Cotas raciais – parte 3

A raça é uma construção social. A maioria dos cientistas sociais e biólogos vão concordar com essa afirmação. Isso não quer dizer que ela não tenha efeitos nocivos sobre nós. A ideia de que existem raças baseia a discriminação racial. Mas, justamente por isso. a ideia de que uma “raça” possui aspectos intrínsecos que a diferenciam das outras deveria ser desconstruída. No entanto, há muito mais coisas a ser consideradas na discussão sobre cotas raciais…

Nesta terceira parte da Série Cotas Raciais, dou continuidade à análise dos comentários que foram deixados na primeira parte. Retomo aqui um comentário de Eduardo Prado, autor do blog Conversa de Bar, e um de AmBar Amarelo. O tema vai se complexificando ainda mais e, pessoalmente, vou ficando com grandes dúvidas sobre o posicionamento anticotas que eu costumava defender…

Comentário de Eduardo Prado

Concordo, por exemplo, que na raiz do problema está o acesso à uma educação de qualidade.

É interessante notar que a questão educacional parece ser a única unanimidade. A diferença é que os pró-cotas defendem ações emergenciais antes que a (certamente demorada) reforma educacional seja realizada, enquanto os anticotas geralmente alardeiam a imediata melhoria do ensino público, mas ninguém faz nada para mudá-lo. Neste sentido, eu tendo a concordar com cotas que atendam minorias, como forma de pressionar a implementação dessas mudanças.

Discordo, no entanto, dos que acreditam que as cotas vão servir para racializar as relações sociais no Brasil, talvez por que eu não entenda raça como uma determinação biológica. A palavra raça, que provavelmete tem origem comum a palavra raíz, é muito mais antiga que o conceito biológico de raça inventado no século XIX, talvez um pouco antes, no XVIII. Eu entendo raça como uma construção cultural e dinâmica, cujos sentidos e significados variam e se transformam ao longo do tempo. Sob o meu ponto de vista, o Brasil já é um país racializado, sempre foi.

Sim, raças são construções sociais. E, sim, existem relações raciais no Brasil, existem identidades raciais e existe racismo aqui. Mas justamente por ser uma construção social é que a raça deve ser desconstruídas, por um ideal antirracista. O racismo se baseia na ideia de que existem raças.

É claro que se pode conceber a existência de raças como meras identidades superficiais, sem que se pense em diferenças intrínsecas a elas. Como se fossem “tribos” (algo parecido com a ideia de “tribos urbanas”). Outra forma comum (embora em desuso) e com implicações bem menos sérias de se usar o termo “raça” é quando ela é sinônimo de família ou estirpe. “Fulano é da raça dos Araújo”.

Só através do reconhecimento de raças e de que as relações sociais sofrem interferência do racismo é que se poderiam criar políticas destinadas à mitigação dessa discriminação. Afinal, é preciso identificar de alguma forma quem é a população discriminada.

Eu também discordo que a implementação de cotas raciais criariam um racismo no Brasil. O racismo já existe. Mas eu tenho uma grande suspeita de que elas poderiam intensificar, em alguns contextos, o racismo já existente. Por outro lado, ao dar uma chance a pessoas que não têm condições de competir em igualdade no vestibular, abrir-se-ia a possibilidade de melhorar a vida dessas pessoas e, a longo prazo, melhorar sua autoestima, o que, por tabela, diminuiria até certo ponto o menosprezo e a subestimação dos negros, o que, por fim, diminuiria um pouco o racismo.

Mas, neste sentido, penso que seriam melhor as cotas sociais, que atuariam em cima do fator mais relevante na exclusão da Academia. O vestibular não discrimina a raça do candidato, mas a capacidade de resolver uma prova. O fato de uma pessoa ser negra não diminuiu a possibilidade de ela passar na prova, mas o fato de ela ter estudado em escola pública diminui. Mas as cotas sociais poderiam trazer um complicado dilema: será que elas 1) pressionariam o Estado a melhorar o Ensino Público ou, pelo contrário, 2) fariam o Estado relaxar nesse âmbito? Acho mais provável o primeiro caminho, e seria uma vantagem a longo prazo das cotas sociais.

Dito tudo isso, eu acho sim que poderiam haver cotas raciais em determinados contextos, mas não na Universidade. Existe racismo. Este precisa ser combatido. Mas há muitas outras formas, diretas e indiretas, de se fazer isso que não o acesso à Academia.

É comum ouvir comparações com os EUA, que teve uma história de escravidão em comum com o Brasil em muitos aspectos. Em geral compara-se a especificidade das relações “raciais” no Brasil a dos estados do Sul dos EUA, onde a discriminação contra o negro foi legal até o fim dos anso 50. São poucos os que lembram que a situação do negro nos estados do Norte, que assim como o Brasil, não conheceu leis raciais. Lá, como aqui, a discriminação se dá a partir das praticas sociais, na seleção para uma vaga de emprego, na recusa a alugar um imóvel, entre outras. Não foram as leis raciais, já que elas não existiam no Norte, que induziram a formação de bairros negros em Nova Iorque ou Boston, e sim a precária situação econômica dos negros, que os impedia de morar em bairros melhores. Nas grandes cidades brasileiras também existem bairros de negros e bairros de brancos. Só não existe a placa.

Bebedouros segregados na Carolina do Norte em 1950
Bebedouros segregados na Carolina do Norte em 1950

É preciso averiguarmos a real/atual situação brasileira, bem diferente da norte-americana. Não só pelas histórias diferentes das duas nações, mas principalmente porque não podemos generalizar o “racismo norte-americano” ou o “racismo brasileiro”. As manifestações do racismo no Brasil variam de região para região, de estado para estado, de cidade para cidade, de classe social para classe social, entre a zona urbana e a rural, e muitos outros recortes possíveis.

Provavelmente a violência simbólica e não-simbólica contra negros motivada por racismo na Bahia, onde há uma população negra muito numerosa, seja proporcionalmente menor do que no Rio Grande do Norte, onde há poucos negros, a maioria pobres da zona urbana ou agricultores da zona rural (uma minoria mesmo, no sentido político-social da palavra). E as formas como o racismo afeta as pessoas também vai variar com a região. Não posso apresentar nenhum dado específico, só estou especulando, mas penso que não estou dizendo nenhuma besteira. O fato é que, para situações diferentes de racismo, deveria haver soluções diferentes.

Quanto à comparação com os EUA, é preciso lembrar o trabalho de Bourdieu e Wacquant, “Sobre as Artimanhas da Razão Imperialista”, onde os autores apontam para a importação de modelos de ação afirmativa, de países como os EUA por países como o Brasil. Não devemos esquecer isso, para construirmos políticas antirracistas que se adéquem a nossa realidade.

Muitas pessoas defendem a adoção de cotas sociais, com toda razão, mas as cotas para quem se declara negro ou indígena tem um significado diferente. Não deixa de ser social, evidentemente, mas tem por objetivo acelerar a ascenção de mais brasileiros negros à classe média e a formação de negros em áreas onde sua presença é muito pequena ou quase insignificante, como a Medicina, a Engenharia, e tantas outras. O que aqueles que defendem as cotas pretendem é que o Brasil tenha uma classe média tão “colorida” como suas ruas. Claro que só garantir o acesso à Universidade não basta, é preciso dar condições para que o aluno continue no curso até o fim. Para isso, aprovar ajuda financeira ao estudante com dificuldades para se manter é fundamental.

Um outro problema que vejo na “colorização” das classes mais favorecidas é que ela se faz numa perspectiva que não critica a própria estrutura de poder de nossa sociedade. Há uma estrutura social, econômica, cultural e política baseada na desigualdade de grupos (sociais, raciais, seja lá o que for, o fato é que há desigualdade), e as cotas não atuam na mitigação ou erradicação dessa desigualdade, mas a mantém, só mudando a composição de cada grupo. (Não adianta colocar um mendigo no trono do príncipe; a monarquia continua existindo.)

Mas as cotas, embora mantenham a ordem social vigente, poderiam ter resultados positivos a longo prazo. Como disse acima, o menosprezo a e a baixa autoestima dos negros e pobres poderiam diminuir e os preconceitos raciais e/ou sociais também diminuiriam.

No entanto, repetindo o que disse acima, a “raça” não dificulta a entrada de alguém na Universidade, o que dificulta é sua formação. Se devemos dar uma chance a um grupo, deveria ser aos pobres que frequentam a escola pública. Acho que seria negativo criar uma situação tal em que seja possível a um branco pobre que conseguiu, por esforço próprio, tirar uma ótima nota perder a vaga para um negro rico que não estudou e tirou uma nota medíocre.

Quanto ao ensino público brasileiro, bem, é uma tragédia. Apesar das melhorias significativas apontadas pelos índices do MEC em quase todos níveis, ele vai precisar melhorar muito, mas muito mesmo, para ser considerado ruim. É lembrar que só recentemente alcançamos a universalização do acesso ao Ensino Fundamental. Hoje, segundo estatisticas do MEC, 97% das crianças dentre 6 e 12 anos estão na escola. Mas esses números não são motivo de comemoração. Metade dos estudantes brasileitos deixa a escola antes de terminar o 9º ano do Ensino Fundamental (antiga 8ª série), e só uma minoria,entre 20% e 30% conclue o Ensino Médio. Estes são os privilegiados, que apesar das dificuldades, da precariedade da escola pública (e de suas próprias condições de vida), dos professores sobrecarregados e mal pagos, podem concorrer a uma vaga no Ensino Supeior. Se a realidade fosse outra não precisaríamos estar aqui discutindo sobre cotas.

Criança sergipana trabalhando (www.jornaldacidade.net/)
Criança sergipana trabalhando (www.jornaldacidade.net/)

Pois é, ainda há muito o que melhorar. E é necessário sanar o problema da impermanência na escola, para que mais e mais crianças pobres, negras, indígenas, ciganas etc. tenham mais chances de chegar à Universidade… agora estou me dando conta de um outro problema relacionado ao acesso à Universidade: boa parte das crianças negras/pobres nem chegam a fazer o vestibular, pois nem chegam ao final do segundo grau.

Um fato que pouco se discute é que a formação fundamental formal não é um índice totalmente confiável da vocação acadêmica. Há muitos graduandos que, embora tenham tirado boas notas no vestibular, são universitários medíocres. E há aqueles que não têm condições de resolver a prova do vestibular com eficácia mas, tendo a chance, se mostram excelentes acadêmicos. Esse é um tema que devo retomar em outro post.

Esse é um tema que não se esgota. Na verdade, teria muito ainda pra escrever, mas já precisei cortar várias partes desse comentário para deixá-lo um pouco menor.

Sem problema. Sempre haverá oportunidades para pincelarmos alguma coisa sobre esse extenso tema.

Comentário de AmBar Amarelo

Thiago, sou CONTRA as cotas RACIAIS, e vou além: sou contra a identidade racial no Brasil (que não seja a brasileira).

Também sou contra a manutenção das identidades raciais. O ideal antirracista que eu defendo é a ideia de que só existe uma identidade humana. Neste sentido, vou ainda mais além de você, pois uma “identidade brasileira” não deixa de ser um tipo de identidade racial. Ainda neste caminho, sou favorável a um cosmopolitismo e um antiufanismo.

Gostaria de adicionar a discussão (por mais lenha na fogueira) que a própria idéia de “LIBERDADE-ANTE-ESCRAVISTA” é Européia (corrija-me se eu estiver errado). Tanto Europeus quanto Africanos possuíam seus próprios escravos. Porém estudos sugerem que até nos Quilombos havia escravidão entre Africanos de diferentes etnias.

Não que o senso de LIBERDADE , IGUALDADE e FRATERNIDADE seja exclusivamente europeu. Qualquer um que esteja preso terá senso de liberdade. Porém quem implantou isso no mundo foram eles!

Já que me pediu para corrigi-lo, o correto é antiescravista :P. Sim, os europeus impuseram, motivados por seus próprios interesses mercantis, o fim da comercialização de pessoas e, por tabela, o fim da escravidão. Mas isso não foi necessariamente inspirado por ideais humanistas (liberdade, igualdade, fraternidade).

Os negros ainda foram durante muito tempo considerados inferiores e com menos direitos do que os brancos (ainda há pessoas que pensam assim, nos EUA, no Brasil e muitos outros países da América). Embora estes não pudessem mais transformar aqueles em mercadorias, continuavam tendo que “aturar” sua presença.

Se hoje consideramos a escravidão como algo brutal é porque os europeus impuseram isso ao mundo (não que no desenrolar a História outra civilização não pudesse fazer isso).

Amistad (1997), de Steven Spielberg
Amistad (1997), de Steven Spielberg

Dito isso, eu pergunto: e daí se foram os europeus que impuseram o antiescravismo? Por que lembrar isso com tanta ênfase? Por que insistir em que os africanos praticavam escravidão? Por que lembrar que os quilombolas tinham escravos?

Talvez se faça isso para relativizar a acusação de que os brancos são sempre algozes e de que os negros são sempre vítimas (o que fiz na primeira parte deste texto). Mas daí eu também me pergunto: isso é tão relevante assim? Dar crédito aos brancos que desenvolveram os ideais humanistas não diminui a gravidade da escravidão de negros por brancos. Lembrar que os negros tinham escravos não diminui o sofrimento sofrido por aqueles que estiveram no cativeiro.

Enfim, essas informações só são importantes para compreendermos como se deu a História humana e para evitarmos os erros cometidos no passado. Mas o importante em relação ao racismo na atualidade é entendermos como se dão hoje as relações raciais, de preconceito étnico, de desigualdade social etc. Procurarmos formas de resolver essas desigualdades entre os seres humanos contemporâneos. Afinal, há brancos pobres que descendem de famílias nobres e não sofrem menos por causa dessa ascendência. E há negros ricos que descendem de escravos e não necessitam de ações afirmativas para viver na liberdade de seus direitos.

Quanto ao fato das relações sexuais que desencadearam a miscigenação: Será que foram apenas estupros? Então todos os mestiços do Pará são frutos de índios estuprados? CLARO QUE NÃO!

Lembremos de um ditado popular: “A pobreza aproxima as pessoas”. Agora imagine um sertanejo “português” esquecido nos desertos do nordeste, junto a ele uma negra “africana” compartilha de seu sofrimento (FOME, SEDE). Ambos não podem se apaixonar?

A grande pergunta: TODA MESTIÇAGEM BRASILEIRA FOI FRUTO DA VIOLÊNCIA?

É difícil de crer.

Você tem toda razão, AmBar. A mestiçagem não foi fruto só da violência. Aliás, duvido que a maior parte dela tenha sido gerada por meios violentos. É um exagero dizer que toda a mistura se deu pela violência sexual dos colonizadores sobre as colonizadas e escravizadas, e é exagero afirmar que as relações entre senhores brancos e escravas negras era, em larga escala, consensual.

As cotas sociais teriam o mesmo impacto positivo que as raciais, com a vantagem de não promover a identidade racial, que, ao meu ver, é um negro se achar africano e um branco se achar europeu.

Eu discordo em alguns pontos. Como expus acima, penso atualmente que as cotas sociais seriam mais vantajosas do que as raciais no acesso à Universidade.

Quanto à identidade racial, ela não se dá necessariamente com a assunção de uma identidade africana ou europeia. As identidades raciais já existem sem essas referências geográficas de origem ancestral. É só olharmos ao nosso redor e percebermos com que facilidade nós identificamos os brasileiros como “negro”, “branco”, “japa”, “alemão”, simplesmente em referência ao fenótipo e sem nem pensar em quem eram seus ancestrais  de além-mar. É uma identidade racial que muitas vezes pode não ter grandes implicações. Às vezes pode.

Repetindo o que eu disse acima, tenho um ideal cosmopolita. Ser brasileiro não é mais importante do que ser alemão ou nigeriano ou coreano ou argentino. Seres humanos não têm raízes (e nem deveriam se dividir em raças, Eduardo). Se alguém quer se considerar “africano de alma” ou “europeu de coração”, por afinidade, acho que ela tem total liberdade.

Mas (e nisso concordo em certo sentido com AmBar) a intenção de se impor uma identidade em termos de uma origem extracontinental (o que se reflete em expressões como afro-brasileiro, ítalo-brasileiro, nipo-brasileiro etc.) é justamente uma violação da liberdade individual de cada um escolher sua própria identidade, baseada em suas próprias experiências e afinidades particulares.

Quanto a dívida histórica eu pergunto: Mostrem-me os culpados!!

Negrinho da beija-flor é 80% europeu!!!! ele é 80% CULPADO!!

Todos os mestiços brancos são culpados? então a culpa é um fator aleatório.

Como já disse na primeira parte, procurar culpados é uma tarefa improfícua e irracional. Precisamos superar a mentalidade antiquada de justiça, segundo a qual uma compensação para alguém tem que implicar necessariamente na privação de outro. Acho que é possível para o Brasil conceder compensações sem precisar prejudicar alguém. Há recursos suficientes para promover uma revolução da sociedade brasileira, mas… o dinheiro se concentra nas mãos de quem governa, de quem trabalha para manter seus exorbitantes salários e, se possível, aumentá-los.

Devemos buscar o ideal de um país onde a mistura seja algo positivo e a negação à mistura seja algo terrivelmente negativo. E para que isso ocorra devemos acabar com essa mentira de identidade racial em um país mestiço.

O ideal da identidade mestiça contém um paradoxo: a mistura pressupõe que há pelo menos duas coisas diferentes que deram origem a um híbrido, ou seja, se baseia na pré-noção de que há raças e de que o mestiço é uma interseção dessas raças. O ideal que defendo é a desconstrução de qualquer conceito de raça. Portanto, acho que ainda é limitado o ideal mestiço.

Assumir a mistura e viver segundo a ideia de que somos todos mestiços seria bem melhor do que vivermos sob a égide da segregação identitária. Mas acho que seria ainda mais evoluído considerarmos que não existe mistura por que não existe diferença. Um humano de pele escura e uma humana de pele clara dão origem a um humano.

Todos os indivíduos humanos são mestiços porque são resultado do cruzamento entre dois indivíduos, e nenhum indivíduo é igual a outro. Cada um de nós é uma raça, o que nos torna todos iguais.

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18 comments

  • Resposta de Thiago Leite a AmBar Amarelo

    Também sou contra a manutenção das identidades raciais. O ideal antirracista que eu defendo é a ideia de que só existe uma identidade humana. Neste sentido, vou ainda mais além de você, pois uma “identidade brasileira” não deixa de ser um tipo de identidade racial. Ainda neste caminho, sou favorável a um cosmopolitismo e um antiufanismo.

    Pera lá, colega. Esta posição sua está meio esquisita e eu me proponho a polemizar um pouco em cima dela.
    Primeiro, porque cargas d'água para se combater o racismo é preciso acabar com as identidades raciais e forçar a criação de uma dita "identidade brasileira". Isto está me parecendo um pouco com o velho sonho autoritário da construção/imposição de uma identidade hegemônica. Isto já foi tentado em vários momentos da história, com resultados deveras desastrosos.
    Segundo, a capacidade de sermos diversos sem deixarmos de sermos uno é uma das mais fortes características humanas. Dai que o direito à diversidade, inclusive a racial (mesmo que este seja um construto social – e qual forma de identidade não é?) é inalienável.
    Terceiro, que o problema do racismo não pode estar, em si, na existência de identidades raciais, pois é muito mais profundo do que isto. Ou seja, propor acabar com a identidade racial para combater o racismo é o mesmo que propor acabar com as diferenças religiosas para combater a discriminação religiosa ou propor acabar com os times de futebol para acabar com as brigas de torcidas.
    Em suma, muito embora faça parte do problema, a tendência humana à diversidade não é a culpada pela existência em nossa espécie de inúmeras formas de fobias ao diferente.

    Grande abraço e parabéns pelo Blog.
    Roberto Almeida

  • ERRATA
    Onde se le: acabar com as identidades raciais e forçar a criação de uma dita “identidade brasileira”.
    Leia-se: acabar com as identidades raciais e forçar a criação de uma dita “identidade brasileira” ou mesmo "cosmopolita".

  • Acabei de assistir no Canal Brasil um documentário chamado: "Preto e Branco" de Carlos Nader.
    Ele basicamente discute sobre as mesmas coisas que estamos debatendo aqui.
    Vale muito a pena assistir.

  • Thiago, É extremamente relevante lembrar que durante o processo de escravidão ocorrido nas Américas vários povos negros também participaram capturando e vendendo tribos rivais. É importante para desconstruir a idéia simplista de que o Branco é o único culpado e o Negro apenas foi vítima.

    Isso é relevante porque no discurso de alguns dos pró-cotas (principalmente ligados ao movimento negro) existe um certo desejo de vingança.
    É importante lembrarmos que o racismo existe na África até hoje! e enquanto houver identidade racial haverá racismo.

  • @Roberto,

    Não é um tema simples, e a quantidade de ideias que se mobilizam acabaram me fazendo entrar em contradição.

    Realmente, há um paradoxo: por um lado, existem as diferenças entre grupos e entre indivíduos. Por outro, existe a necessidade de Direitos Humanos universais. Estes direitos só poderão ser realmente universais quando não houver mais desigualdades (que trazem a necessidade de direitos especiais), o que não significa que não haverá mais diferenças.

    A Antropologia nos ensina que existem diferenças (sociais, culturais, históricas etc.) que precisam ser compreendidas e respeitadas. E eu defendo a liberdade de qualquer grupo humano manter seu modo de vida particular (da mesma forma que o(s) grupo(s) a que pertenço quer(em) ter tal liberdade) e de qualquer indivíduo escolher para si a identidade (pessoal, étnica, racial, religiosa, política…) que achar melhor para si.

    Quando penso numa identidade humana, trata-se de um ideal muito, muito distante e que não implica em nenhuma homogeneização nem numa padronização de modos de viver e de pensar o mundo. Quando penso na extinção das "identidades raciais" não estou pensando no fim das identidades étnicas. O que penso aí é na abolição de qualquer ideia naturalizante a respeito dos grupos humanos.

    Assim como o ideal de uma identidade hegemônica, muitas identidades étnicas e raciais foram impostas por ação e classificação colonizadora, e o que temos hoje em termos de identidade racial é em grande parte resultado de uma imposição que diluiu várias diferenças…

    Sobre as diferenças religiosas… espero que um dia não existam mais religiões (enquanto houver, deixemos que cada um decida o que fazer com elas). E quanto às torcidas de futebol… acho que nesse caso é só um jogo no qual você decide apoiar um dos lados da competição (embora alguns malucos se esqueçam que é só um jogo e terminem criando uma guerra): e entre os grupos raciais, não acho que deveria haver competição…

  • Sem querer falar demais e transformar o debate em um monólogo.

    Acho que todo esse problema se resume na seguinte pergunta:
    >> É bom para o Brasil incentivar a identidade racial?

    Pois o efeito a longo prazo da política de cotas é esse. O estado está institucionalizando isso, quando temos que definir nossa raça para fazer um concurso público ou para ter acesso a algum benefício.

    Alguns pró-cotas dirão que SIM. Que o país deve ser um país ocupado por diferentes etnias que se respeitam.

    Já os anti-cotas (meu caso), dirão que NÃO. Que não existem diferentes etnias no Brasil (exceto a indígena) e que portanto fabricar tal coisa é importar um modelo norte-americano para uma realidade totalmente diferente. De fato, o negro não forma uma outra etnia no Brasil.

    Sinceramente, me permitam chutar o balde agora: Olhem para os defensores das cotas raciais! são integrantes de movimentos que querem vingança! Não existem argumentos que colocam as cotas raciais como melhor alternativa que as sociais! Esse argumento simplesmente NÃO EXISTEM!

    Se esse fosse um debate argumentativo apenas, as cotas raciais nem seriam levadas a sério. Porém este é um debate acima de tudo POLÍTICO.
    Existem grupos com desejo de vingança e que encontraram voz no atual governo sedento por medidas populistas.

    Existe racismo no Brasil, a pobreza tem cor, mas a identidade racial, a vingança, a competição entre diferentes etnias, que lutam para dividir o país em partes iguais, não é a solução!
    A solução, caros amigos, é destruir totalmente o conceito de etnia neste país e encarar o próximo como um irmão! Vamos nos misturar, nos miscigenar e parar de nos preocupar se nossos filhos serão negros ou branco!
    Somos um único povo, o povo brasileiro.

  • Thiago,

    Esses trechos que você recortou dos meus comentários resumem bem aquilo que eu penso a respeito da cotas, mas sem dúvida esse tema ainda dá muito pano pra manga.

    Sou a favor de cortas raciais nas universidades e até mesmo para alguns cargos públicos como juízes e delegados. Não penso que essa política vá dividir o país, como já disse, o Brasil já está dividido. Basta ver que a idéia de uma discriminação positiva provoca mais indignação que a discriminação negativa hoje existente. A própria idéia de cotas no Brasil parte do princípio de que se trata de uma politica promotora da igualdade e não o contrário. Outro ponto importante é que as cotas serão temporarias, deixando de serem necessarias quando as oportunidades de acesso foram igualadas. E isso vai depender de políticas educacionais eficientes.

    AmBar Amarelo, Só para variar, permita discordar de você mais uma vez.

    As primeiras propostas de cotas raciais em universidades públicas brasileiras partiram do governo Fernando Henrique e não do governo atual, como você pensa. Nisso ele foi coerente com o trabalho intelectual produzido por ele, um sociólogo e pesquisador dedicado ao estudo das relações raciais no Brasil.

    Quanto ao comercio de escravos ter sido abastecido por africanos, acho isso irrelevante para essa discussão. A escrevização de seres humanos fui comum a todos os continente e a todas as épocas, existindo ainda hoje, inclusive no Brasil. Durante a Idade Média os europeus se abasteciam de escravos eslavos – vem daí a palavra escravo, do italiano eschiavo _ em mercados arabes, geralmente capturados nas guerras entre os Turko Otomanos e o Império Bizantino. Fio só quando a Igreja proibiu a escravização de cristãos, em 1454, que os europeus passaram a comprar negros pagãos, dos árabes ainda, mas também de portugueses que já se lançavam ao mar com o objetivo, entre outros, de adquirir escravos para revendê-los na Europa.

    Outra coisa, essa sim bastante relevantem, é que a escravidão praticada na África tinha uma natureza completamente diferente da praticada na América, até pela sua dimensão econômica. Só a inexistência de um componente racial (tanto senhor quando escravo eram negros) já demonstra a diferença. Uma história bastante conhecido é a da grande seca que se abateu sobre Angola no século XVIII. Para fugir da fome milhares de angolanos se entregaram como escravos para serem trazidos ao Brail, pois na sociedade em que viviam um senhor tinha a obrigação de alimentar seus escravos assim como alimentava toda a família. pensaram que teriam o mesmo tratamento dispensados aos escravos na África e acabaram presos a uma realidade muito diferente. Alguns poucos, mais instruídos, conseguiram apelar ao rei e conseguiram de volta a sua lilerdade, mas a maioria continuou escrava no Brasil.

    Quanto aos culpados, bem vamos a eles. No dia 29 de Abril último, o Congresso Brasileiro arquivou, por decisão do presidente da CPL, o deputado Paulo Pimenta, do PT, uma proposta de lei de iniciativa popular de autoria da Associação Eduardo Banks, que pretendia, nada mais nada menos, revogar a lei Aurea. Esses nobres brasileiros não pretendiam a volta da escravidão, mas receber, HOJE, a justa indenização que o Estado Brasileiros estaria devendo aos descendentes dos donos dos escravos expropriados com a Lei Aurea. "Os autores indagam o que ocorreria hoje se, em nome de defender os direitos dos animais, fosse aprovada lei para a "libertação" de todo o gado, sem indenização aos donos". É mole? O Link é esse aqui!

    Abraço!

  • Olá Eduardo Prado, Volto a bater na tecla em afirmar que é extremamente relevante ao debate a informação que a escravidão ocorrido nas Américas teve sim participação de povos negros. É relevante uma vez que põe por terra a idéia de que foram os brancos os únicos culpados e os africanos apenas as vítimas.
    O europeu jamais conseguiria adentrar tanto no continente africano e levar tantas massas de escravos sem a ajuda de outros povos que já viviam naquele continente. Isso é fato. Também é relevante saber que nos Quilombos havia escravidão.

    Porque isso é relevante? porque mostra que o problema da escravidão não foi simplesmente entre brancos e negros. Mas entre praticamente vários povos do mundo que viviam até aquela época!

    Por isso que também é relevante lembrar que foram os europeus quem impuseram o fim da escravatura ao mundo (por motivos mais econômicos que humanitários nós sabemos). Mas é relevante porque retira da discussão a idéia de que o branco é o agente do mal e o negro a eterna vítima.

    Os senhores podem achar: "bobagem, nós não estamos afirmando isso". Porém muitos dos integrantes de movimentos negros pensam assim!!! Até mesmo a ex-ministra Matilde Ribeiro.

    Acho que todos os dados históricos SÃO RELEVANTES E NÃO DEVEM SER OMITIDOS! Afinal nos ajudam a entender o que realmente aconteceu (de certa forma estamos tentando fazer justiça, certo?).

    Outro ponto em que eu discordo é:
    >> "Só a inexistência de um componente racial (tanto senhor quando escravo eram negros) já demonstra a diferença."

    Existiu e ainda existe racismo na África, uma vez que a mesma é composta de diversas etnias muitas envolvidas em conflitos tribais. Volto a exemplificar com o genocídio ocorrido em 1994 em RUANDA (país dividido entre duas etnias: Hutus e tutsis).

    Quanto ao fato da proposta da cota racial ter início no governo de FHC, achei interessante, porém não podemos negar que ela ganhou força no atual governo populista. Governo esse que teve a Matilde Ribeiro como ministra da igualdade racial (ou algo assim), que em seu ministério só contratava negros e o único branco que trabalhava no prédio do ministério era um ASG da limpeza! A mesma que afirmou que não há problemas quando um negro se insurge contra um branco!!!! Veja o nível de pensamento dos defensores das cotas raciais do atual governo!

    Caro Eduardo, o ponto crucial da minha discordância é que na minha visão: O país já esta dividido sim, MAS NÃO ENTRE ETNIAS! uma vez que o negro brasileiro não difere nem culturalmente muito menos geneticamente do branco brasileiro.

    A divisão é SOCIAL e deve ser combatida com cotas SOCIAIS, uma vez que as cotas raciais estimulam a identidade racial que a longo prazo dividiria o Brasil em diferentes etnias (o negro cada vez mais buscando a re-Africanização cultural, como bem querem os integrantes dos movimentos negro).

    Eduardo, porque você não apóia as cotas sociais no lugar das raciais? Por que justamente as raciais?
    Qual o benefício que a cota racial trás que a social não trás?

    Thiago, você falou que os opositores das cotas raciais não apontaram uma alternativa. Mas as cotas sociais não são uma alternativa válida???

    Amigos, pode parecer difícil de crer, mas olhando os defensores das cotas falarem nos meios de comunicação fica claro que por trás das cotas raciais há um desejo insano de vingança!

    A insanidade está no fato de que não há de quem se vingar, uma vez que o povo brasileiro tornou-se um (geneticamente e culturalmente).

  • PS: se me permitem falar mais do que já falei, acho que a parte mais importante de meu comentário não foi a observação da participação de negros no processo de escravidão, mas sim a parte que eu falo sobre a consequência direta da cota racial que é a identidade racial, que a longo prazo dividira o país entre etnias. O ápice do que estou falando é a afirmação que a cota social tem o mesmo efeito pregado pelos defensores das cotas, porém não cria identidade racial. Para finalizar o meu pensamento, afirmo que as únicas motivações lógicas de uma pessoa que prefere a cota racial perante a social são, ou a ignorância (não refletirem sobre o efeito a longo prazo da criação de etnias) ou o desejo de vingança.

    Acho que esse é o ponto (o resto de minhas afirmações são detalhes).

  • AmbAr Amarelo,

    "Eduardo, porque você não apóia as cotas sociais no lugar das raciais? Por que justamente as raciais?
    Qual o benefício que a cota racial trás que a social não trás?

    Porque só as cotas raciais podem acelerar o fim desse vergonhoso quadro de disigualdade racial existente hoje no Brasil. Digo vergonhoso por minha conta, porque eu sinto vergonha de viver num país que relega aos não-brancos os piores indices de desenvolvimento social. Acho esse papo de que somos todos iguais, de que somos todos irmãos muito bonito, mas não tem efeito prático nenhum. Eu também acredito que em essência somos todos iguais, até porque pertencemos a mesma raça, a raça humana. Mas também acredido que isso não determina a realidade.

    Veja esses dados do IBGE e do IPEA. Ambos retratam um pais dividido em que determinada cor/raça confere vantagens sociais e determinam a posição do indivíduo ou do grupo dentro da sociedade.

    Em relação ao fim do tráfico transatlantico de escravos, vale lembrar que ele se seguiu à partilha da África pelas potências européias, que se valeram de toda sorte de violencias e crueldades contra os africanos com efeitos terríveis que perduram até hoje. Se é verdade que coube a um país europeu, notadamente a Inglaterra, acelerar fim da escravidão moderna, também é verdade que coube a outras nações europeias, incluindo-se aí a mesma Inglaterra, a responsabilidade por inventar a escravidão moderna, essa que conhecemos na América e que se inscrevia no sistema econômico mercantilista, próprio da Europa. Portanto não é merito nenhum.

    Foram os europeus que chegaram ao requinte de transformar um ser-humano numa ferramenta, uma peça, como se dizia no Brasil, uma mercadoria pura e simplesmente, desprovida de qualquer direito. Como já disse antes a escravidão praticada na África ou mesmo entre os nativos americanos _ os tupinambás, inclusive _ tinha outra natureza. A escravidão era um direito de guerra. O vencido passava a pertencer ao vencedor, assim como sua família e seus bens. Geralmente os filhos de escravas nsciam livres, embora devessem respeito e submissão ao senhor dos pais e tinha a obrigação de pretegê-lo em caso de guerra, correndo mais que os nativos do clã o risco de ser capturado e convertido em escravo, como havia ocorrido com seus pais.

    O Livro "A Manilha e o Libambo", do Alberto da Costa e Silva, é uma das melhores fontes de informação sobre a escravidão na África, vale a pena ler.

    Podes ver que eu também escrevo demais da conta. E já até desisti de me desculpar pelos erros de digitação. Já está virando uma marca.

  • Olá Eduardo,

    >>"Porque só as cotas raciais podem acelerar o fim desse vergonhoso quadro de desigualdade racial existente hoje no Brasil."

    E porque as cotas sociais não acelerariam o fim da desigualdade racial também? Este é o ponto! O efeito benéfico da cota racial é o mesmo da social, porém a social tem a vantagem de não estimular a fabricação de uma outra etnia no Brasil.

    Então é por isso que eu pergunto, porque a conta RACIAL em detrimento da SOCIAL?

    >>"Foram os europeus que chegaram ao requinte de transformar um ser-humano numa ferramenta, uma peça, como se dizia no Brasil, uma mercadoria pura e simplesmente, desprovida de qualquer direito."

    Qualquer povo que escraviza outro, automaticamente o coloca como objeto, peça, pessoa menos humana. Essa não é uma particularidade dos povos europeus.
    Veja meu exemplo do genocídio ocorrido em Ruanda!! um exemplo atual (1994) que deixa claro que TODOS os povos, incluindo os africanos, estão sujeitos a enxergar outra etnia como inferior e até mesmo indigna de vida.

    É isso, não vejo muita razão nos pró-cotas, além de um sentimento de vingança ou de fortalecimento de uma suposta etnia que continua escrava no Brasil e que deve ser unir e lutar contra a etnia dominante. Mentiras importadas de uma outra realidade que não é a Brasileira, pois aqui negros e brancos formam uma única etnia.

  • AmBar,

    Escravidão não é, e não foi, a mesma em todos os lugares. Não dá pra dizer que a escravidão praticada na Grécia ou em Roma era igual a praticada na América, nem dá pra dizer que a escravidão moderna praticada na América era igual a praticada na África. Mesmo dentro da África a escravidão tinha formas diferentes. mesmo assim, no geral, um escravo não era considerado um ser inferior, mas alguém que não tendo sorte caiu nas mãos do vencedor e por isso deveria submeter-se. Em muitos casos, e esse era o caso da região que hoje forma Angola e os dois Congos, o escravo preservava certa liberdade, mas era obrigado a prestar serviço ao seu senhor e só depois de satisfeito essa obrigação podia cuidar da própria vida.

    Não era esse o caso da escravidão moderna. Em nenhuma outra época uma civilização chegou tão longe a ponto de transformar um ser-humano num objeto, numa simples mercadoria. Toda a economia mercantilista, que já era capitalista em muitos aspectos, estava baseada no trabalho escravo.

    Os massacres de Ruanda que você citou, e muitos outros, são consequência da partilha da África entre as potências européias no final do XIX. Sem nenhum critério essas potências separaram grupos étnicos afins enquanto agrupavam no mesmo território grupos historicamente rivais. E para conseguir governar lançavam uns contra os outros para levar vantagem na contenda. O resultado está aí pra todo mundo ver.

    AmBar, não sou contra cotas sociais, mas também não sou tão ingênuo a ponto de acreditar que o branco não levará vantagem sobre o negro aí também. lógico que para falar isso eu preciso generalizar perfis de famílias brancas e negras. E eu sei que existem especificidades que deixam de ser levadas em conta quando se faz isso. Você vai discordar, mas vamos lá. Generalizando, famílias brancas, em média, são construídas com um suporte de capital hereditário produzido por seus pais e avós. Esse capital pode ser pequeno para suas necessidades, mas em geral ele existe e ajuda uma nova família a se constituir.

    No caso de famílias negras esse capital hereditário ou não existe ou é muito menor que a média dos brancos. A explicação para isso é que escravo não podia ter propriedade _ ele era uma propriedade _, por isso, mesmo depois de livre, não possua bens para transmitir aos seus herdeiros. estamos entre a 4ª e a 7ª geração de nascidos após o fim da escravidão e muitas famílias negras ainda herdam pouco ou nenhum capital hereditário.

    Vamos pegar o exemplo de dois jovens que sejam vizinhos no mesmo bairro e que trabalhem na mesma empresa, ocupem o mesmo cargo e recebam o mesmo salário. Um deles mora numa cada já consolidada, seus pais são capazes de manter a casa e os irmãos menores sozinhos, ainda que com certa dificuldade, mas conseguem. Esse jovem pode dispor de todo seu salário só para si. Pode ajudar em casa também, mas pode dispor do salário como quiser.

    Agora imagine que o outro jovem more numa casa que ainda não ficou totalmente pronta _ isso se naõ for alugada _ e que seus pais precisem fazer malabarismos para manter a casa e seus outros irmãos. Para este jovem ajudar em casa não é uma opção, mas uma necessidade. pouco do que ele recebe acaba ficando realmente com ele. Se a família for maior ele pode se ver na obrigado a sair de casa mais cedo, vai pagar aluguel e terá que bancar tudo sozinho, já que seus país não terão como ajudá-lo. Para tentar ganhar mais pode optar por abandonar seus estudos e assim, quando tiver filhos, vai perpetuar o ciclo de desigualdade.

    Tudo bem, concordo que tanto negros quanto brancos podem estar dois dois lados, mas não há como negar que a situação das famílias negras é muito mais vulnerável e essa vulnerabilidade é histórica, com raízes na escravidão e no modo como foi feita a abolição.

    Você falou lá atrás em "desejo de vingança". Nunca percebi isso em nenhuma palestra sobre cotas quem já participei. Ressentimento sim, existe entre muitos negros, e com razão. Mas o que move mesmo aqueles que apóiam as cotas raciais é o desejo de reparação. E acredito que devemos isso aos brasileiros pardos, indígenas e negros. Mesmo que essa reparação venha com um atraso de 120 anos.

    Não me cansarei de debater com você, AmBar Amarelo– confesso que acho estranho te chamar assim _, mas estou sentindo a falto do Thiago neste debate. Afinal foi ele quem começou essa discussão. THIAGO, CADÊ VOCÊ?

  • Thiago,

    Por favor, apague a primeira versão deste meu último comentário. Tudo bem que eu erro bastante, mas escrever recentimento é f… E o pior é que eu só percebo esse erros quando leio depois de publicado.

    Obrigado!

  • Olá Eduardo, vejo que pensamos realmente de forma muito diferente:

    Afirmar que a escravidão praticada por Africanos foi mais humana, e depois afirmar que os conflitos étnicos que ocorrem na África até hoje é em maioria culpa dos povos europeus, ao meu ver, é uma visão "partidária". É de certo modo etnocentrista, uma vez que é capaz de enxergar o erro de outros povos mas não identifica (ou quando o faz, o ameniza) o mesmo erro em seu próprio povo.

    Sim, há grupos (traficantes de armas Russos, por exemplo) lucrando com os diversos conflitos étnicos ocorridos na África. Porém, os conflitos étnicos na África não foram construídos por europeus. Estes conflitos existem porque os Africanos são seres-humanos assim como os europeus e estão sujeitos aos mesmos defeitos (racismo, intolerância, escravismo).

    Defender a cota RACIAL em detrimento da SOCIAL, é antes de tudo, se enxergar como uma outra etnia, um outro povo, que precisa se unir e lutar contra o seu algoz branco, afim de obter os mesmos direitos e construir uma nação igualmente dividida entre etnias. É a aplicação fora de contexto de um pensamento estadunidense, em uma sociedade COMPLETAMENTE diferente.

  • Pessoal, está muito difícil acompanhar a discussão de vocês, que estou lendo com certa pressa. Não tenho tempo de responder tudo de imediato, da maneira como gostaria, ou seja, com detalhe, mas vou abstrair algumas ideias e pincelar alguns pontos.

    Primeiro, AmBar, identidade racial é muito diferente de identidade étnica, embora às vezes possa haver certa confusão entre os 2 conceitos. A identidade racial no Brasil, da qual estamos falando aqui, é uma ideia corrente que separa os indivíduos em grandes grupos identificados por caracteres físicos: "negros", "índios", "brancos" etc.

    E isso independe completamente do DNA das pessoas, trata-se de uma discriminação com base no fenótipo. Embora seja interessante estudar a composição genética dos brasileiros, o fato de saber que o Negrinho da Beija-Flor é geneticamente "europeu" não muda o preconceito racial que ele certamente sofre no dia-a-dia. Para a sociedade na qual está inserido, que discrimina pela marca e não pela origem, ele continua sendo tão "negro" quanto qualquer pessoa de pele escura.

    Identidade étnica é algo bem mais complexo. Não seria acurado dizer, por exemplo, que a população indígena do Brasil é uma etnia, muito menos a população negra ou a população branca. Os grupos étnicos indígenas são centenas. Há comunidades rurais negras que podem ser consideradas etnias, pois se diferenciam do resto da população por caracteres diacríticos, por uma noção de pertencimento, de origem comum, de práticas culturais específicas e/ou por uma relação com certo território. Dessa forma, também podem ser consideradas etnias os pomeranos de Pomerode (SC), os japoneses do Bairro da Liberdade (São Paulo, SP). Mas não a população descendente de alemães de modo geral, não os nisseis de forma generalizada, nem os negros, nem os índios, nem os "árabes" (que também compõem vários grupos étnicos).

    Ambos os tipos de identidade são arraigados nas representações sociais e muito difíceis de ser abolidos. Eu tenho certa simpatia com a abolição da noção de raças, mas acho que os grupos étnicos precisam ser tratados com cuidado, pois as diferenças culturais existentes, os modos de viver e pensar, são muito importantes para a manutenção da vida dos diversos grupos humanos.

    Outra coisa que tenho a dizer, AmBar, é que Eduardo é um historiador, e portanto imagino que ele tenha mais competência para falar sobre a escravidão em diferentes contextos históricos do que eu, antropólogo, e você, engenheiro/físico. Não que isso impeça qualquer um de nós de se aprofundar no assunto, mas Eduardo se preparou muito melhor do que nós dois em sua formação.

    Realmente é importante notar que a escravidão na África não estava relacionada ao racismo. Havia escravidão entre pessoas do mesmo povo. Depois que a dívida era quitada, não havia grandes consequências estigmatizantes. Na escravidão moderna, a ideia de raça justificava a subjugação de um povo por outro e não havia como um negro se desfazer do estigma de ser inferior, de ser um ex-escravo, mesmo depois de comprar sua alforria. Até hoje, quando pensam num escravo, os brasileiros pensam imediatamente numa pessoa negra, justamente por causa dessa herança.

    Mas isso tudo não quer dizer que qualquer tipo de subjugação não seja o constrangimento da liberdade. A condição dos trabalhadores braçais na contemporaneidade, mesmo não havendo mais escravidão, ainda é desumana.

    Sem ter respondido a tudo, deixo com vocês, não como argumento, mas com o intuito de refletirmos, uma entrevista com um militante negro que é contra as cotas raciais, José Roberto Militão: aqui ou na URL http://www.cartacapital.com.br/app/materia.jsp?a=

    P.S.: Essa discussão entre vocês dois vai acabar em amizade… 😉

  • Olá Thiago e Eduardo 🙂 concordo que não possuo conhecimento nenhum para falar aqui 🙂 Mas é ai que mora a riqueza desse tipo de debate, uma vez que pessoas com outras formações podem introduzir questionamentos ou uma nova maneira de pensar.
    Enquanto eu estiver apenas questionando e não colocando um ponto final nas afirmações, acho que a coisa estaria correndo bem.

    Sem querer ser teimoso, mas porque a escravidão na África, praticada por africanos, não estaria relacionada ao racismo??
    Só há racismo quando a componente européia está presente?
    Para mim, o conflito ocorrido em Ruanda, por exemplo, foi puro racismo.

    Como medir até que ponto a coisa deixa de ser racismo? Como saber se não haviam conseqüências estigmatizantes para os escravos africanos na África? apesar de, para nós, os Africanos parecerem iguais, eles conseguem enxergar inúmeras diferenças físicas entre as diferentes etnias.

    Thiago, sua observação sobre identidade racial e identidade étnica me esclareceu as idéias. Por favor, tudo que falei sobre identidade racial considerem que me referia a identidade étnica.

    PS: Pode parecer que eu estou defendendo os europeus aqui. Não estou, apenas acho que racismo nunca foi uma particularidade de uma etnia apenas.

  • Thiago,

    Ainda bem que ninguém precisa ser especialista para emitir opinião, senão todas as discussões seriam muito chatas. E depois, eu não sou especialista em História da África ou questões raciais e só o fato de ser historiador não faz de mim uma autoridade no assunto. Mas voltando a discussão…

    AmBar Amarelo , eu não disse que a escravidão praticada pelo africanos dentro da África era mais humana, disse apenas (ou pelo menos foi o que eu quis dizer) que ela possuía especificidades que a diferenciavam da escravidão praticada pelos europeus na América, que em História costumamos chamar de escravidão moderna. O que torna a Escravidão Moderna “diferente” _ e talvez mais cruel _, é que ela já se inseria dentro de um sistema capitalista que coisificava a pessoa do escravo tornando-o uma ferramenta de produção com alto valor comercial agregado. Alguns textos do século XVIII e XIX referem-se à eles como “máquinas”. O Comércio transatlântico de escravos foi por mais de três séculos um dos negócios mais lucrativos (se não o mais) no mundo _ os impostos arrecadados com o tráfico foi a principal receita do reino Português no século XVII e XVIII _ e para que essa roda da fortuna girasse era preciso que a demanda crescesse indefinidamente. Por isso a alta mortalidade, antes de ser prejuízo, favorecia o comércio e o lucro, como um produto que precisa ser substituído para que a fábrica continue vendendo e gerando riqueza. Não era essa a lógica da escravidão praticada dentro da África ou por povos ameríndios como os tupinambás.

    Quanto a prática da escravidão dentro de quilombos, trata-se ainda de um tema a ser melhor estudado. Em Palmares, por exemplo, ha fortes indícios de que seria uma prática aceita _ até porque fazia parte do sistema econômico/cultural daquele momento histórico _ mesmo assim não há dados concretos que permitam afirmar isso de forma categórica, embora haja relatos de viajantes europeus neste sentido. E se houve não dispomos de fontes suficiente para especularmos como se daria essa prática. Não é o caso de outros quilombos mais bem documentados, como o de Oitizeiros. Nele, como em muitos outros, os escravos fugidos que ali procuravam abrigo trabalhavam de graça ( sobretudo na produção de farinha de mandioca) em troca de proteção e abrigo. Os portugueses chamavam esses quilombos de coiteiros, porque ofereciam dormida aos escravos fugidos em troca de trabalho. O historiador João José Reis diz num de seus livros _ Liberdade Por Um Fio: A História dos Quilombos no Brasil que os negros que se refugiavam em quilombos não procuravam uma alternativa de vida à escravidão, mas uma alternativa de vida dentro da escravidão. É como um assalariado que sendo maltratado ou mal pago pela empresa na qual trabalha procura outra que lhe trate ou remunere melhor.

    Sobre sua pergunta, acho que o Thiago seria a melhor pessoa para responder, mas eu entendo etnia como uma categoria que também pode englobar características físicas, mas sua principal composição seria língua, religião e sistemas de valores. Eu diria até que os sistemas de valores seriam o componente mais importante a dividir e a opor um grupo étnico do outro. Raça já seria uma categoria muito mais genérica. Não lembro o nome do sujeito agora, mas um europeu do século XVIII (ou XIX ?) dividiu os humanos em quatro grandes grupos raciais que continuam em voga até hoje: Negróides (negros africanos e aborígenes australianos); Caucasianos (brancos europeus e asiáticos); Ameríndios (vermelhos _ indígenas americanos) e mongolóides (amarelos _ chineses, japoneses e que tais). Assim um inglês, um árabe ou mesmo um indiano pertenceriam a mesma raça caucasiana e um senegalês pertenceria a mesma raça que um sudanês, por exemplo, embora cada um pertença a grupos étnicos diferentes_ depois vieram outros “cientistas” brancos que colocaram o caucasiano no topo da cadeia evolutiva. Nesta lógica o massacre de Ruanda estaria (muito)mais para um conflito étnico e (muito)menos para um conflito racial.

    PS: E realmente parece que você esta defendendo os europeus. :p

    Abraço!

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