De neurônios, sexo e sexualidade
Recentemente, o professor Alípio de Sousa Filho, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, editor da revista Bagoas, publicou um artigo intitulado “Cérebros (homos)sexuais: as ressonâncias do preconceito”, no CMI Brasil e no blog Mulheres de Olho. No texto, o sociólogo comenta a conclusão de uma pesquisa neurológica feita por Ivanka Savic e Per Lindström, em Estocolmo, sobre os cérebros de homossexuais. Segundo a pesquisa, os cérebros dos gays funcionam como os cérebros das mulheres heterossexuais, e os cérebros das lésbicas como os cérebros dos homens heterossexuais, o que, de acordo com os cientistas, indicaria uma predisposição neurobiológica ao comportamento homossexual.
Alípio (chamo-o pelo primeiro nome pela intimidade; ele foi meu professor na universidade) critica duramente a conclusão de Savic e Lindström, dizendo que ela ressoa uma necessidade da sociedade ocidental de explicar a origem da homossexualidade, tida como anormal, e não se detém na explicação da heterossexualidade, tida como óbvia normalidade. Esse tipo de pesquisa é comemorado por militantes GLBTT, que acreditam que traz a possibilidade de ser melhor aceitos pela humanidade homófoba. Para Alípio, entretanto, essa pesquisa não deveria ser motivo de comemoração, pois ela reflete a incapacidade de nossa sociedade de aceitar que a homosexualidade pode ser uma opção. Essa sociedade se dá melhor com a idéia de que a orientação sexual é algo inevitável, uma determinação a que os homossexuais, “coitados”, não podem escapar. Vale a pena ler o texto na íntegra.
Em ambos os websites em que foi publicado, o artigo de Alípio suscitou comentários desfavoráveis, tanto de fanáticos religiosos e homófobos assumidos quanto de militantes homossexuais e de feministas. Concordo com alguns argumentos de Alípio, principalmente no que se refere ao tipo de acolhimento de nossa sociedade aos homossexuais, vistos como anormais, pecadores, portadores de uma doença (às vezes quase) irremediável. Também concordo que é preciso levar em consideração, numa pesquisa neurológica, que o funcionamento do cérebro pode ser o resultado e não a causa de um comportamento.
No entanto, a questão não é resolvida de forma tão simples como ele propõe (para Alípio, todo comportamento humano prescinde de explicação biológica). A meu ver, concordo que fatores sociológicos são tão importantes ou mais do que os biológicos para constituir o comportamento humano. Mas não há evidências científicas suficientes para assegurar que são os únicos fatores. Concordo com ele que cada indivíduo possui uma trajetória de vida composta de uma miríade de ocorrências condicionantes de seu temperamento. Mas talvez a a biologia tenha algum papel nisso tudo. E se tiver, não penso que seja o mais determinante, nem acho que seja em si motivo para pensar nas pessoas como condenadas pela biologia.
De qualquer forma, para além dos comentários sobre o artigo supracitado, penso que uma pesquisa neurobiológica como a de Savic e Lindström deixou de levar em conta um complexo conjunto de outros elementos relevantes e importantes na questão da sexualidade. Um deles é a bissexualidade. Como funciona o cérebro de um bissexual? Como funciona o cérebro de um zoófilo? E como, por todas as estrelas que brilham no céu terráqueo, como funciona o cérebro de um pansexual?
É muito importante que tenhamos em mente que o gênero masculino de uma pessoa não necessariamente corresponde ao desejo sexual por mulheres. Se um homem homossexual tivesse alguma diferença, em relação a um homem heterossexual, em termos de gênero, ele não seria chamado de homossexual, pois ele não seria homem. É justamente pelo fato de ser homem que seu desejo por outro homem é homossexual (homo, em grego, quer dizer “igual”). Um homem que gosta de outros homens não tem necessariamente vontade de pertencer ao sexo feminino. Uma lésbica não é necessariamente um homem em corpo de mulher.
Já vi, na televisão, um homem, casado com um travesti, que queria que sua companheira fizesse uma cirurgia para trocar de sexo. Onde se encaixam esses indivíduos na classificação do comportamento sexual? Qual é a preferência do primeiro, casado com uma pessoa que tem corpo masculino? Será que ele gostou da pessoa que conheceu, mas ficou insatisfeito por não ter um corpo de mulher?
Outro caso interessante, também visto na televisão, que só conhecia em teoria, foi o de uma pessoa, nascida com o sexo masculino, que tinha o desejo de mudar, de se tornar uma mulher. Já assumira uma identidade feminina, trocando o nome de batismo e passando a se vestir com roupas de mulher. Mas ela não tinha desejos sexuais por homens. De fato, namorava uma moça de sua idade. Como funciona os cérebros dessas pessoas?
Gostaria de saber o nome do filme do qual, certa vez, vi trechos, em que uma garota dizia algo assim:
Não é que eu goste de mulheres. Eu me apaixono por pessoas. O fato de as pessoas por quem eu me apaixonei serem mulhere é coincidência.
4 comments
Estes assuntos são complexos, verdade? Tendo a crer na
pesquisa bioquímica.
Estou impressionado. Este post publicado dez dias depois da publicação da PNAS enquanto os sites gays e religiosos só tornaram essa pesquisa pública há pouquíssimo tempo.
"Se um homem homossexual tivesse alguma diferença, em relação a um homem heterossexual, em termos de gênero, ele não seria chamado de homossexual, pois ele não seria homem."
Pois é, e tem diferença. Por isso hoje chamam-no "gay", denominação mais recente.
À medida em que a ciência avançar na identificação das diferenças, a tendência será rotular cada uma delas. Por enquanto estamos apenas balbuciando as primeiras sílabas.
Como será daqui a 200 anos?