentam lembram os grandes AT-ATs blindados ou os AT-RTs bípedes que os pequenos ewoks de Endor derrubam com fundas e toras de madeira.
Por que dá certo? É emocionante ver heróis lutando contra uma força muito maior do que eles e usando a astúcia para derrotar o poder dominador. Os grandes monstros de metal que os na’vi enfrentam em Avatar pertencem a este mesmo tema, assim como os 300 espartanos liderados por Leônidas em 300 de Esparta, de Frank Miller, que enfrentam um exército persa muito maior e com muito mais armadura.
Vira-casaca que se arrepende
Desde sua primeira aparição em O Império Contra-ataca, Lando Calrissian provoca uma impressão ambígua. Única esperança de Han Solo para fugir do Império, não sabemos se podemos confiar nele. Primeiro, ele acolhe Han, Leia e Chewbacca, demonstrando hospitalidade e oferecendo socorro. Depois, ele os entrega a Darth Vader para enfim se arrepender da traição e se tornar um dos maiores aliados da Aliança Rebelde.
Dra. Elsa Schneider ajuda Indiana Jones e seu pai na busca pelas pistas para encontrar o Santa Graal, para depois entregá-los aos seus colegas nazistas. Mais tarde, ela muda sua intenção, renegando os interesses dos nazistas e tentando retomar a confiança dos Jones.
Por que dá certo? Em situações de perigo, busca e incerteza, os heróis precisam contar com alguém que tenha meios e recursos extras. Mas nem sempre se pode confiar em todo mundo. É esse um dos elementos que tornam O Clã das Adagas Voadoras, para citar outro exemplo, tão instigante e envolvente.
Além disso, quando tanto os traídos quanto os traidores se deparam com uma ameaça maior a ambos, eles tendem a juntar forças. A solidariedade diante das adversidades nos toca.
A salvação do pai
A missão de Luke Skywalker em O Retorno de Jedi deveria ser matar Darth Vader. Quando aquele descobre que este é seu pai, ele deliberadamente muda de ideia e enfrenta seu antagonista com a intenção de salvá-lo do lado sombrio da Força. Uma das cenas memoráveis deste filme é quando Luke dialoga com seu pai moribundo, cujo verdadeiro nome é Anakin:
ANAKIN (muito fraco)
Agora… vá, meu filho. Deixe-me.LUKE
Não. Você vem comigo. Não posso deixá-lo aqui. Tenho que salvá-lo.ANAKIN
Você já me salvou, Luke. Você estava certo sobre mim. Diga a sua irmã… que você estava certo.
Numa posição semelhante, Indiana traz até seu pai ferido um pouco de água no Santo Graal, com que cura um ferimento de bala. A cura física da ferida é apenas uma metáfora de uma situação em que pais e filho, depois de tantos anos de desentendimento, finalmente se entendem.
Por que dá certo? O conflito entre pai e filho, segundo Sigmund Freud, que batizou esse conflito de Complexo de Édipo, está na base da maioria das neuroses e é inclusive uma realidade psíquica que move a maioria das pessoas, estando geralmente relacionado, para falar em termos mais generalistas, a um conflito entre os impulsos naturais e a autoridade repressora. Resolver esse conflito na forma de um encarar de frente o próprio pai e derrubar a tradição segundo a qual existe uma hierarquia absoluta em que pai (ou a Lei, o Estado, Deus etc.) precede o filho mexe com todos nós. Quando Luke se salva do conflito com o pai, ele também salva Anakin. Quando Indiana se livra do constrangimento do pai, este também se liberta, e podemos ver este diálogo no final de A Última Cruzada:
INDY
O que você encontrou, pai?HENRY
Eu?… Iluminação.
Considerações finais
Não busquei fazer aqui uma relação dos easter eggs de Guerra nas Estrelas presentes em Indiana Jones. Uma relação dessas referências/homenagens pode ser vista neste link.
Aqui procurei relacionar referências (provavelmente) não intencionais, temas presentes nas boas histórias de aventura. O fato de ambas as sagas terem sido concebidas pelo mesmo George Lucas só facilita essa identificação. Mas se analisarmos bem qualquer grande aventura, poderemos encontrar a maior parte dos itens que relacionei neste texto.
9 comments
Adoro todos os filmes da trilogia antiga de Star Wars e todos os da série Indiana Jones, incluindo o recém lançado "Indiana Jones e a Caveira de Cristal". Realmente, as referências são inegáveis entre tais filmes, sendo que várias cenas possuem até mesmo um aspecto gráfico semelhante, como a posição das câmeras e dos atores na redenção de Darth Vader e na reconciliação entre Jones Sênior e Júnior, rs. Seria, realmente, um produto acidental da genialidade do George Lucas? Talvez.
Mas a sagacidade do Sr. Lucas está representada no primeiro item de comparação que citaste: Harrison Ford. Esse cara fez toda a diferença, absolutamente!
Abraço!
Ainda me falta ver O Reino da Caveira de Cristal, mas o verei em breve, espero…
Pois é, @Joey, há muitas semelhanças de câmeras e posições, e nem citei tudo o que pretendia. Há uma cena em A Última Cruzada em que Indiana está olhando com binóculos os nazistas, que estão num vale num deserto, o que lembra demais a cena em que Luke está espiando o Povo da Areia no deserto de Tatooine, em busca de R2-D2.
Sem falar da perseguição dos speeders na floresta de Endor, em O Retorno de Jedi, que ressoa em A Última Cruzada, em que há uma perseguição de motocicletas.
E a armadilha do lixão em Uma Nova Esperança, em que Luke e cia. quase viram panqueca e são salvos por R2-D2, parecida com a cena da armadilha em O Templo da Perdição, em que Indiana e seu sidekick quase não são salvos por Willie Scott?
É, Harrison Ford fez muita diferença. Ele inclusive teve um papel importante não só na atuação mas na escolha e treinamento do elenco de Guerra nas Estrelas. É o ator hollywoodiano que melhor representa o papel do aventureiro. Sem este, como ter uma aventura?
Ainda bem que meu amigo me deu ouvidos e veio, finalmente, falar de bons filmes, ré, ré (entendi sua resposta ao meu comentário, mas, ainda assim, ainda acho que você deu muito espaço para "temas conexos" de um filme tão fraco… E não se preocupe: o "Cruzado de Capa" aqui – adorei essa! – discorrerá sobre o Oscar na próxima postagem do dia 8), eis dois clássicos absolutos do Novo Cinema Pop (anos 70/80), que renovaram a Indústria do entretenimento com estilos próprios e inconfundíveis: tanto Lucas quanto Spielberg pareceram se perder com o tempo e com as montanhas de dinheiro que acumularam, mas esses dois trabalhos sempre serão dignos de figurar entre os melhores filmes de todos os tempos! Legais essas comparações, divertidas mesmo (algumas nem havia reparado antes!)! Abração! E faça suas apostas pra aquela festa pobre que os homens marcaram pra me convencer de que ali estão os melhores filmes… Blargh!
@Dilberto, também há muita coisa que se pode falar desses 6 filmes. Taí uma ideia boa, escrever uma resenha para cada um (já tinha pensado nisso – e no trabalhão que vai dar… mas poderá valer a pena).
Mas, antes de escrever sobre Uma Nova Esperança, tenho que descobrir se realmente Han atirou primeiro…
(Talvez aqui não seja o melhor lugar para eu fazer isso, mas tudo bem…)
Thiago, muito obrigado pelo seu comentário no meu blog, referente ao episódio #15 do ZortCast. Espero que você tenha curtido e que continue a fazê-lo, rs! 🙂
Abraço!
A música principal dos dois filmes também são bastante marcantes 🙂
Não é à toa, @AmBAr, que o mesmo John Williams fez as trilhas sonoras de ambas as séries. O cara é uma das feras da trilha sonora de Hollywood. 🙂
Ré, ré: no original "Uma Nova Esperança" Han atira primeiro, mostrando, de cara, a que veio o personagem; na "encheção de efeitos" da saga remasterizada, Lucas, mais politicamente correto, inventou um tirinho mal feito por parte do Greedo em primeiro, para "justificar" a "vilania" do Han… Besteira!
A sacada era justamente mostrar que Han Solo era um malandro sem nenhuma honra e que ele poderia se tornar um herói. E ao longo da saga ele vai se transformando aos poucos. Mas do jeito que ficou é como se ele fosse bonzinho desde o início…