Carta ao poeta sem nome

Natal, 20 de agosto de 2012

Parecem formigas em dia de chuva. Marcham equilibrados no rastro forjado pela modernidade. Um ter que ir e vir. Um ter que levar e trazer. Um ter. Multidão de olhares paralelos negando o cruzamento no infinito. Homens-horizonte, grudados ao chão. Então, você.

Você surge na perpendicular. Pendular. Movimento constante entre o tudo e o nada. Entre o certo e o errado. Entre o ser e o devir. Salta e livra-se da cartografia. Projétil lançado ao infinito. Saco plástico em queda livre colore de transparente o azul. Rouba-lhe o equilíbrio. Então, eu.

Eu vértice. Nós dois, triângulos no chão. Meus braços devolvem o movimento estático de sua contemplação. O plástico inerte. Pares de olhos alforriados da agonia encontram-se. Você sorriso, eu mão. Num quase aceno.

Nós dois, soluços reprimidos. Desejos de materna eternidade. Entre o tudo e o nada, entre o certo e o errado, entre o ser e o devir: palavras. Escritas. Meu endereço. O tempo mancomunado com a distância trouxe você tarde demais. Estou longe para me tornar verdade.

O desenho do caracol enrolado, estacionado fora da carapaça, não entendo. Esperava palavras… Fico sem resposta. Outro envelope e o silêncio. Sem voz permaneço e finalmente elas. Parcas.

As que nomeiam destinatário e remetente. Desfeito o envelope, palavra solitária pede sentido. No papel manchado de linhas, impera único termo: poesia. Sibila na memória a imagem do som. Surge a vontade de lançar a língua nos dentes e viver livre das estruturas. P… O… E… S… I… A…

O som atravessa minha cabeça, equilibrado num fio armado entre as orelhas. A voz da leitura perfura a concha acústica direita, percorre o miolo ganhando sentido. Ao chegar à concha oposta, salta. Do lado de fora há luz e melodia.

Do percurso vivido, uma pergunta: no mundo chamado papel, o que veio a ser poesia? Contrariando seu peculiar minimalismo, devolvo estas linhas decoradas com letras. Se mais ou menos preenchidas de sentido, não escravize a resposta. Empreste-me.

Neste que se faz intervalo, entre o tudo e o nada, entre o certo e o errado, entre o ser e o devir, entre a minha pergunta e a sua resposta: penso. A poesia está para o silêncio. Na ausência do dito, a gente se encaixa. Engraçado. “A gente se encaixa…”. Não eu e você. A poesia (seus conjuntos vazios) e quem lê.

(…)

As linhas paralelas. É isso! (Euforia. Euforia.). As linhas paralelas na folha do caderno. (O nosso momento). Os olhares da multidão embevecidos consentem o não encontro. Descartam o cio do cruzamento. E nós dois escritos naquela página. Quebramos as regras e fomos arestas num instante. Tornamo-nos poesia concreta. Então poesia é isto? A existência sibilante sobreposta à vida plana?

Tripulante desta embarcação chamada livre interpretação, já percebo o caracol. Enrolado sobre si mesmo, longe de sua carapaça, é ponto de convergência entre os olhares. Seria o animal poeta?

No poente desta carta, descortino os fatos. Não fosse você quem é: seu caracol, seu silêncio e sua palavra seriam brincadeiras de gosto infantil? Descubro no curso do quase último parágrafo que a infância e o estar poeta possuem única e relevante coincidência, o potencial para a subversão semântica.

Um filósofo me disse, em livro lido, que a literatura existe como porvir. Estaria no plano virtual, anterior à execução da palavra. Fomos poesia até o momento. “A ponto de partir, já sei que nossos olhos sorriem na distância”.


Texto elaborado para a disciplina Poesia Brasileira Contemporânea, ministrada pela professora Tânia Lima, da Universidade Federal do RN.

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