Lições do Sr. Spock

Para I. M.

Como disse no post anterior [na verdade, no texto Star Wars vs. Star Trek], comecei há alguns dias a ver a série clássica de Jornada nas Estrelas. Como é comum entre os trekkers, elegi, por várias razões, o Sr. Spock como personagem favorito. Não costumo fazer esse tipo de escolha, mas às vezes aparecem tipos que me chamam muita atenção.

Spock me pareceu interessante por ser um alienígena trabalhando com humanos, ou seja, por ser um “estranho no ninho”. Mas ele é mais complexo ainda, porque não é completamente vulcano como seu pai, mas tem características humanas (mesmo que sejam muito sutis e só apareçam esporadicamente), que herdou de sua mãe terráquea. Ou seja, ele é um híbrido, o melhor meio de se estabelecer uma relação entre dois povos.

Essa característica o torna inspirador para mim, que desde cedo nesta vida sofri de síndrome do estrangeiro. Há algum tempo venho me esforçando para encontrar meios de melhor me adaptar aos ambientes em que vivo. E sei que tenho coisas importantes a trazer para este mundo, assim como este mundo tem muito a oferecer para minha evolução.

Outro asoecto, o mais óbvio, de Spock que me inspira é sua forma de pensar e resolver situações. Ele sempre enxerga as circunstâncias de forma lógica e tem uma disciplina mental extremamente sofisticada para não demonstrar ou não sentir emoções. É interessante ver cenas da série em que, diante de situações críticas, que afetam sua própria integridade, ele se mostra imperturbável. Em um dado episódio, acometido por um parasita que o faz sentir dor, ele consegue controlar sua mente, pois alega que a dor é um estado mental, para diminuir essa dor ou para não ser afetado por ela.

Spock é o extremo oposto das pessoas que pautam suas ações pelas emoções e que vivem com o objetivo de senti-las, o que considero estagnante evolutivamente. Mas, apesar de admirar uma personalidade como a de Spock, ela também não é a ideal, pois dificulta a empatia, o que é essencial quando se quer ajudar alguém com angústia. Já passei por momentos em que, por não procurar entender o que o outro sente, tomei atitudes que o atrapalharam ao invés de ajudarem. Mas também passei por momentos em que a dificuldade de disciplinar um desejo prejudicou a mim e a pessoas próximas a mim.

Da mesma forma que a relação entre Spock e Jim Kirk (melhor amigo de Spock e representante da emotividade que falta a este) é essencial para que os problemas da nave espacial Enterprise sejam resolvidos de forma equilibrada, a ponderação entre razão e emoção deve ser levada a sério por cada indivíduo. Penso que os sentimentos são importantes, pois o prazer da convivência, seja com pessoas próximas, seja com a humanidade ou seres de outros mundos (outras dimensões e planetas), nos move a ser úteis e a nos beneficiar do que há de bom no universo. Porém, as emoções surgem de forma espontânea, sendo muitas vezes resultado de nossa biologia, das influências do meio e de nossa história pessoal. Por não serem deliberadas, não devemos ter culpa de as sentir ou acusar alguém por agir de forma impensada.

Por isso, considero que a razão deve gerenciar essa relação entre um lado e outro do cérebro, sempre controlando a mente de forma refletida, considerando quais sentimentos devem ou podem ser cultivados e quais emoções devem ser disciplinadas ou extirpadas, para que se concretize o ideal cosmoético “que acontaça o melhor para todos”. É sempre importante estabelecer mentalmente o que é descartável e o que não é, o que é racionalmente melhor e o que devemos abandonar, e agir de forma coerente, sempre combinando atitude mental (cabeça, águia), atitude psíquica (coração, leão) e atitude física (baixo-ventre, boi). Tudo o que fazemos, mesmo um pensamento, repercute ao redor de nós. Temos uma grande responsabilidade pelas descargas elétricas de nossos neuônios.

Esta manhã tive um insight sobre esse problema, e percebi mais claramente quais são alguns dos esforços que tenho que fazer para disciplinar minha mente e não deixar que as emoções me controlem nem que a razão me torne frio demais (o que já aconteceu algumas vezes e foi tão problemático quanto ser arrebatado violentamente por uma emoção). Mais concentração, organização e execução prática de prioridades, bem como exercícios rotineiros de estado vibracional (sobre o EV, links aqui, aqui, aqui e aqui) e ampliação da consciência. Num exercício destes, apareceu-me a imagem mental de um instrumento sendo alocado na parte esquerda de minha cabeça, possivelmente representando uma melhoria (ou indicando que devo fazer mais esforços mentais) para minhas faculdades racionais em detrimento das emocionais.

Talvez, inspirado em algumas atitudes íntimas do Sr. Spock e dando mais atenção a (e cultivando) uma postura já latente em mim, eu possa aproveitar melhor meu relacionamento com outras pessoas e, sendo mais coerente comigo mesmo, ser mais assistencial a elas.

[Publicado originalmente em 16 de dezembro de 2008.]

8 comments

  • Thiago,

    fico entusisamada em saber que vc também é treker (eu peguei isso de um namorado, não sarei até hoje…)

    Mas vou discordar, com gentilesa vulcana, de seus pressupostos:

    Spock não é equilíbrio: é conflito puro. Em meio a humanos ele age como vulcano, em meio a vulcanos, ele solta sua humanidade. É cobrado que seja vulcano, que não se junte a essa empreitada de humanos tolos, impulsivos.

    Claro que Spock é a expressão de uma falsa dicotomia, uma dicotomia que desde os gregos antigos, faz parte de nosso pensar: a dicotomia entre razão e emoção, entre racionalidade que te afasta da natureza, e impulso, que te aproxima da animalidade. Os gregos antigos precisaram disso para fundar sua humanidade e não resolvemos esta dicotomia falsa até hoje, pelo contrário, nosso pensar fundado em séculos – milênios – de pensar desta forma se sente confortável com ela.

    Spock e para mim – todos tem as suas razões para gostar desse personagem fascinante – pra mim é fascinante ele personificar esta nossa briga interna, pois mesmo os vulcanos não são se não, no terreno da ficção, uma projeção de uma de nossas facetas humanas criadas nesse processo mielnar, levada ao seu limite.

    //
    O

    (live long and prosper)

  • Obrigado, @Flavia! Quando escrevi esse texto, só tinha assistido à primeira temporada e não havia visto tudo o que Spock tinha a oferecer como personagem cheio de conflitos internos.

    Mas também justifico o foco do texto pelas circunstâncias em que o escrevi, em dezembro de 2008. Na ocasião, eu estava passando por um problema pessoal que me exigia o máximo de racionalidade para lidar com minhas emoções. Spock, por mais híbrido que seja, sempre será lembrado por representar um imprescindível elemento lógico na tripulação da Enterprise, sem o qual esta pereceria sob o comando do impulsivo Kirk. E, neste aspecto, ele foi uma imagem forte para mim. Ele tem um grande autocontrole, mesmo sendo filho de uma humana. E quase conseguiu concluir o kolinahr em Jornada nas Estrelas: O Filme.

    Não quis dizer (se o fiz) que ele se encontra num equilíbrio entre razão e emoção. Spock vive realmente num conflito, retratado ao longo da série e dos filmes, e que ele só vai começar a resolver em Jornada nas Estrelas: A Terra Desconhecida, quando começa a falar explicitamente sobre a importância de convivermos com nossas emoções.

    Bem, eu penso em escrever um novo texto sobre Spock, explorando o personagem em sua multidimensionalidade e não o usando como símbolo de autoanálise.

    Ademais, agradeço novamente por trazer novos elementos para enriquecer o texto. 🙂

  • Olá, Tiago! Gostei de conhecer seu espaço. Boas trepidações mentais! Essa discussão em torno de Spock ficou interessante. Lembrou-me Nietzsche, a`crítica que ele faz à cultura grega, que teria -em sua visão- caído em acelerado declínio a partir de Sócrates (um certo excesso de raciocínio, de dialética, em detrimento da sabedoria dionisíaca: a embriaguez, o sonho, a aventura…). A 'verdade' é que, como diz Clarice Lispector, "viver ultrapassa todo entendimento". Um grande abraço!

  • Obrigado, @Nivaldete, por sua visita.

    Quanto à dicotomia Apolo/Dioniso, minha preferência fica no meio. Pessoalmente, acho que não se deve renunciar a nenhum em favor do outro. Mas considero que, em momentos críticos, a cabeça deve assumir o controle.

    É claro que tudo isso é relativo…

  • Uma coisa que sempre me deixava inquieto com relação ao senhor Spock é que ele tinha vergonha do seu lado humano/emocional.
    Porém vergonha é algo emocional e portanto (seguindo sua lógica) ilógica!

    O mais lógico seria aceitar sua parte humana/emocional.

    Eis ai um paradoxo na personalidade desse vulcano.

    🙂

    Minha teoria é a de que nos momentos em que ele renegava seu lado emocional ele na realidade o estava sendo ainda mais.

  • Bem, @AmBAr, não esqueçamos que os vulcanos são em sua biologia extremamente propensos à emocionalidade, e a rígida disciplina de sua cultura é uma forma de eles não destruírem a si mesmos nem aos outros.

    Até os vulcanos puros demonstram emoções. Na primeira aparição do pai de Spock, na série original, vemos Sarek expressando embaraço quando sua esposa humana fala da infância do filho. Vemos também que ambos, pai vulcano e filho mestiço, têm um conflito mal resolvido, devido à escolha de carreira de Spock.

    Mas isso não impede que, em meio a humanos, Spock seja um modelo de paciência e racionalidade, mesmo que em alguns momentos negue suas paixões.

    Se os vulcanos não tivessem sentimentos, seriam computadores ambulantes, não haveria uma razão (!) lógica (!!) para manterem sua existência.

  • Parabéns pelo post, bem completo e elucidativo. Sou fã de Star Trek desde 1967, assisti todos os 79 episódios e também as outras séries e todos os filmes.
    Quero acrescentar que entre os lados opostos de Kirk e Spock, sempre haverá o Dr. Leonard Mc Coy, o elemento moderador entre ambos. Os três fazem a trindade que dá vida á serie.
    É isso.
    Vida Longa e Próspera!

    • Pois é, Sarrah, eu não mencionei o Dr. McCoy, mas ele é realmente uma peça importante do conjunto. Costumo pensar que os três formam a tríade do pensamento (Spock), emoção (McCoy) e ação (Kirk), e só funcionam bem trabalhando juntos.

      Atualmente, já assisti quase tudo de Star Trek: A Nova Geração, Deep Space Nine, Voyager e todos os filmes, só falta ver a série Enterprise. Se eu fosse escrever esse texto hoje haveria muito mais coisa para dizer (quem sabe eu não faça uma parte 2…).

      Obrigado pela visita.

      Vida longa e próspera. 🙂

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