Planeta dos Macacos: A Origem

O cinema contemporâneo vem sendo marcado pelo fenômeno das refilmagens, prequências, reboots e similares. A crise de criatividade em Hollywood chega ao ponto de vermos obras semelhantes aparecerem num intervalo de poucos anos. É o caso de Homem-Aranha (2002 e 2012)), Hulk (2003 e 2008) e Planeta dos Macacos (2001 e 2011). Estes últimos têm o agravante de já serem ambos homenagens ao mesmo filme de 1968.

E, acima de tudo, muito mais do que uma grande obra de arte, Planeta dos Macacos: A Origem (Rise of the Planet of the Apes, 2011) é uma grande homenagem ao legado cinematográfico iniciado por Franklin J. Schaffner com seu O Planeta dos Macacos (Planet of the Apes, 1968), este já uma adaptação do livro homônimo de Pierre Boulle (La Planète des Singes, 1963)

Spoilers: Esta resenha contém revelações sobre a obra. Se você ainda não a viu e não quer estragar a surpresa, pare agora a leitura.

Planeta dos Macacos: A OrigemTítulo: Planeta dos Macacos: A Origem (Rise of the Planet of the Apes)

Diretor: Rupert Wyatt

País: EUA

Ano: 2011

A premissa do filme é explicar o processo pelo qual os macacos (especificamente os macacos antropoides, chimpanzés, gorilas e orangotangos) começaram a dominar o planeta Terra e os humanos degeneraram para a condição de animais irracionais. Ou seja, é uma prequência para o filme de 1968. Daí temos estabelecido que “a origem” diz respeito ao universo dos filmes e não ao do livro de Boulle, já que neste a história não se passa na Terra.

Antes de tudo mais, lembremos que uma prequência a O Planeta dos Macacos já havia sido feita em 1972 com A Conquista do Planeta dos Macacos, dirigido por J. Lee Thompson, quarto filme da quintilogia iniciada em 1968. De fato, toda a quintilogia original é um ciclo que narra um paradoxo temporal em que os eventos do primeiro filme dão origem a eventos do passado que vão determinar o cenário do primeiro filme.

O filme de 2011 narra uma história alternativa. Enquanto nos filmes originais o iniciador da revolução símia, César, é filho de chimpanzés inteligentes do futuro, a nova sequência de eventos traz um chimpanzé, também chamado César, cuja mãe havia sido tratada com um vírus. Este vírus fazia parte dos resultados provisórios de uma pesquisa para a busca da cura do Mal de Alzheimer, e sobre os chimpanzés ele tinha o efeito de deixar mais inteligentes. César, cuja mãe teve que ser sacrificada, é levado para casa por Will Rodman, cientista responsável pela pesquisa, para que não levasse o mesmo fim da progenitora, e se torna animal de estimação de Charles Rodman, pai do pesquisador, que sofre de Alzheimer.

Mas César não é um animal qualquer. Ele é praticamente uma criança humana num corpo de chimpanzé, e amadurece muito mais do que o chimpanzé médio quando se torna adulto. Seu confinamento doméstico traz problemas, pois ele sente a necessidade de ir para fora de casa brincar, mas os vizinhos consideram que o macaco é um risco se deixado solto. Sua ânsia por ar fresco é aliviada quando Will passa a levá-lo constantemente a um parque florestal de San Francisco, cidade onde residem. Mas César permanece descontente por não ser tratado pelos outros como uma pessoa.

O evento crucial que vai iniciar a reviravolta do filme é quando César ataca um vizinho que está brigando com Charles. Os donos acabam por levar César a um abrigo, onde ele é obrigado a conviver com outros chimpanzés e com a presença de um orangotango e de um gorila enjaulado. Mas César, que no início se torna um proscrito entre os de sua espécie, logo usa sua inteligência superior para dominar o grupo, criando ferramentas para soltá-los de suas jaulas e domando o gorila, que se torna seu guarda-costas. Seu grande feito, no entanto, é trazer para o abrigo o vírus da pesquisa e infectar seus colegas, que passam a desenvolver inteligência como ele.

O que se segue se resume a uma longa luta entre macacos (que se libertam do abrigo) e humanos, encenada quase toda na ponte de San Francisco, que fica no caminho entre a cidade e o parque florestal. Nesse caminho, os macacos provam um pouco de vingança contra os humanos, estabelecem alguns precedentes para a organização social símia, bem como alguns de seus valores morais, e se encaminham da cidade para a floresta, onde se subentende que formarão uma sociedade autônoma composta de chimpanzés, orangotangos e gorilas.

Temas

A Conquista do Planeta dos Macacos
A Conquista do Planeta dos Macacos (1972)

A premissa não é nova. Traz-se para a relação entre humanos e animais a mesma história que encena a revolta dos oprimidos contra os opressores, os fracos que descobrem a própria força para lutar por liberdade. Essa é a história dos escoceses em Coração Valente (Braveheart, 1995), dos rebeldes em Guerra nas Estrelas (Star Wars, 1977), dos bichos da fazenda em A Revolução dos Bichos (Animal Farm, George Orwell) e das máquinas que se voltam contra os humanos em Matrix (The Matrix, 1999) – que posteriormente são combatidas pelos mesmos humanos oprimidos por elas.

Aliás, não há novidades em Planeta dos Macacos: A Origem, o tema não é explorado além do básico. Temos ali uma situação tensa, um representante dos oprimidos que tem algo especial, sem o qual não poderá liderar seu grupo; há os amigos do lado dos opressores, divididos entre ajudar e arriscar-se a morrer, mas que enfim ajudam. Entrevê-se, enfim, a reviravolta que colocará os ex-oprimidos no lugar dos opressores (como os porcos de A Revolução dos Bichos, que se tornam humanos, e as máquinas de Matrix), da forma como vimos em O Planeta dos Macacos, o que traz outra mensagem: não adianta tomar o poder sem antes reformular a estrutura do poder; os atores mudam, mas a dominação continua a existir.

O filme traz considerações atuais sobre a bioética e os riscos da busca desenfreada pelo lucro advindo do mercado medicinal. Também aparece uma referência ao medo das armas biológicas, com a propagação de uma doença que começa a ameaçar a humanidade e dá início à degeneração do Homo sapiens.

Homenagens

O Planeta do Macacos (1968)
O Planeta do Macacos (1968)

Como disse acima, Planeta dos Macacos: A Origem é mais uma homenagem do que um bom filme. Vale a pena citar as referências, que fazem com que a obra seja melhor aproveitada por aqueles que se lembram do filme original.

A primeira cena, em que humanos caçam macacos numa selva africana, remete ao primeiro encontro entre humanos e macacos do filme de 1968. No caso presente, chimpanzés são engaiolados e levados à cidade grande para se submeter a experimentos científicos. A mãe de César é apelidada de Bright Eyes (Olhos Brilhantes), o mesmo apelido que Taylor recebe da Dra. Zira no filme original.

Quando adulto, os donos de César o levam para passear com uma coleira e vestindo uma camisa vermelha, da mesma forma que o César de A Conquista do Planeta dos Macacos (neste caso, para se passar por um chimpanzé normal).

Quando está enjaulado, César recebe uma ducha de água fria do seu carcereiro, remetendo à cena em que Taylor, também enjaulado, recebe o mesmo tratamento do gorila que o vigia. No cativeiro, César conhece um orangotango chamado Maurice e um gorila chamado Buck, referências aos atores Maurice Evans (que interpretou o orangotango Dr. Zaius) e Buck Kartalian (que interpretou o gorila Julius, carcereiro de Taylor). Cita-se ainda uma chimpanzé, numa cela próxima à de César, cujo nome é Cornelia, que remonta a Cornelius, um dos principais chimpanzés do filme original.

Uma das frases mais marcantes do filme original é proferida por Taylor quando capturado em sua tentativa de fuga:

Take your stinking paws off me, you damn dirty ape!

Essa frase é parafraseada ipsis litteris pelo carcereiro de César, quando este está tentando fugir. César responde com um sonoro “Não!”, primeira palavra proferida por um macaco no filme. É também uma referência a A Conquista do Planeta dos Macacos, em que a chimpanzé Lisa, companheira de César e primeira símia a falar depois deste, suplica que ele não fuzile os humanos capturados pelos gorilas.

A polícia montada humana também é uma óbvia recordação dos gorilas cavaleiros do filme original. Um dos cavalos é inclusive capturado por César, que o monta em determinado momento da luta. Este não é apenas o precedente para o futuro em que macacos domarão cavalos, mas uma referência ao fato de o César de A Conquista do Planeta dos Macacos ser um chimpanzé de circo que, entre outros “truques”, cavalga uma montaria.

Certamente escaparam muitas referências desta lista, seja porque não pretendo me delongar demais, seja porque não lembrei, seja porque não as percebi. Mas estas são suficientes para mostrar que Planeta dos Macacos: A Origem primou pela homenagem à obra cinematográfica original, respeitando diversos elementos que caracterizaram o que O Planeta dos Macacos representa artística, cultural e socialmente.

Macacos virtuais

A principal diferença plástica entre esse filme e as versões precedentes é a materialização dos macacos. Aqui eles são criados com tecnologia digital, tendo os movimentos capturados de atores humanos reais. Não chegam a ficar muito diferentes de macacos reais, embora desenvolvam ao longo da história um tamanho quase humano e postura ereta. Porém, não são tão realistas quanto a criatura fantástica Gollum de O Senhor dos Anéis, interpretado pelo mesmo ator que faz César, Andy Serkis.

Os macacos da quintilogia original são muito mais parecidos com humanos em termos de postura, proporção dos membros e tamanho da cabeça. A partir da recriação de Tim Burton (2001), houve a preocupação em caracterizar chimpanzés, orangotangos e gorilas racionais mais parecidos com suas versões reais animalescas.

No entanto, os macacos digitais perdem um pouco de expressividade. Tendo que se comunicar especialmente por expressões faciais, gestos e linguagem de sinais, os atores não conseguiram imprimir o mesmo resultado dos atores maquiados. Wall-E e Eva, por exemplo, conseguem ser mais expressivos do que César e cia. Com exceção de alguns poucos momentos de Andy Serkis, os macacos oscilam entre óbvios bonecos gráficos e animais sem vida. Mas, no geral, não se pode dizer que ficaram mal feitos. Resta esperar pela provável continuação para ver se o filme melhora ao menos nesse quesito.

Filmes citados

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